*com Renato Sobrosa Cordeiro
Com a Medida Provisória 784, o Banco Central teve importante espaço para aperfeiçoar a Lei 6.024, de 1974, que rege a liquidação extrajudicial. Começam a ser eliminados obstáculos contra soluções eficientes de pagamento aos credores.
A liquidação extrajudicial é o regime de insolvência aplicável, ao menos inicialmente, às instituições sob supervisão do BC: a autarquia afasta os dirigentes, nomeia liquidante, apura por inquérito as causas da quebra e eventuais responsabilidades de ex-administradores, e, após o relatório do liquidante, autoriza a falência se houver indícios de crimes falimentares ou capacidade de pagamento inferior a 50% dos créditos quirografários. Fora dessas hipóteses, o regime segue como uma falência, com habilitações, liquidação de ativos e pagamento a credores, com o BC no lugar do juiz.
Convivem na Lei 6.024 regimes complementares, como a intervenção, para tentativa de recuperação, o prosseguimento para liquidação extrajudicial em caso de insucesso, a imposição direta da liquidação, medidas alternativas de liquidação do ativo, e possibilidades de encerramento.
Antes, o encerramento era de critério exclusivo do Banco Central, pela previsão aberta de julgar “conveniências de ordem geral” do antigo artigo 19 da Lei 6.024, assim como medidas alternativas, também sujeitas à sua discricionariedade (artigo 31). Agora, pelo novo artigo 19, trazido pela MP 784, o encerramento da liquidação extrajudicial passa a ser aprovado pela assembleia de credores, órgão que, embora a nosso ver aplicável pelo artigo 34, não era utilizado pelo Banco Central. Com a soberania da assembleia de credores e a possibilidade da nova alínea “c” do artigo 19, de transferência do controle societário, abre-se larga porta para soluções de mercado, afastando-se o Estado de um papel que melhor cabe aos principais interessados, credores e devedores.
A mudança reflete relevante evolução cultural no Banco Central, certamente sob influxo da maturidade funcional do seu setor de liquidações, e permite que a autarquia libere recursos humanos e materiais para exercer funções mais compatíveis com sua natureza, como assegurar a estabilidade da moeda e sanear o mercado financeiro.
Nesse último quesito, o Brasil já testemunhou a capacidade de saneamento do Banco Central, que teve ápice na engenhosa criação do PROER, que, sem o tsunami temido, retirou do mercado bancos de grande porte como Nacional, Econômico e Bamerindus. Quebras recentes também transcorreram sem traumas.
Já na função liquidatária, o Banco Central prolonga desnecessariamente os regimes (que frequentemente duram duas décadas). Não há o alinhamento de interesses que gera a eficiência privada; não há razões de ordem pública que justifiquem atos de sacrifício pessoal como no PROER (cujos arquitetos sofrem represálias ideológicas até hoje apesar de terem salvado o patrimônio de milhões de pessoas); por fim, tampouco há a autonomia do juiz e do MP estadual, que vêm aprimorando progressivamente o regime falimentar no Judiciário.
Com efeito, a agilidade processual na falência e na recuperação da atividade empresarial, quando viável, vem sendo cada vez mais observada nas varas de falência, com indicação de administradores arrojados e empresas especializadas, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nessa linha, aliás, também tem atuado o Banco Central nos últimos anos ao acelerar a transição da liquidação extrajudicial para falência (exemplos recentes são os dos bancos Santos, Morada, BVA, Cruzeiro do Sul e BRJ). Encerra-se, assim, positivamente, um importante ciclo da atividade liquidatária pelo BC.
Nesse sentido, a discussão no Congresso sobre a conversão da MP 784 em lei é um bom momento para outros aprimoramentos. Propomos três: (i) permitir que as propostas submetidas à assembleia de credores novem os créditos em quaisquer condições, liberando o Banco Central de ter que avaliar condições aceitas por credores e devedores; (ii) dispor que, em caso de novação, se aplicam as regras de aprovação de planos de recuperação da Lei 11.101, para maior clareza acerca da aplicação supletiva da lei falimentar nesse ponto; e (iii) prever que após o Banco Central decretar a liquidação extrajudicial e concluir o inquérito, o liquidante deva requerer a falência, salvo se os interessados apresentarem plano de levantamento que seja aprovado pela assembleia de credores. Isto transferiria a atividade liquidatária ou para o âmbito privado, ou para o Judiciário, ambas as alternativas mais eficientes que sob a tutela do Banco Central.
Os ganhos com as mudanças já feitas e com as aqui propostas são gerais. Aumentam rapidez e eficiência na realização dos ativos, através de um maior alinhamento de interesses entre os envolvidos, fator precário nas regras da liquidação extrajudicial; torna-se mais factível a estruturação de soluções que permitam a continuidade de alguma atividade empresarial; e tudo isso reverte em maior satisfação dos credores. A realização do crédito, afinal, é um fim em si mesmo, pela importância pela proteção do patrimônio – função básica do Estado –, e também meio para um melhor desenvolvimento econômico do país.
Fonte: Conjur, 05/10/2017.
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