Nada é mais fértil em prodígios do que a arte de ser livre; mas não há nada mais árduo do que o aprendizado da liberdade, geralmente implantada com dificuldades, em meio a tormentas, e aperfeiçoada por meio de dissensões, alertava Alexis de Tocqueville. As instituições democráticas de uma sociedade livre são produto de um longo processo evolucionário de aperfeiçoamentos institucionais.
A redemocratização brasileira é recente. O Antigo Regime ainda nos afronta, erguendo suas sombras sobre a cidadania. Desafia-nos com a obscenidade e a obsolescência de suas práticas. Provoca-nos com sua imoralidade. E nos enfrenta com seus rituais indecorosos: a cultura do privilégio, o desvio de recursos públicos, o tráfico de influência, o nepotismo e a demagogia. As acusações de corrupção atingiram todo o espectro partidário, enfraquecendo o Legislativo e transformando a governabilidade em um pretexto para o modo indecente de se fazer política. É inaceitável que a única forma de conduzir as atividades públicas, desde o financiamento das campanhas eleitorais até a obtenção de maiorias parlamentares, seja uma prática de corrupção sistêmica desaguando em uma infindável sucessão de escândalos a céu aberto.
O crescimento ao longo de décadas da fatia do Produto Interno Bruto ao alcance da classe política tem estimulado e recompensado uma sinistra associação entre piratas privados e as criaturas do pântano que investem seus mandatos na apropriação indébita de recursos públicos. As regras atuais da moralidade política são inadequações bem-sucedidas, práticas eficazes para a sobrevivência dos grupos que as adotam. Por isso são mantidas e aperfeiçoadas.
Mas os princípios éticos fundamentais para a evolução de uma democracia representativa distinguem-se radicalmente dessas regras de moralidade dos pequenos bandos. A classe política terá de escolher entre o corporativismo, a cumplicidade, o companheirismo, a não delação de malfeitos e o silêncio solidário como sinais de honra entre os membros do pequeno bando ou a transparência e as responsabilidades no trato da coisa pública exigidas em uma Grande Sociedade Aberta.
Se o Executivo e o Legislativo, a pretexto da governabilidade, acabaram selando um pacto pela impunidade, um Poder Judiciário alerta no exercício de sua independência e comprometido com a defesa da ordem democrática poderia reverter a degeneração de nossas práticas políticas. Foi, portanto, decisiva a atuação de Joaquim Barbosa à frente do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. A História registrará sua contribuição ao aperfeiçoamento de nossas instituições.
Não se trata de uma vitória da oposição ao governo, ou mesmo da derrota de qualquer partido. A condenação dos mensaleiros é celebrada pela imprensa livre como um marco da independência do Poder Judiciário. Como o início de uma regeneração de nossas práticas políticas. Como a vitória dos princípios éticos de uma sociedade aberta sobre a moralidade dos pequenos bandos.
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