Numa eleição municipal primam os problemas que os munícipes encontram em sua vida cotidiana. Questões ideológicas são relegadas a segundo plano, pois estão muito mais preocupados com a limpeza e a pontualidade dos transportes públicos, com a segurança ao chegar em casa, com os postos de saúde, com a educação das crianças, para apenas listar alguns dos problemas mais prementes.
Depois de uma jornada de trabalho, chegando em casa o(a) trabalhador(a) está mais preocupado(a) com seu cansaço, sua integridade física, o atendimento dos seus. O amanhã, entendido como o dia seguinte, ocupa todas as suas atenções, tendo como horizonte sua renda e/ou seu salário no fim do mês. Muitas vezes essa parte da população nem tempo tem de se informar sobre questões políticas. Procura descansar, seja dormindo, seja buscando um entretenimento qualquer.
O grau de interesse pela política se mede pelo que ela possa oferecer-lhe, sendo um instrumento que possa contribuir para seu bem-estar, mormente via serviços públicos. A política não aparece como um fim em si mesma, mas como um meio que deveria servir para melhorar a sua vida. Não há apreço pela atividade política enquanto tal, frequentemente percebida como um jogo entre os políticos em função dos interesses particulares desses.
O micro reflete aqui uma questão macro. Se pesquisarmos o grau de interesse pela política numa eleição nacional, facilmente constataremos situação semelhante, com mais de 55% dos eleitores demonstrando pouco ou nenhum interesse pela vida política propriamente dita. Sua preocupação central reside na vida privada, particular, na melhoria de suas condições de vida.
Nesse sentido, a política deve estar a serviço dessa melhoria, e não o inverso. Comprova-se aqui uma formulação do pensador liberal francês Benjamin Constant, para quem, em seu texto “A Liberdade dos Antigos Comparada à dos Modernos”, os cidadãos escolhem seus representantes para não se ocuparem eles mesmos da política. Eles estão voltados para sua vida privada, sendo a política uma ferramenta desta. A delegação política é um meio para que o cidadão possa dedicar-se à própria vida. Ela supõe, assim, que os escolhidos, os delegados, os representantes ajam de acordo com as ideias de um bem coletivo.
Observe-se que, ao contrário de formulações esquerdistas, ainda em voga no Brasil, segundo as quais o exemplo de democracia estaria na participação direta, na dita democracia participativa, os cidadãos brasileiros passam ao largo desse tipo de concepção. Para os partidários da democracia participativa, o fim em si mesmo é a política, a participação tomando conta da vida do cidadão.
Daí não se segue que o desinteresse pela política se traduza pelo desinteresse em assuntos públicos, entendida como lugar em que se criam as condições de uma vida coletiva. Na administração do Estado, em seus vários níveis, está presente o destino que se dá aos impostos, que nada mais são do que bens privados transferidos obrigatoriamente para a esfera estatal. Logo, é normal que se coloquem aqui questões atinentes à moralidade na gestão desses recursos, que devem – ou deveriam – estar destinados à melhoria das condições de vida dos cidadãos. Espetáculos de imoralidade de parte dos políticos e de seus partidos são percebidos como desvios de seus recursos privados, que tiveram destinação eticamente indevida. Surge, assim, a questão da moralidade na escolha dos representantes.
Não surpreende que em pesquisas de opinião surjam como qualidades requeridas de prefeitos a honestidade, o ter palavra, o cumprir promessas, que são atributos morais exigidos do homem público. Princípios são considerados essenciais. Política sem valores equivale a um cheque em branco dado a governantes e parlamentares no uso dos recursos públicos.
Eis por que não deixam de ser chocantes as alianças que se vêm fazendo nas eleições municipais, em que valores, princípios e ideias desaparecem do horizonte em proveito da utilização de tempo de rádio e TV. O caso mais paradigmático foi a aliança tecida entre Lula e Maluf, logo, entre PT e PP, na qual se conjugaram duas posições que no passado eram totalmente antagônicas: a de um partido que cresceu defendendo a ética na política e um político procurado internacionalmente pela Interpol por desvio de recursos públicos. Ou seja, surge o símbolo da moralidade pública intrinsecamente ligado à imoralidade, como se isso fosse normal na política. Caberia, evidentemente, a questão: qual política, qual normalidade?
Nada disso, no cenário político atual, é exclusivo desses dois partidos, pois o PSDB fez um movimento semelhante tentando atrair o mesmo parceiro. O problema foi o valor da barganha, e não os princípios. Um pagou mais que o outro, ambos compartilhando a mesma ausência de princípios. Os tucanos aliaram-se também ao PR de Valdemar Costa Neto, envolvido numa série de denúncias. Valeu igualmente o tempo de rádio e TV como valor maior.
Outro exemplo que pode ser percebido como ausência de moralidade é o das composições partidárias, que se fazem país afora, em que políticos que em sua cidade consideram adversário, quase inimigo, o partido X e se aliam à mesma legenda em outra cidade, como se coerência e relação com princípios nada valessem. Tal “qualidade” chega a ser vendida como se fosse um sinal de inteligência, ou melhor, de esperteza, denominação mais apropriada.
O que pensar, portanto, de uma concepção da política em que os valores morais desaparecem completamente? Coligações se fazem tendo como único “princípio” a exposição midiática dos candidatos, como se critérios morais fossem apanágio de moralistas ingênuos. Será que esses espertos da política não estarão dando sua contribuição decisiva para o avacalhamento da democracia brasileira?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/07/2012
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