A decisão do presidente da Câmara dos Deputados de por para andar o processo de impeachment contra a presidente da República Dilma Rousseff, anunciada na última quarta-feira, é a prova definitiva de algo que foi dito neste espaço duas semanas atrás: Eduardo Cunha já caiu. A rigor, ele já não tem mais poder nenhum. Só que ainda não se deu conta disso. Formalmente ainda pode, como tem feito, tomar decisões capazes de tumultuar ainda mais o ambiente político. Mas o certo é que ele já não apita nada. Mais nada.
Cunha caiu porque foi incapaz de se valer de um cargo da envergadura do que ele conquistou para se projetar como um líder preparado para voos altos. Caiu porque lhe faltou o protagonismo que se espera de um Presidente da Câmara dos Deputados. Caiu, sobretudo, porque, desde o primeiro dia de seu mandato, agiu movido pela intenção de salvar o próprio pescoço da guilhotina que mais cedo ou mais tarde o decapitará.
NISSEI DE ÓCULOS
O que dá o ar patético aos movimentos de Cunha é a seriedade de que ele tenta revesti-los. Com exceção da senioridade dos autores, não há rigorosamente nada que diferencie o pedido de impeachment apresentado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, que foi acatado por Cunha, dos tantos outros que ele recusou. Todos pedem mais ou menos a mesma coisa e seguem a mesma linha de argumento.
A decisão de acatar esse pedido se explica, única e tão somente, pelo fato do deputado não ter arrancado do governo a garantia firme de que teria ajuda para salvar seu mandato. E a essa altura, salvar o mandato é tudo o que interessa a Cunha. Não porque ele pretenda limpar o nome e resgatar a reputação. Cunha quer salvar o mandato porque sabe que se voltar a ser um cidadão comum, atolado como está na Lava-Jato, é grande o risco de viajar para Curitiba a bordo do jatinho preto da Polícia Federal e ser acompanhado para a carceragem pelo nissei de óculos que ficou famoso de tanto aparecer na TV.
DESESPERO DE CAUSA
Tudo o que Cunha não quer perder neste momento é o direito ao foro privilegiado que protege os detentores de mandatos. E, em nome disso, jogou sua última cartada. Mas atenção: ninguém que não aja em desespero absoluto de causa joga na mesa a derradeira carta de valor que tem na manga (e, no caso de Cunha, essa carta era o impeachment de Dilma). O que Cunha deseja é se esconder atrás da montanha de espuma que as discussões em torno do pedido de impeachment pode levantar. Até porque, conhecendo como ele conhece a essência do parlamento brasileiro, é o primeiro a saber que a chances de o projeto de impeachment andar é mais ou menos a mesma de ganhar o prêmio acumulado da Mega-Sena. Existe, mas é mínima e improvável.
TOMA LÁ DÁ CÁ
Dilma dificilmente perderá o mandato. Não pela capacidade de articulação política de seu governo e muito menos por falta de consistência da tese apresentada por Bicudo e Reale. Ela ficará no cargo porque, para nossos parlamentares, mestres na política do toma-lá-dá-cá, é muito mais fácil arrancar favores de um governo encostado na parede do que de um outro que chegue para colocar ordem na casa. Triste Brasil.
Fonte: Hoje em Dia, 06/12/2015.
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