Em um ano em que candidatos reclamam da falta de dinheiro, devido às restrições da nova lei eleitoral, os concorrentes a prefeito e vereador que disputam votos na Baixada Fluminense, região colada ao Rio de Janeiro, enfrentam um problema bem pior: a falta de segurança. Desde a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos morros do Rio, a partir de 2010, os traficantes migraram para a Baixada e encontraram-se com as milícias. A região ficou ainda mais sangrenta. Em julho, 106 das 368 pessoas assassinadas no estado do Rio – ou 29% – foram mortas na Baixada.
No caso mais conhecido, quatro pessoas envolvidas em campanhas eleitorais foram assassinadas. Ao investigar um caso de disputa política, a polícia deparou com um esquema de furto de combustível a partir de um oleoduto que corta a região até a refinaria de Duque de Caxias, cidade mais populosa da Baixada. Furto de combustível, para azar deles, é justamente o negócio favorito de muitos milicianos. As milícias compram os terrenos onde passam os dutos, levantam muros e cavam até perfurar os dutos e instalar bicas, de onde o combustível é retirado. Trata-se de uma diversificação das atividades dos milicianos, mais conhecidos por exigir “taxas de proteção” e cobrar por uma gama de serviços clandestinos – do sinal de TV a cabo ao fornecimento de gás de cozinha.
Alex do Gás nunca afrontou o tráfico em sua área. “Eles ficavam para lá e eu no meu canto”, afirma. Seu erro foi despertar suspeita de estar associado às milícias. O caso ainda está sob investigação. No sábado (17), Alex voltou à favela para mostrar que estava vivo e na disputa eleitoral. “Surgiu o boato de que me esquartejaram”, diz. Alex circulou na comunidade acompanhado de três seguranças. Gastou R$ 450, um valor expressivo para uma campanha que ainda nem teve arrecadação. Pela lei, pessoas físicas só podem contribuir com até 10% de seu rendimento bruto no ano anterior. Numa cidade como Belford Roxo, com 60% da população na pobreza, encontrar gente disposta a doar é tão difícil quanto escapar da violência. Sem dinheiro, os candidatos da Baixada precisam caminhar, falar com as pessoas nas ruas e pedir votos em favelas. Mas isso também custa. Milicianos e traficantes perceberam a demanda e passaram a dificultar o acesso às áreas que dominam. Quem quiser entrar precisa pagar pedágio.
Campanhas paradas pela violência
No final da tarde da quarta-feira (21), o deputado estadual Deodalto Ferreira, candidato do Democratas a prefeito de Belford Roxo, chegou ao bairro de Santa Maria numa caminhonete Ford Ranger preta com um grupo de homens. Não eram apenas cabos eleitorais. Apesar das bandeiras, sob a roupa era possível ver o volume das armas. Durante a caminhada, Deodalto permaneceu cercado por cinco guarda-costas. “Nunca usei carro blindado nem andava com seguranças. Agora tenho receio”, afirma. “Estou com medo, não quero virar estatística.” Deodalto conta que, em junho passado, recebeu um telefonema anônimo feito de um orelhão. “Ou você para a campanha ou sua família sofrerá as consequências”, disse um homem. Ele não registrou queixa na polícia, tampouco pediu segurança à Assembleia Legislativa.
Deodalto está pagando para ser candidato. Sua prestação de contas registra uma receita de R$ 61.700 em doações, mas ele já gastou R$ 189.600 em serviços. No vermelho, ostenta uma boa (e segura) estrutura de campanha. Havia mais cabos eleitorais do que moradores durante a passagem de sua comitiva por um trecho de Belford Roxo, onde as ruas de asfalto têm crateras cheias de lama e as calçadas foram tomadas pelo mato e pelo lixo. Sempre acompanhado dos seguranças, Deodalto entrou numa ruazinha lateral. Abraçou uma senhora de chinelo de dedo sentada em frente à loja de roupas, expostas em cordões e nos manequins. Uma grande placa anunciava: “Não vendo fiado, não faço troca”. A lojista deu pouca atenção a Deodalto.
Durante a caminhada, um homem seguia os passos de Zaqueu com persistência. Vestido todo de preto, com bota e óculos escuros, o guarda-costas tentava se passar por cabo eleitoral. Agitava uma bandeira, tinha no peito um adesivo com o nome do candidato, batia palmas. Outros dois cabos eleitorais que acompanhavam o movimento tampouco enganavam. Zaqueu diz que os homens são colegas de polícia que resolveram ajudá-lo e arriscam a vida de graça. Apesar do transtorno, Zaqueu deu um jeito de usar a insegurança a seu favor na hora de pedir votos. Diz que, se eleito, a prefeitura reagirá à violência. Como ex-chefe de polícia, ele sabe que essa é uma promessa difícil de cumprir.
Fonte: “Época”, 27/09/2016.
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