O Senado, na quinta-feira (18), aprovou o projeto de lei 1.328, que posterga o pagamento das parcelas do crédito consignado por 120 dias.
Segundo o texto, “ficam excepcionalmente suspensos, durante 120 dias, inclusive nos contratos firmados na vigência do estado de calamidade pública, os pagamentos das obrigações de operações de créditos consignados em benefícios previdenciários, bem como para servidores e empregados públicos e do setor privado, ativos e inativos”.
O que chama a atenção é a elegibilidade da suspensão a trabalhadores ativos e pensionistas que não tiveram nenhuma perda de renda em razão do estado de calamidade pública.
A justificação da emenda que estabeleceu o texto acima assevera que os pensionistas e os trabalhadores ativos “se transformaram na única fonte de renda e esteio de um número considerável de famílias, sendo os responsáveis por dar apoio financeiro e sustento aos filhos, netos e familiares que tiveram sua renda reduzida ou vieram a perder seus postos de trabalho em razão da crise instalada e do momento caótico vivenciado no país”.
Entende-se a preocupação social dos senadores, mas me parece que houve aqui ativismo legislativo. Não houve perda de renda diretamente para o pensionista ou para o trabalhador.
Há a possibilidade de que pessoas próximas a ele tenham perdido renda. Mas há também a possibilidade de que essas pessoas tenham alguma compensação, afinal o governo tem gasto muitos recursos em programas de sustentação de renda das pessoas mais desfavorecidas.
Há inúmeros trabalhos acadêmicos que mostram que a criação do crédito em consignação reduziu muito o risco para a instituição financeira e, consequentemente, reduziu muito a taxa de juros cobrada do tomador de empréstimo.
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A decisão do Senado reduz a qualidade da renda do salário como colateral para o empréstimo. Com o tempo, se medidas como essa se tornarem corriqueiras, o custo para o tomador se elevará.
Uma das dificuldades que temos tido no enfrentamento da epidemia e no desenho das políticas públicas é a falta de liderança da Presidência da República.
Ao não exercer essa liderança, o Executivo deixa muita responsabilidade ao Congresso Nacional, que, de forma descentralizada, vai tomando decisões sem olhar as políticas públicas de enfrentamento do estado de calamidade social de forma integrada. Há duplicação de esforços, e o custo para a sociedade do enfrentamento da epidemia pode ser maior.
Os dados indicam que o custo para o Tesouro Nacional com a epidemia tem sido maior do que o gasto de nossos pares latino-americanos. Já éramos o país com a maior dívida pública. A discussão do Orçamento de 2021 não será fácil.
O presidencialismo brasileiro requer que o presidente lidere. Não é do perfil de Bolsonaro exercer essa liderança. Nossa experiência é que, nesses momentos, o Congresso fica muito sensível às pautas que atendem aos interesses de grupos da sociedade, os interesses particulares.
Por exemplo, é de suma importância que o novo marco regulatório do saneamento básico seja aprovado e que haja espaço para a maior participação do setor privado no setor. A pressão dos sindicatos do funcionários das empresas estatais dificulta que essa pauta ande.
Ocorreu assim na Assembleia Constituinte de 1988. Um presidente que era mais fraco do que os governadores –que haviam sido eleitos– acabou por gerar um Constituição Federal fortemente influenciada pelos interesses particulares e corporativistas.
Por caminhos diferentes estamos cometendo o mesmo erro.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 21/6/2020