Dois anos e meio depois, decisões liminares – provisórias – do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux já custaram R$ 73,5 milhões aos cofres públicos no Estado do Espírito Santo. A cifra representa o que o Tribunal de Justiça (TJES), o Ministério Público (MPES) e o Tribunal de Contas (TCES) tiveram que gastar para arcar com o auxílio-moradia pago aos membros dessas instituições desde outubro de 2014. Isso sem contar os R$ 15,8 milhões despendidos com o benefício também concedido a juízes federais, procuradores do Ministério Público Federal e juízes do trabalho que atuam no Estado.
Ao todo, é possível dizer que o auxílio-moradia pago a beneficiários no Espírito Santo já custou R$ 88,3 milhões desde que a decisão de Fux passou a valer.
As liminares foram expedidas ainda em setembro de 2014. Em tese, o ministro deveria colocar as decisões à disposição do Pleno do Supremo para que os demais ministros também possam se manifestar e confirmar ou não o posicionamento. Mas, até agora, isso não ocorreu. Como o regimento da Corte não impõe um prazo para que Fux tome a iniciativa, a presidente do STF, Cármen Lúcia, depende da boa vontade do ministro para poder pautar o caso.
O valor do auxílio é de R$ 4.377 mensais, pagos a juízes, desembargadores, promotores, procuradores, conselheiros e procuradores de contas e aos próprios ministros do Supremo. Um dos pontos mais polêmicos do benefício é que ele é válido para quem mora na mesma cidade em que trabalha, e até mesmo para quem tem residência própria. E, apesar de ser considerado uma verba indenizatória, não é preciso comprovar despesas com moradia. Somente não pode receber quem já utiliza um imóvel funcional – cedido pelo Estado –,quem não está mais na ativa ou é casado com alguém que já conta com o mesmo auxílio.
“O ministro Luiz Fux não colocou (as liminares) à disposição porque o auxílio-moradia é um aumento disfarçado, é um tema que não dá para sustentar. Ninguém cobra, ele não coloca em pauta e fica por isso mesmo, convenientemente”, avalia o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB-ES), Homero Mafra.
Por meio de nota, o STF informou que as decisões liminares são válidas até a decisão de mérito, sem prazo específico. “No caso, ainda não há data prevista para julgamento (do mérito) pelo plenário. O processo não foi liberado pelo relator”, diz o texto.
As liminares de Fux baseiam-se na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, que prevê o pagamento do auxílio-moradia. Como alguns tribunais e instituições pagavam e outros, não, e em meio a valores diferentes, magistrados e entidades de classe acionaram o Supremo. Assim, após as decisões provisórias, houve a determinação de concessão da verba extra para todos e com uma cifra padronizada. Depois, devido à simetria entre as carreiras, houve a extensão do pagamento aos membros do Ministério Público e conselheiros de contas.
“O auxílio-moradia é mal compreendido. O que se coloca é quais atrativos serão oferecidos para a carreira da magistratura, para alguém decidir ser juiz ou não. A sociedade tem que definir que magistratura quer, se quer dar garantias ou garantia nenhuma”, afirma o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira.
Ele rebate as críticas ao benefício. “Não é aumento disfarçado. É uma ajuda de custo prevista na Loman. Temos que discutir no parlamento, quando o projeto da nova Loman for enviado, se vai ou não ser mantido”, frisa.
“Isso gera quase um folclore”
Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas, na situação em que o país se encontra, todos os gastos têm que passar por um pente-fino. O auxílio-moradia é um aumento de salário disfarçado. “Esse tipo de vantagem distorce a estrutura de cargos e salários nos Três Poderes, o que, por si só, já é um problema. E é inconcebível que o auxílio seja pago por meio de uma decisão provisória. Decisões de um só ministro deveriam ser apenas emergenciais ou circunstanciais. Isso gera quase um folclore. Cria-se uma situação quase irreversível. E se o Supremo não confirmar a liminar? Quem recebeu vai ter que devolver os valores?”, questiona o economista.
Por dentro da polêmica
O governo do Estado pode pegar o dinheiro hoje destinado ao auxílio-moradia de magistrados e membros do Ministério Público e gastar com outra coisa?
Não. O benefício tem que ser pago por força de decisões do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal. E não é o governo do Estado que paga, diretamente, os auxílios, e sim os Poderes e instituições, como o Tribunal de Justiça e o Ministério Público do Estado, com recursos de seus orçamentos. Esses orçamentos, claro, são mantidos com dinheiro repassado pelo governo estadual. Se o auxílio-moradia fosse extinto ou mais restrito, os Poderes teriam mais folga em seus orçamentos, mas não necessariamente o recurso seria destinado aos cofres do Executivo estadual. Isso ocorreria se o repasse feito aos Poderes fosse reduzido na mesma proporção.
Valor
O valor do auxílio-moradia é de R$ 4.377 mensais, pagos a magistrados, membros do Ministério Público e conselheiros de contas.
Quantos
No total, 587 pessoas contam com o benefício, incluindo apenas aqueles pagos com recursos estaduais. Há outras 122 quando se leva em conta juízes federais, juízes do trabalho e procuradores do Ministério Público Federal que atuam no Estado.
TJES
De acordo com o Portal da Transparência do TJES, a Justiça Estadual conta com 344 magistrados, entre juízes, desembargadores e juízes substitutos. Desses, 319 recebem o benefício, ou seja, 92,7%. Isso corresponde a um gasto de R$ 16,7 milhões por ano, ou R$ 1,3 milhão por mês. Assim, de 2014 a março de 2017, o montante chega a R$ 39 milhões.
