A decisão da equipe econômica do governo federal de não renovar a sobretaxa antidumping para importação do leite em pó da União Europeia e da Nova Zelândia não foi bem recebida por alguns setores. Após pressão do Ministério da Agricultura, o governo decidiu compensar a extinção da taxa aumentando o imposto sobre o produto europeu. A alíquota deve subir de 28% para 42,8%. No Twitter, o presidente Bolsonaro comemorou a medida, dizendo que ela beneficiaria os consumidores.
Não é o que acreditam os especialistas. O economista Ronald Hillbrecht é enfático ao dizer que a decisão contraria o discurso de livre mercado, prejudica a competitividade e representa, na prática, preços mais altos para os brasileiros. Entenda o porquê no podcast!
No comércio internacional, o dumping é entendido como a ação de colocar no mercado produtos com o preço abaixo de seu custo de produção. Para evitar este comportamento, criou-se o antidumping como uma alternativa de retaliação. A sobretaxa ao leite em pó europeu foi instituída em 2010 e é revista a cada cinco anos. Para Hillbrecht, é difícil comprovar a prática do dumping, de modo que tal acusação acaba servindo como ferramenta para proteger produtores locais. Segundo matéria do “Estadão”, estudos técnicos realizados ainda no governo Temer constataram que não houve dumping na comercialização destes produtos no país.
Ao optar pela proteção de determinados grupos, o governo acaba prejudicando os próprios consumidores. “A sociedade se beneficia com mais produtos, de maior qualidade e preços baratos. Se os produtores não estão expostos à competição, vão trabalhar com preços e lucratividade mais altas, além de não precisar investir em ganho de produtividade, eficiência, qualidade, redução de custos, inovação tecnológica etc”, explica o economista.
Tomando medidas protecionistas, o governo também pode ter que prestar contas aos parceiros europeus. Recentemente, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Bolsonaro defendeu a abertura comercial do Brasil. “Vai ser complicado encontrar uma boa justificativa, porque o governo se dispôs a promover uma maior abertura e começar, via Mercosul, um acordo de livre comércio com a União Europeia, o que é desejável para o país”, complementa.
Daqui pra frente
Ronald Hillbrecht salienta que a decisão pode ter levado em conta a importância do apoio do setor para a aprovação da reforma da Previdência, considerada fundamental para reequilibrar as contas públicas. No entanto, outros grupos da sociedade acabam querendo se beneficiar desta negociação:
“Existem muitas tarifas antidumping a vencer, e se quisermos participar mais ativamente do comércio internacional, vamos precisar aposentar essas taxas e reduzir as tarifas de importação. Sou favorável a entrarmos em um regime de livre comércio, com todos os países indiscriminadamente. O ideal é que as alíquotas sejam igual a zero para todos os produtos. Quando conseguirmos fazer isso, teremos à disposição um número maior de bens, de mais qualidade e tecnologia”.
Indicação literária do especialista
Ronald Hillbrecht indica aos leitores do Instituto Millenium “Um capitalismo para o povo”, de Luigi Zingales: “O livro dá uma ideia de capitalismo de livre mercado, de restringir barreiras à entrada em mercado, isso faz com que a sociedade consiga encontrar seu caminho para a criação de riqueza, renda e prosperidade”, explica.
Mais sobre o livro
“Um capitalismo para o povo” oferece análise aprofundada, contundente e bem escrita do panorama econômico recente dos Estados Unidos, à luz das mudanças estruturais que culminaram na maior crise econômica do século. Zingales argumenta que os pilares do capitalismo americano têm sido erodidos pelos jogos de interesses que alimentam estratégias de lobby de poderosas corporações. Esse cenário, segundo o autor, sufoca a competitividade, a meritocracia e a mobilidade socioeconômica, elementos definidores do espírito empreendedor e libertário da economia americana. Para ele, existe hoje uma grave crise de confiança no sistema financeiro e a população se sente traída pela elite econômica. “Os americanos estão furiosos. Ele têm raiva do ineficiente establishment político, que culpou os banqueiros, mas merecia no mínimo uma parcela igual da culpa por ter falhado em contê-los. Raiva de um sistema econômico que torna os ricos mais ricos e deixa os pobres para trás. Raiva porque o ideal de ´um governo do povo, pelo povo, para o povo´ corre o risco de sumir”, escreve o autor, que é professor de empreendedorismo e finanças da escola de negócios da Universidade de Chicago. Na sua visão, a economia americana precisa urgentemente recuperar os elementos que a tornaram excepcional no passado, resgatando um capitalismo em sintonia com as necessidades da população.