No ano em que a economia brasileira caminha para a recessão, um estudo que será apresentado nesta quarta-feira, em seminário que marca o lançamento do FGV Crescimento & Desenvolvimento, novo centro de estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio , joga luz sobre como o país pode reencontrar a rota dos PIBs mais robustos.
Produzido pelo professor e pesquisador da FGV Pedro Ferreira, o trabalho questiona a necessidade de uma política industrial, minimiza as críticas à baixa taxa de investimento do Brasil e destaca a urgência de agenda de reformas microeconômicas em relação à suposta primazia das grandes saídas macroeconômicas. “Do contrário, podemos até resolver o problema da inflação, mas não crescer”, afirma Ferreira, um dos três pesquisadores que conduzirão o dia a dia do centro de estudos.
O estudo argumenta que o grande problema do Brasil está muito mais na pouca eficiência do país do que na baixa taxa de investimento. Ou seja, não é tanto a falta de capital físico (máquinas, equipamentos), mas de capital humano (educação, treinamento, experiência) e da organização do sistema produtivo, que leva à baixa produtividade.
O diagnóstico põe em primeiro plano uma série de deficiências como o complexo sistema tributário brasileiro, a burocracia, a má regulação e a falta de abertura comercial. Entre os dados mais interessantes, Ferreira destaca que a produtividade do trabalhador brasileiro corresponde a 20% da do americano. Entre 50% e 70% dessa diferença é explicada pela ineficiência na forma de se organizar a economia, medida pela produtividade total dos fatores (PTF).
O PTF do Brasil, assim como o da maioria dos países da América Latina, à exceção do Chile, vem caindo nas últimas décadas, enquanto o índice de economias dos Brics – como Rússia, Índia e China – e da Coreia crescem progressivamente.
A recente perda de eficiência, afirma Ferreira, coincide com a “nova matriz econômica”, de caráter desenvolvimentista, abraçada durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, mas abandonada pela presidente, que se esforça agora em aprovar políticas de ajuste fiscal. “Já não éramos campeões de eficiência, mas estávamos melhorando com Fernando Henrique e durante o governo Lula”, diz.
Para comprovar que o problema de crescimento do Brasil não é tanto a taxa de investimento, Ferreira simulou dois cenários, tendo a Coreia do Sul como base de comparação. O Brasil seria 40% mais produtivo se tivesse a mesma escolaridade da Coreia, mantidos outros fatores constantes. Por outro lado, se o Brasil tivesse, desde 1950, a taxa de investimento verificada na Coreia, considerada alta, o ganho seria de apenas 18%.
O achado tem consequência em termos de políticas públicas, defende Ferreira. Mostra, em sua visão, que a proteção do Estado a setores da indústria – como subsídios e a escolha estratégica dos chamados “campeões nacionais” – está equivocada. “Não precisamos de política industrial”, vaticina Ferreira. “Talvez estejamos, como se diz em inglês, barking up the wrong tree’, ou seja, procurando a solução no lugar errado”, diz.
O pesquisador lembra que a indústria tem participação muito menor na economia nacional do que o setor de serviços, responsável por cerca de 65% do PIB brasileiro. É neste setor, diz, que os países desenvolvidos jogam a “primeira liga” da economia internacional – tendo à frente serviços sofisticados, como a tecnologia da informação. Enquanto isso, o Brasil sofre numa segunda ou terceira divisão, por conta de sua mão de obra, concentrada no setor de serviços, porém de baixa qualificação e produtividade. “Pode ser que estejamos nos especializando em coisas que não servem para nada, como camelôs, empregadas domésticas. Não é que não seja um trabalho digno. Mas comparado com um trabalhador do ramo de software, que também é do setor de serviços, produz pouca riqueza”, diz.
Para ilustrar e resumir o ponto, Ferreira afirma que só 10% do valor final de um Ipad vêm da máquina enquanto os demais 90% estão nos serviços, como design, software e marketing.
“Se não temos capital humano, não entramos nesse jogo mais sofisticado. A agenda que propomos é diferente da que vem sendo enfatizada até agora. Com capital humano e melhor ambiente para os negócios, o investimento vai atrás”, diz o pesquisador, para quem a visão deve ser mais “equilibrada”, já que a indústria está muito ligada aos serviços. “Sem isso, você consegue montar um Ipad, mas não criá-lo”, argumenta.
Especialista em política industrial, Maurício Canêdo Pinheiro, do FGV-Ibre, afirma concordar com boa parte do argumento Ferreira. No entanto, defende que a questão não é necessariamente se o Brasil deve ou não ter política industrial – já que outros países lançam mão do expediente – e sim como tirar o melhor proveito dela. O pesquisador também recorre ao exemplo da Coreia, como um caso bem-sucedido de política industrial. Mas, diferentemente do Brasil, diz, o intervencionismo no país asiático foi provisório.
“Lá, a maneira como foi feita toda a proteção a setores escolhidos, com isenção de impostos, crédito subsidiado, foi pensada temporariamente. Se a indústria não foi capaz de andar com as próprias pernas depois de 10, 15 anos, ele tiraram. E no Brasil não é assim”, afirma Canêdo. Ele recorre à expressão geralmente dirigida aos programas sociais, como o Bolsa Família, e afirma que é preciso encontrar a “porta de saída” para essas indústrias. “São crianças de até 60 anos que não saíram de casa”, diz, numa referência aos incentivos à indústria automobilística.
Regis Bonelli, também do Ibre, afirma preferir o foco em reformas, principalmente em infraestrutura, que considera o calcanhar de aquiles do Brasil, à ênfase setorial. Mas pondera que a queda de produtividade do país também ocorreu pelo capital e não apenas pela mão de obra. “Isso aconteceu muito nos últimos quatro anos, com gasto de capital que não gerou produto”, afirma, ao citar obras inacabadas do governo, como refinarias, estaleiros ou a má alocação de recursos, por exemplo do BNDES.
Fonte: O Extra.
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