Quanto mais se cava, mais feio fica para o Facebook. Há provas de que a consultoria política Cambridge Analytica (CA) coletou dados de usuários irregularmente. A rede social não foi capaz de protegê-los. E agora o mundo estaria refém de hackers que, explorando nossa psicologia com os dados detalhados sobre cada um de nós, elegem e derrubam presidentes para o cliente que pagar mais caro. Próxima parada da empresa: Brasil. Será?
Vamos colocar os pés no chão. Não há nenhuma evidência de que a CA tenha sido a causa da vitória de Trump em 2016. Quem definiu a eleição foram trabalhadores mais velhos de alguns estados decisivos, cuja insegurança com os efeitos da globalização sobre seu emprego os levou ao nacionalismo. Propagandas guiadas nas redes sociais talvez tenham acelerado essa mudança de votos, mas há um processo real que explica a direção do movimento e sem o qual o marketing seria inócuo.
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Afinal, a CA também teve seus fracassos. Nas primárias republicanas de 2016, ela estava a serviço da campanha do pré-candidato Ted Cruz, que perdeu feio. Hillary, por sua vez, usou a mesma estratégia digital com eleitores nas redes sociais, e nem por isso persuadiu jovens e minorias dos estados decisivos a votarem em peso.
O escândalo atual se deve à descoberta que a CA coletou dados não só de usuários que aceitaram participar de uma pesquisa online, mas também de seus amigos na rede social, que não tinham concordado com nada. Agora, que o uso que ela fez desses dados tenha sido o fator decisivo numa eleição continua sendo apenas uma afirmação sem provas levada adiante por maus perdedores e pelo marketing da empresa.
Mais do que a onipotência de hackers para “roubar” eleições, o escândalo do Facebook ressalta um processo mais amplo da vida contemporânea: a privacidade é uma ilusão. Tudo o que fazemos e falamos no mundo online (e, graças a câmeras, microfones e GPS, também no mundo supostamente offline) está potencialmente registrado e guardado. Estados e empresas de internet já têm acesso total e irrestrito a todos os detalhes da nossa vida íntima, e vão usá-los e transacioná-los quando julgarem necessário. Ao mesmo tempo, somos espiões uns dos outros, sempre prontos a copiar e difundir os podres do nosso vizinho em troca do aplauso momentâneo da multidão. Nada disso vai mudar.
Sendo assim, nosso desafio é duplo: impedir os usos mais tirânicos dessa informação: perseguição política ou religiosa, chantagem etc; e adaptar nossa mentalidade aos novos tempos: acostumar-se com o olhar do público.
Teremos que aprender a ser menos ciosos de nossos próprios segredos e vergonhas, e mais tolerantes com falhas, incoerências e hipocrisias alheias que antes passavam despercebidas sob o manto da privacidade. Alguns, para os quais a privacidade e o anonimato são fundamentais, já criam e exploram novos jeitos de se comunicar. O grosso da população, contudo, cede voluntariamente todas as informações sobre si em troca de um joguinho gratuito.
De minha parte, um fato me consola: grandes empresas sabem mais sobre mim do que eu mesmo. Munidos desses dados e da mais fina psicologia, o melhor que conseguiram até hoje é me direcionar anúncios que eu jamais cliquei. Agora, por exemplo, o Facebook me empurra um serviço para transferir dinheiro ao exterior. A suposta onipotência do big data tem decepcionado. Nossos bolsos e nossos votos continuam nossos.