A falência do sistema educacional era um fato autoevidente. Ninguém estava feliz: professores, pais e alunos reclamavam, recorrentemente, das insuficiências do modelo praticado. Talvez apenas alguns centros privados de elite – que cobram fortunas por um certificado de grife – estavam satisfeitos, vendendo status ao invés de conhecimento. Aliás, o vergonhoso desempenho brasileiro no Pisa, por si só, expunha as agudas fragilidades de uma engrenagem que não mais consegue parar em pé.
Ora, enquanto uma mentira é socialmente aceita, a luta pela verdade é uma batalha inglória. Gostamos de acreditar em ilusões, pois o peso da realidade é muitas vezes frustrante e doloroso. Acontece que fugas e negações não resolvem os problemas da vida; quando menos se espera, a crueza dos fatos simplesmente se impõe, levando de roldão tudo que se mostra obsoleto.
Então, a tragédia da Covid-19 colocou o problema educacional brasileiro dentro de nossos lares. Com a potencialização do recurso a aulas online, os pais estão tendo a oportunidade de ver pedagogias, lições e estilos da época do Ariri Pistola. E aí querem que nossas crianças e estudantes – acostumados com as dinâmicas atrativas do mundo digital – prestem atenção em anacrônicos métodos bizantinos. Simplesmente, não tem como funcionar, pois a receita é a do fracasso.
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Sim, é hora de admitirmos que temos uma educação de faz de conta. E o mais grave: gastamos fortunas no sistema público e com escolas privadas para um resultado absolutamente pífio. Um nonsense total.
Sem cortinas, não faz mais qualquer sentido pagar rios de dinheiro por esse puído processo educacional. Com acesso internet, qualquer aluno pode conhecer e aprender, gratuitamente, em cursos de Harvard, Yale, MIT, Stanford, Oxford, Cambridge ou Insead. Em tempo, a inteligência criativa de Scott Galloway já anteviu que o futuro reserva uma progressiva aproximação das Big Four (Amazon, Google, Facebook e Apple) com centros acadêmicos de excelência que, por sua vez, terão um crescimento exponencial de alunos em seus cursos de forma mais barata, online e com instrumentos de tecnologia de ponta, relativizando ainda mais o velho padrão de estar na sala de aula.
Nesse contexto, precisamos de uma profunda readequação do modelo educacional vigente. O descasamento de perspectivas é flagrante, impondo uma inadiável revisão de premissas, métodos e pedagogias. A título de sugestão, aponta-se três pré-requisitos estruturais básicos: (i) o acesso à internet como direito fundamental a todo cidadão; (ii) desenvolvimento de lógica matemática aliada à expressão verbal/escrita de pensamento crítico; (iii) formação de estudantes e profissionais bilíngues, com domínio efetivo, e não meramente aparente, do idioma inglês.
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Indo adiante, escolas e professores, com metodologia híbrida online-offline, passariam a ter um papel de curadoria do material educacional e de validação dos avanços intelectuais dos alunos, em um processo personalizado de desenvolvimento humano e promoção do talento dedicado. Em outras palavras, a educação brasileira precisa derrubar suas redutoras paredes de dominação ideológicas, expandir as fronteiras da tecnologia no processo de ensino para, ao final, abrir oportunidades de mobilidade social efetivas a crianças e adultos que, dotadas de propriedades cognitivas responsivas, consigam navegar em mundo de frenética e irreversível transformação econômica.
Em tempo, um detalhe derradeiro: as lógicas da tecnologia não tem fronteiras, ou seja, o mercado de trabalho do futuro será de preparação e concorrência global, elevando a barra da competição laboral, em especial nos ofícios que permitem plena execução à distância. Logo, pautas educacionais enclausuras em si mesmas, além de redutoras, condenarão milhares de pessoas a funções de baixa remuneração, subemprego ou ociosidade funcional.
No todo, a tecnologia está aí não para destruir negócios, empregos ou instituições, mas para revolucioná-los em suas práticas, estratégias e processos que, embora eficazes no passado, não mais atendem as ágeis, complexas e interconectadas demandas da sociedade contemporânea. Aqui chegando, não adianta querer botar panos quentes e se fechar no inerte comodismo do atraso. Se não abrirmos as janelas para a entrada dos raios de sol, seguiremos a viver na escuridão que condena o Brasil a andar desorientado e sem ideias propositivos pelos infinitos caminhos do mundo.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 23/06/2020