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Acontece que estar na lei não é o mesmo que ser moralmente justificável, principalmente quando se sabe que magistrados possuem imóvel residencial na cidade onde exercem seu ofício, mas, mesmo assim, recebem o auxílio-moradia. De fato, uma lei poderia conceder férias de dois meses para todos os funcionários públicos – um benefício já existente para juízes e procuradores –, mas seria um privilégio negado aos demais trabalhadores brasileiros. Pode-se construir muitos outros exemplos.
O auxílio-moradia é uma forma disfarçada de elevar salários dos juízes. Permite que a grande maioria aufira remuneração superior ao teto legal de vencimentos, que é o valor dos subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Além de driblar o teto, esse e outros penduricalhos são classificados como verba indenizatória, tornando-os isentos do Imposto de Renda, outro injustificável benefício.
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Há casos gritantes. O desembargador José Antonio de Paula Santos Neto, do Tribunal de Justiça de São Paulo, recebe auxílio-moradia, mas possui 60 imóveis em áreas nobres da Capital. Em Brasília, 26 ministros de tribunais superiores (STJ, TST e STM) recebem igualmente auxílio-moradia tendo imóveis na cidade. Segundo o Estado de S. Paulo do último domingo, 14 dos 17 membros do Conselho Nacional de Justiça, ao qual cabe supervisionar e controlar atividades de juízes, têm remuneração superior ao teto.
A imprensa não pode ser atacada pelas reportagens que escancaram os inaceitáveis benefícios da corporação dos juízes. O auxílio-moradia pode ser um direito, mas jamais deixará de ser um privilégio. As publicar as reportagens, a imprensa não visa a fragilizar o Poder Judiciário, mas cumprir o dever que lhe cabe de expor uma situação inaceitável.
Os recursos que financiam tais vantagens são extraídos proporcionalmente mais dos pobres. Os impostos que eles pagam, embutidos no pão, no leite e no feijão que consomem e nos serviços que utilizam, constituem uma parcela relativamente maior dos seus rendimentos do que da renda dos ricos.
A imprensa reflete o crescente sentimento de revolta diante da existência de privilégios distante do alcance dos trabalhadores, particularmente dos de menor renda.
Fonte: “Veja”, 19/02/2018