Não é possível mesmo nos livrar da insegurança jurídica num país encharcado de mentalidade barroquista. O espírito barroco de desmesura, irracionalidade, exageros sem fim, paradoxos e farsas a dar com o pau ainda habita nossas almas, passados cinco séculos, e explica uma Justiça inoperante, imprevisível, politizada e de compadrio. Assim como explica que o legado barroquista é o ambiente ideal para a proliferação do vírus da irracionalidade esquerdista.
O país todo cai em si. Afunda e aprofunda uma crise aguda de valores jamais vista e, sedento por se entender, demanda livros e teses com centenas de diagnósticos da crise, raramente com propostas. A mesma explicação de sempre sobre nosso histórico patrimonialismo, mas nenhuma pista sobre propostas claras e objetivas de como saímos deste buraco político, econômico e social. Desta armadilha barroquista.
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Na verdade, todos que vão em busca de entender o Brasil pela via de nossos grandes intérpretes sabem que o buraco é mais embaixo: trata-se de uma disfunção cultural de todos quanto tiveram a responsabilidade de governar este país e estabelecer políticas públicas em proveito dos demais e para além de seus interesses.
Pois não sairemos desta sem um consenso de verdadeiras elites de que vivemos sob os resquícios indeléveis de uma cultura barroca originária das artes desde os séculos XVI e XVII, mas que se extrapolou desastradamente para os campos da moral e dos costumes, da Justiça e da política, sem o necessário contraponto da Renascença e do Iluminismo.
Este diagnóstico, no entanto, é impensável sem uma proposta concreta: este consenso de razoabilidade deve se dar na mídia, pois pelo caminho natural da educação já não dá mais tempo. O Estado tem sido cativo de visões de mundo tão retóricas e emocionais quanto o romantismo idealista, o positivismo cientificista, os socialismos utópicos, o anarco-sindicalismo e demais esquerdismos populistas, todos filhos diletos do legado do barroquismo sob o qual estamos imersos há séculos!
Para além da corrupção de recursos públicos, patinamos na velha corrupção de valores, na visão de mundo que gostaríamos que fosse e não do que realmente o mundo é, e no uso reiterado da retórica barroca da farsa, da ironia, do paradoxo e da hipérbole para nos iludir de que somos senhores de nosso destino.
Enquanto isso, o senso comum clama bom senso. Vide a unanimidade pública contra as farsas do Neymar! E a sua repentina mudança de conduta sob orientação do razoável Tite. Pois o drible está deixando de ser uma arte em si, sem visar ao gol. A política está deixando de ser a farsa do interesse público! E oxalá a Justiça se livre da chicana recursista.
Fonte: “O Globo”, 11/07/2018