As incertezas em torno da eleição presidencial e rumores sobre uma possível reunião extraordinária do Banco Central para elevar os juros dominaram os mercados nesta quinta-feira. O dólar disparou, renovando as máximas do ano, enquanto a Bolsa despencou e os juros futuros voltaram a subir. O presidente do BC, Ilan Goldfajn, convocou uma entrevista coletiva no início da noite para dissipar boatos e acalmar os investidores. A moeda americana fechou em alta de 2,24%, a R$ 3,925, a maior cotação desde 1º de março de 2016. O Ibovespa, principal índice do mercado acionário, encerrou em queda de 2,97%, aos 73.851 pontos – no pior momento, chegou a cair 6,96%. E a tônica, segundo analistas, deverá ser essa a cada vez que as pesquisas eleitorais apontarem na dianteira candidatos que não agradem aos agentes financeiros. Já se fala em um dólar acima de R$ 5 até o fim do ano.
Não adiantou o BC reforçar sua atuação, ampliando a oferta de contratos de swap cambial, operação que equivale à venda de moeda no mercado futuro: na máxima, o dólar atingiu R$ 3,968. Foram US$ 2 bilhões em um leilão de swap anunciado no início da manhã, além dos US$ 750 milhões da “ração” diária, iniciada no mês passado.
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Ilan informou que, até o fim da semana que vem, o BC fará uma oferta adicional de US$ 20 bilhões em contratos de swap. Atualmente, há cerca de US$ 30 bilhões em contratos ativos. Ele assegurou que ofertará a quantidade de que o mercado precisar e que pode ultrapassar a máxima histórica de oferta. No governo Dilma Rousseff, o BC chegou a ter quase US$ 110 bilhões em contratos ativos.
– Podemos ir além dos máximos históricos do passado. Até hoje vimos apenas necessidade na parte de swap para hedge (proteção). E não temos nenhum preconceito de usar qualquer instrumento — disse Ilan, ressaltando que, caso necessário, poderão ser usadas as reservas internacionais, hoje em US$ 382 bilhões.
‘VEJO O DÓLAR PASSANDO DE R$ 5’
Maurício Oreng, economista-chefe do Rabobank no Brasil, avalia que o BC está correto em oferecer liquidez ao mercado, mas não considera isso suficiente para controlar a escalada do dólar. O banco estima que, caso seja eleito um candidato que não defenda a reforma da Previdência e o controle dos gastos públicos, e mude a política econômica, o dólar chegará a R$ 5,25 no fim do ano, e o risco-país, medido pelos credit default swaps (CDS) passará de 500 pontos, mais do que o dobro do patamar atual.
No cenário em que um candidato reformista ganhe, o risco cairia a 150 pontos, e o dólar iria para R$ 3,40. Já em uma situação intermediária, na qual o eleito passe a mensagem de que manterá a política econômica, o dólar ficaria entre R$ 4,40 e R$ 4,50.
O economista-chefe da corretora Nova Futura, Pedro Paulo Silveira, ressalta que os investidores estão realinhando suas expectativas sobre as eleições. Importadores e empresas com dívida em dólar, por exemplo, correm atrás de proteção, o que aumenta a demanda pela moeda americana e faz a cotação subir. O fluxo de dólares para o país ainda é positivo, principalmente em razão do aumento das exportações.
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— A alta do dólar é um processo que só vai ter fim após as eleições. Ainda tem espaço para o real se desvalorizar e a Bolsa cair. Eu vejo o dólar passando de R$ 5. Ainda assim, é abaixo do que aconteceu em 2002, com a eleição do Lula. O dólar chegou a R$ 4, mas, corrigido pelo IPCA e pela inflação ao consumidor nos Estados Unidos, essa cotação é equivalente hoje a R$ 7,20 — explicou.
Na visão do BC, ainda não foi preciso colocar dinheiro no mercado porque o fluxo de recursos para o país é positivo. Ilan, porém, admitiu que houve uma mudança relevante no cenário externo, que reduziu o apetite dos investidores pelas economias emergentes. Mas ressaltou que o Brasil tem fundamentos sólidos para suportar esse choque externo, com conta corrente equilibrada e um grande volume de investimentos externos:
— Nosso balanço de pagamentos, se comparado com os de outras economias emergentes, é muito mais confortável. Temos o equivalente a 20% do PIB em reservas.
Ilan não citou diretamente outros países que teriam sido alvos de ataques especulativos. O mercado vinha especulando se, depois de Argentina e Turquia, não seria a vez do Brasil. O país vizinho recorreu ao Fundo Monetário Internacional, e a Turquia elevou ontem os juros pela terceira vez em um mês. Perguntado, o presidente do BC não respondeu de forma direta:
— Isso tudo tem a ver com o momento mais turbulento no mercado. O real tem sofrido depreciações ou não. E também tenho dito: não vemos problema nenhum, inclusive, de passar ou não do máximo histórico de swap.
Ele disse que a alta do dólar será tratada por mecanismos apropriados, não pela elevação dos juros:
– A política monetária olha para a perspectiva de inflação e não será usada para controlar a taxa de câmbio — afirmou, afastando rumores de uma reunião extraordinária do Copom. – Nunca ninguém falou sobre isso.
No entanto, a expectativa de um aumento da Taxa Selic desencadeou a elevação dos juros no mercado futuro. Os contratos do DI com vencimento em janeiro de 2020 passaram de 8,84% para 8,06%, tendo atingido, na máxima, 9,25%. Já aqueles que vencem em janeiro de 2021 foram de 9,23% para 9,77%, batendo 10,31% na máxima. A volatilidade mais forte durante o pregão fez com que a B3 elevasse o máximo de variação que cada contrato pode ter em um só dia.
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Uma sondagem da XP Investimentos com 204 investidores institucionais mostra como os cenários eleitorais podem afetar a cotação do dólar e a taxa de juros, conforme a vitória dos pré-candidatos. Eles preveem crescimento mais fraco e, se tivessem dinheiro investido no Brasil, estariam muito preocupados. A maior parte desses investidores (44%) acredita num segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT) e acham que o dólar tem mais chance de ficar entre R$ 3,80 e R$ 4, com a vitória de um dos dois candidatos. Segundo fontes do mercado, isso teria também influenciado a cotação da moeda.
— O mercado apostou em um agenda econômica que não saiu. O governo até tentou novas medidas, mas é um pato manco. Do lado das eleições, os dois candidatos que se destacam têm caráter mais populista. Tudo isso ajuda a retrair o capital — avaliou Julio Hegedus Netto, economista-chefe da Lopes Filho & Associados.
O cenário político também foi citado pela agência de classificação de risco Fitch, que ontem divulgou um relatório em que avalia que as notas de crédito das empresas estão em tendência positiva em todos os países da América Latina, menos no Brasil. “A turbulência política em curso continua sendo uma das principais ameaças para as empresas brasileiras em 2018”, disse Debora Jalles, diretora da Fitch.
Apesar da escalada do dólar, o presidente Michel Temer negou nesta quinta que haja risco de uma crise cambial. Ele creditou o movimento à expectativa de elevação de juros nos EUA.
— Não há risco (de crise cambial). É natural, o dólar varia muito — afirmou Temer.
Fonte: “O Globo”