A política econômica se ressente da ausência de uma visão estratégica. Se no terreno político a dupla Lula-Dilma tem dado um show de competência, pensando à frente dos seus adversários e deixando a oposição em frangalhos, o mesmo não pode ser dito das ações oficiais no terreno da economia, quase sempre meramente reativas ou baseadas em objetivos táticos e de curto prazo.
Considerem-se três exemplos – e haveria vários outros a dar.
Primeiro caso: política industrial e emprego. Há tempos que as propostas de política industrial se baseiam no que se poderia denominar de “modelo dos estaleiros”, em razão do que foi feito com a Petrobrás, que tem procurado estimular a fabricação de navios nacionais, em detrimento da contratação de navios estrangeiros – melhores e mais baratos.O mote é o de sempre: “gerar empregos no País”.
Ocorre que essa poderia ser a meta prioritária dez anos atrás, quando a taxa de desemprego era de 12%. Hoje, com o desemprego no mínimo e com o país dando sinais crescentes de que o grande desafio que tem pela frente é o aumento da produtividade, estimular a produção nacional a qualquer custo é a melhor receita para termos uma economia não competitiva, exatamente o padrão que nos levou à crise dos anos 80 e à necessidade de revisão do modelo de desenvolvimento nos anos 90.
Isso não significa que o emprego não seja importante, mas o contrário: que, estimulando a ineficiência hoje, poderemos estar gerando os desempregados da década de 2020, quando o resto do mundo se perguntar” o que o Brasil fez enquanto o mundo inteiro estava se ajustando?”. Os problemas que a política de conteúdo local está causando para a Petrobrás são eloquentes acerca das deficiências desse modelo.
Segundo caso: taxa de juros. Vinha sendo noticiado há tempos que o governo pretendia ter uma taxa de juros real de 2%, que, aliás, já foi alcançada. Ocorre que de nada adianta postular essa metas e o preço a pagar tiver de ser depois uma nova alta dos juros que leve a taxa novamente a patamares maiores. A melhor forma de alcançar o objetivo de ter taxas permanentemente baixas é criar as condições para que no longo prazo os investidores tenham uma boa dose de confiança de que o Brasil será um país estável – e “estabilidade”, neste caso, chama-se “inflação baixa”.
Se a Selic diminui durante alguns meses, mas o mercado entende que há riscos relevantes de a inflação ser maior no longo prazo, a redução da taxa curta não será acompanhada por movimentos da mesma magnitude das taxas longas.Vale ressaltar,a propósito,que a taxa de juros observada nos leilões de NTN-F (prefixados) de 2023, ainda que inferior à registrada no começo do ano, continua sendo da ordemde 10%, bastante superior à taxa Selic. A pergunta-chave, a rigor, se desdobra em duas: 1) o Brasil terá inflação em torno de 4,5% daqui a dez anos ou ela será maior? Até 2010, a resposta era mais clara do que hoje; e 2) será que,quando os juros internacionais voltarem ao nível de 4% a 5%,continuaremos a ter uma Selic baixa? Há dúvidas pertinentes sobre isso.
Terceiro caso: salário mínimo (SM). Em 2011, o governo aprovou uma regra segundo a qual o SM seria reajustado em função do crescimento do PIB defasado de dois anos e que naquele ano implicava não conceder reajuste real ao SM. Ocorre que amesma regra “engessou” o orçamento com um aumento expressivo da variável, em 2012, emenor, mas ainda assim importante, em 2013, pressionando as demais variáveis fiscais exatamente quando o investimento público deveria ser priorizado, entre outras coisas em razão das obras para a Copa de 2014. Qual a racionalidade econômica daquela regra? O governo criou um problema para si mesmo, jogando fora a chance, em plena “lua de mel” pós eleição, de aprovar uma regra que fizesse mais sentido no longo prazo.
Enfim, a lista poderia ser mais extensa e incluir, entre outros pontos, o incompreensível zigue zague acerca do modelo de gestão dos aeroportos. Em economia, é desejável ter um “plano de voo” que contemple ações de curto, de médio e de longo prazos. Agir taticamente em função de alvos de curto prazo pode fazer sentido durante algum tempo, mas os improvisos sequenciais levam ao padrão do que um velho amigo costuma chamar de “governo do piiim” (“quando há um problema, o governo vai lá e piiim, resolve, mas cria um problema maior na frente; então vai lá e piiim, resolve de novo, mas à custa de ter um novo problema mais grave tempos depois; e assim sucessivamente”).
É preciso entender que a economia precisa mudar o “software”. O governo agiu durante anos para estimular o emprego e a demanda, numa economia com elevado desemprego e capacidade ociosa disponível. Esse tempo se esgotou. Agora, com desemprego em menos de 6% e sem capacidade ociosa, o desafio é outro: aumentar a produtividade. A política econômica precisa tomar ciência desses novos tempos. Os novos passos que o governo vem tentando dar são, nesse sentido, tardios, insuficientes e confusos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 17/09/2012
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