Non ducor, duco. “Não sou conduzido, conduzo”. O lema do brasão da cidade de São Paulo, criado em 1916 pelo prefeito Washington Luiz, que veio a assumir, depois, a presidência da República, expressa de modo adequado a importância do Estado mais poderoso da Federação no pleito eleitoral deste ano. Ancorando a hipótese, há uma densa lista de superlativos: cerca de 32 milhões de eleitores; as mais populosas classes sociais, com destaque para três contingentes de classe média ( A, B e C) e super-povoadas margens sociais; os maiores conglomerados de categorias setoriais, abarcando o universo de trabalhadores e os núcleos de profissionais liberais; fortíssimas centrais sindicais e influentes entidades de áreas produtivas; movimentos organizados, que promovem intensa mobilização e abrem a locução das ruas; núcleos em defesa de direitos humanos, minorias e igualdade de gêneros; e, para dar vazão às demandas dessa gigantesca teia de representação, São Paulo dispõe de vigorosa tuba de ressonância, cujo eco se faz ouvir em todo o território nacional.
Mas a posição de liderança no processo eleitoral não pode ser entendida apenas em decorrência do poderio econômico do Estado que possui um PIB de R$ 1,5 trilhão, representando 31,2% do PIB nacional, que é de R$ 4,8 trilhões. A força de São Paulo vai além da liderança no ranking eleitoral, com seus 23% do eleitorado brasileiro. Outros parâmetros entram na abordagem. O Estado exibe o maior grupamento de eleitores racionais, fator decisivo para avanços na esfera política. A racionalidade transparece no voto ponderado, na comparação entre perfis, na cobrança aos governantes, nas mobilizações de setores e no desfile de movimentos reivindicatórios, a denotar a emergência de uma força centrípeta que se expande por todos os lados. Tal percepção provém da organicidade social. Ao longo dos últimos anos, a comunidade criou múltiplas ilhas no arquipélago do poder, tornando-as canais para fazer chegar demandas aos governantes e representantes, praticando, assim, exercícios de democracia direta. O epicentro dessa movimentação é a capital, São Paulo, com quase 9 milhões de eleitores, eleitorado maior do o que de 23 estados brasileiros, perdendo apenas para o próprio Estado, Minas Gerais(15.248.680), Rio de Janeiro(12.141.143) e Bahia (10.185.417).A metrópole impregna-se de vibração, com suas regiões (norte, sul, leste e oeste) exibindo identidades peculiares (polos habitacionais, industriais e de serviços) e incorporando os adereços estéticos dos espaços chiques.
Costuma-se dizer que o pleito será decidido pela passagem do transatlântico eleitoral pelo Triângulo das Bermudas, constituído por SP, MG e RJ, os três maiores colégios. Ou ainda que Minas é quem decide, sob o argumento de que o Estado do Sudeste é uma encruzilhada que representa a síntese do país. Ora, quando há na disputa dois candidatos mineiros (Aécio e Dilma), a tese parece fraquejar. O fato é que SP possui os maiores exércitos da guerra eleitoral. As ondas de seu mar costumam empurrar para longe os eventos que geram: protestos, denúncias, discursos positivos/negativos, avaliações de candidatos, percepções sobre o cotidiano. Na simbologia da pedra jogada no meio da lagoa (associada à classe media), o Estado é a força centrípeta que faz as marolas chegarem às margens.
As alavancas de empuxo são constituídas pelas classes médias, a emergente classe média C, com suas demandas em torno do “quero mais e melhor”; a tradicional classe B, onde os índices de racionalidade são altos; e a classe média A, de renda elevada. (A propósito, as classes médias somam, hoje, mais de 50% da população brasileira, cerca de 105 milhões de pessoas). Os discursos mais críticos e salientes provêm desses aglomerados, que se unem em cobranças e na disposição de votar contra o status quo. Tal posicionamento pode resultar nos chamados “não votos”, contabilizados hoje pelas pesquisas em cerca de 30%, soma de abstenção, votos nulos e brancos. Mas há uma forte coluna que jogará seus votos no continuísmo, particularmente os núcleos e as bases ancoradas nos vãos da administração pública.
Por isso mesmo, São Paulo viverá um disputado “cabo de guerra” entre as classes médias e os entrincheirados nos bastiões trabalhistas atrelados ao Estado, que tentarão segurar suas mãos nas alças do poder. A batalha eleitoral aponta, ainda, para dois territórios diferenciados: o da metrópole, onde o nível de insatisfação e angústia atinge índices elevados em decorrência dos problemas rotineiros (congestionamentos, violência, serviços públicos precários); e o do interior, habitado por populações menos estressadas, orgânicas e integradas aos valores de uma rotina mais harmônica. Nunca foi tão forte o clamor pela micro-política, programas e projetos destinados às melhorias da estrutura urbana. À frente das bandeiras, desfilam grupos organizados, categorias profissionais sob comandos de novas lideranças e movimentos que pregam ruptura. Em suma, o nível de conscientização- gerando um voto autônomo – é mais elevado.
Isto posto, desponta a questão: a disputa paulista terá influência nas lutas eleitorais de outras regiões? Primeiro, urge dizer que tal influência se dá no plano de formação da opinião publica. O fragor da luta não começou agora com a abertura oficial da campanha de rua. Poucos se dão conta de que o rebuliço que toma conta do país, desde junho do ano passado, começou em São Paulo. E as ondas revoltas continuarão. Os tiroteios mais destrutivos saem da artilharia verbal de comandantes e líderes da região. Lula e Fernando Henrique que o digam. Basta ver as sabatinas a que se submeteram, esta semana, em São Paulo, dois candidatos da oposição, um atirando noutro e ambos atirando na candidata governista. O país acompanha o que se passa nesta praça de guerra. Não dá para acreditar que o velho axioma resista ao pleito de outubro: “entre mortos e feridos, todos se salvaram”. A batalha de São Paulo será decisiva.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 20/07/2014.
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