MPES
De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público (Ansemp), 88% dos membros do MPES recebem o auxílio-moradia e a despesa com isso foi de R$ 13,1 milhão em 2016. Levando em conta que a instituição tem 291 membros, entre promotores, promotores substitutos e procuradores, 256 contam com a verba extra. Considerando os 30 meses em que o benefício foi pago, até agora, a estimativa é que o gasto tenha sido de R$ 33 milhões no total.
TCES
Todos os seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e os três procuradores do Ministério Público de Contas recebem o auxílio. Três dos quatro conselheiros substitutos, também. O gasto, portanto, fica em R$ 630 mil por ano, ou corresponde a R$ 1,5 milhão de outubro de 2014 a março de 2017.
Justiça Federal
De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal Regional Federal da 2ª região, 40 juízes federais atuam no Espírito Santo. Desses, 38 recebem auxílio-moradia. São R$ 166 mil por mês ou R$ 1,9 milhão por ano para arcar com o benefício. Levando em conta os 30 meses em que ele foi pago, já são R$ 4,9 milhões.
MPF
De acordo com o Portal da Transparência do Ministério Público Federal, dos 19 procuradores da República que atuam no Espírito Santo, 18 contam com o auxílio. Isso corresponde a um gasto de R$ 945 mil por ano ou R$ 2,3 milhões de outubro de 2014 a março de 2017.
TRT-ES
O Tribunal Regional do Trabalho é composto por 12 desembargadores e 56 juízes. Desses, 11 desembargadores e 55 juízes recebem auxílio-moradia. Projetando os gastos, tem-se R$ 288 mil por mês, R$ 3,8 milhões por ano ou R$ 8,6 milhões nos últimos 30 meses.
Total
Assim, a reportagem chegou ao total aproximado de R$ 73,5 milhões gastos para arcar com o auxílio de 587 pessoas, considerando apenas o valor pago pelos cofres estaduais (TJES, MPES e TCES) e outros R$ 15,8 milhões dos cofres federais (referentes aos membros da Justiça Federal, MPF e Justiça do Trabalho que atuam no Espírito Santo). Isso entre outubro de 2014 e março de 2017. Uma variação pode ocorrer devido à flutuação no número de membros neste período.
Origem
O auxílio-moradia é pago com base na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979. Alguns tribunais já pagavam o benefício e procuradores e promotores do Ministério Público também já recebiam o benefício em alguns Estados. Mas os valores variavam.
Liminares
A pedido de magistrados e entidades de classe, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu, em setembro de 2014, liminares – decisões provisórias – que determinaram o repasse para todos os magistrados do país e em um valor padronizado, de R$ 4.377, o mesmo dos ministros do próprio STF. Por simetria, todos os membros do Ministério Público e de tribunais de contas também passaram a contar com o extra no contracheque.
Regulamentação
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) regulamentaram o pagamento do auxílio-moradia por meio de resoluções publicadas em outubro de 2014.
Vedações
Há poucos impedimentos para que um magistrado ou um promotor, por exemplo, recebam o auxílio-moradia. As resoluções dizem apenas que não podem receber aqueles que têm um imóvel funcional à disposição, os que são aposentados ou estão afastados e os que são casados com pessoas que já recebem o benefício.
Contabilidade
Como é pago a título de indenização, o auxílio não sofre descontos referentes a imposto de renda, Previdência ou o chamado “abate-teto”. E também não entra na conta na hora de os Poderes e as instituições calcularem a despesa com pessoal.
Iniciativas no Legislativo tentam restringir pagamentos
Desde que surgiu de forma abrangente, no final de 2014, o auxílio-moradia é alvo de contestações. Em alguns casos, houve até quem se recusasse a receber o benefício. Para isso, bastou não solicitá-lo.
E já surgiram propostas para restringir o pagamento. No final do ano passado, o Senado aprovou o Projeto de Lei 449, de 2016, que prevê a inclusão de vários “penduricalhos” na categoria de parcelas remuneratórias. Assim, saindo da seara das indenizações, o auxílio-moradia estaria sujeito a descontos, como o chamado “abate-teto”, para impedir os supersalários.
Além disso, pelo texto, a verba extra seria concedida apenas “na forma de ressarcimento por despesa comprovada decorrente de mudança de ofício do local de residência”. A proposta ainda tem que ser analisada pela Câmara dos Deputados.
Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo também houve uma iniciativa no mesmo sentido. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada por Enivaldo dos Anjos (PSD) impõe restrições à concessão do auxílio-moradia. Quem tem imóvel próprio a uma distância de até 150km do local de trabalho, por exemplo, não teria direito ao benefício. O texto ainda exige a comprovação dos gastos com moradia.
A PEC chegou a ser aprovada em primeiro turno em dezembro do ano passado e até hoje aguarda a votação em segundo turno. De acordo com Enivaldo, a tramitação foi suspensa por 30 dias a partir de meados de fevereiro à espera de uma manifestação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, quanto ao tema.
O prazo já expirou. O deputado diz que vai pedir hoje à Mesa Diretora a volta da PEC à pauta da Assembleia. A proposta é polêmica. Há quem conteste a competência do Legislativo Estadual para tratar da questão.
Outra possibilidade de se extinguir ou limitar o auxílio-moradia é alterar a própria Lei Orgânica da Magistratura, algo que somente pode partir do Supremo, em projeto a ser enviado ao Congresso. Uma nova Loman está em gestação há tempos, mas nenhuma proposta foi formalizada.
Fonte: Contas Abertas.
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