A escalada recente da guerra comercial entre Estados Unidos e China intensificou o temor de uma recessão global. Nas últimas semanas, bancos centrais em economias desenvolvidas e emergentes reduziram as taxas de juros, e o aumento da demanda do mercado por títulos públicos de baixo risco tem resultado em queda das taxas de juros de prazos maiores a patamares inéditos.
Na Alemanha, taxas de juros curtas e longas entraram em território negativo. Nos Estados Unidos, as taxas de juros de longo prazo ainda são positivas, mas caíram muito este ano, e já se encontram abaixo das taxas de curto prazo para determinados prazos de maturidade.
Taxas de juros nominais negativas, que pareciam uma anomalia cerca de dez anos atrás, já são negociadas em cerca de 25% dos títulos emitidos por governos e empresas no mundo, atingindo um montante superior a US$ 15 trilhões.
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A queda das taxas de juros reais é um fenômeno observado desde a década de 1980. Ela decorre principalmente de fatores estruturais, que foram magnificados por questões conjunturais.
Um fator estrutural é o que Larry Summers denominou de estagnação secular, que consiste em um excesso persistente da poupança sobre o investimento, resultando em taxas de juros reais muito baixas e possivelmente negativas.
Dentre as forças que contribuíram para a estagnação secular destacam-se o envelhecimento da população e o baixo crescimento da produtividade. Dados recentes divulgados pelo Conference Board revelam que a média global da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) foi negativa (-0,1%) em 2018. Não se trata de algo transitório. Desde 2010, a PTF global cresceu apenas 0,1% ao ano, bem abaixo do aumento verificado entre 2000 e 2007 (1% ao ano).
O baixo crescimento da PTF desde 2010 é generalizado, abrangendo desde países desenvolvidos, que tiveram aumento de 0,2% ao ano, a economias emergentes, cuja PTF encontra-se estagnada desde o início da década.
Outro fator estrutural que contribuiu para a queda das taxas de juros foi o aumento da demanda por títulos com baixo nível de risco. Vários estudos de Ricardo Caballero documentam que esse fenômeno ocorre há pelo menos duas décadas, e se intensificou depois da crise financeira internacional de 2008.
O aumento recente da demanda por títulos seguros está associado à elevação da incerteza. Como revela um indicador construído por Nicholas Bloom, Steven Davis e Scott Baker, o grau de incerteza global aumentou muito nos últimos anos, com picos em episódios como a eleição de Trump e a vitória do Brexit no referendo de 2016.
Em 2019, o indicador de incerteza tem se elevado consideravelmente devido ao agravamento dos conflitos comerciais. A guerra comercial adicionou um significativo elemento de risco, não somente pelos seus efeitos negativos sobre o comércio internacional, mas pela possibilidade concreta de que se estenda para outras dimensões, como uma guerra cambial e tecnológica entre Estados Unidos e China.
Outro elemento de incerteza relevante decorre do fato de que, como as taxas de juros já se encontram muito baixas em vários países, a política monetária torna-se cada vez menos capaz de estimular a economia. Mesmo mecanismos alternativos, como o quantitative easing, têm impacto limitado diante do fato de que as taxas de juros longas já se encontram baixas e, em vários casos, negativas.
Uma possibilidade seria tentar estimular a economia por meio de aumento de gastos públicos ou redução de impostos. No entanto, dívidas públicas elevadas limitam o uso dessa alternativa em vários países da Europa. Um dos poucos países que pode recorrer a um estímulo fiscal é a Alemanha, que pode escolher esse caminho se os riscos de recessão aumentarem.
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Nesse ambiente, cresce a incerteza dos agentes de mercado em relação à capacidade de reação dos governos diante de uma recessão global, o que contribui para agravar ainda mais o quadro atual.
Embora a queda das taxas de juros no mundo tenha contribuído para a redução dos juros no Brasil, a discussão anterior deixa claro que ela reflete fatores que não são necessariamente benignos, como menor progresso tecnológico e aumento da incerteza.
O Brasil não conseguirá se isolar do que acontece no resto do mundo. O que resta fazer é tentar minimizar os efeitos negativos de uma possível recessão global, aprovando a reforma da previdência no Congresso e avançando na agenda de reformas microeconômicas.
Fonte: “Blog do IBRE”, 27/08/2019