Rolezinho, preconceito e direitos de propriedade
Por Bernardo Santoro
Um dos grandes assuntos da semana é o tal “rolezinho”, um encontro marcado pela internet entre jovens da periferia, sempre em um grande shopping, com a finalidade específica de protestar contra a sociedade de consumo, o capitalismo e o preconceito.
Esse rolezinho tem vários assuntos envolvidos que merecem ser destacados ponto a ponto.
Os meios capitalistas que possibilitaram o rolezinho
O rolezinho é um movimento social que se utilizou de instrumentos de mercado, de capitalismo, como internet e redes sociais desenhadas e providas por empresas, com a finalidade de protestar contra aquilo que possibilita o próprio protesto. O rolezinho é, portanto, um movimento em completa autocontradição. E esses são apenas os meios imediatos, pois se contarmos os meios mediatos, como transporte, alimentação produzida em massa, entre outros fatores, tal ideia estaria ainda mais reforçada.
O preconceito existente, o custo do preconceito e o reforço do preconceito pelo rolezinho
Mesmo sendo um movimento autocontraditório, existe sim um caso de preconceito social contra jovens pobres, mal vestidos e negros, o que faz esse movimento ter fins justos (pelo menos nesse caso). Negar que existe preconceito na sociedade é estar desconectado da realidade empírica. Esses jovens passam por ininterruptos casos diários de alienação social, e é bom fazer um exercício de empatia de vez em quando. Talvez eu fosse uma pessoa muito revoltada se eu fosse um negro pobre no Brasil e buscasse fazer algum tipo de manifestação nesse sentido.
O problema é que o rolezinho, como meio de divulgação e combate desses fins justos, é uma péssima ideia, e reforça os conceitos internos ao preconceito estabelecido.
Quando um jovem negro, ou um pequeno grupo, apropriadamente vestido (em se tratando de Rio de Janeiro, basta uma camisa, uma bermuda básica e um tênis – em São Paulo é necessário usar calça), entra em um shopping, a probabilidade, EM TERMOS RELATIVOS, de ser abordado por um vigilante é maior que a probabilidade de um branco ou de um grupo de jovens brancos o serem, o que denota algum preconceito racial da sociedade e do shopping.
Já EM TERMOS ABSOLUTOS, a probabilidade do jovem negro ou do grupo ser abordado é muito pequena, se o tal grupo se portar de maneira civilizada, o que demonstra que, embora exista preconceito relativo, ele não é tão grande assim em termos absolutos, mesmo contra o setor social mais estigmatizado.
Isso se dá por uma questão chamada “custo do preconceito”. Para que uma pessoa seja preconceituosa, ela precisa arcar com um custo. O custo de ser preconceituoso é a oportunidade que se perde em negociar com o alvo do seu preconceito. Homofóbicos perdem a chance de negociar e lucrar com homossexuais, racistas perdem a chance de negociar e lucrar com pessoas de outras raças, elitistas perdem a chance de negociar e lucrar com pobres, e assim por diante. Como no livre-mercado o preconceito tem custo, pessoas acabam por superar suas limitações morais ao negociar com aquilo que temem em benefício próprio.
Daí porque a ideia do rolezinho no shopping é uma má ideia, já que ele acaba reforçando o preconceito de que o pobre, o jovem e, principalmente, o jovem pobre, não respeita regras. Pior do que isso, caso o rolezinho acabe efetivamente trazendo prejuízos para os estabelecimentos comerciais, o custo da violência pode se mostrar maior que o custo do preconceito, e se o custo da violência superar o do preconceito, não haverá mais incentivos naturais de mercado para que os preconceituosos superem suas limitações e deixem, na prática, de praticar atos preconceituosos, restabelecendo-se um preconceito que, embora existente, a sociedade brasileira busca, inegavelmente, superar.
E, esclarecendo, pressupor que uma turba de pessoas geraria prejuízos não é um preconceito meu. Muitas pessoas reunidas, sejam jovens ou velhos; brancos, negros, amarelos ou vermelhos; ricos ou pobres; homens ou mulheres e por aí vai, quando em busca de uma causa conjunta, costumam fazer besteiras. Existe até mesmo um ramo da psicologia que estuda o comportamento das multidões e da massa humana, que imersos na coletividade perdem a noção de responsabilidade individual e os freios morais.
A questão dos direitos de propriedade
Cabe ainda falarmos rapidamente sobre direitos de propriedade. Direitos de propriedade são relativos no Brasil, e se o uso, fruição e disposição da propriedade do brasileiro sobre o próprio corpo e sobre o que se diz ser sua propriedade está condicionado ao que o Estado dispuser, o que o Estado manda deve ser cumprido.
Isso, obviamente, não é o que defende o liberalismo, que usa a inflexibilidade do direito de propriedade como a maior garantia do cidadão contra o poder do Estado, mas não é o que acontece no Brasil.
O caso do rolezinho no shopping pode ser um paradigma de loucura nesse sentido.
Em tese, um shopping, sendo uma entidade privada, deveria ter o direito de receber quem quisesse e arcar com os prejuízos do custo do preconceito. No entanto, tal conduta é criminalizada pela Lei Caó (Lei no. 7.716/89 – arts. 5o e 8o), dentro da ideia de relativização da propriedade privada, o que levou Pedro Abramovay a declarar, na Folha, que o juiz que expediu uma limitar garantindo o direito do shopping de não ter rolezinhos na sua propriedade estaria promovendo um “direito à segregação”. De fato ele está correto: pelo direito brasileiro, dentro de uma visão sistemática, o juiz errou e o direito de rolezinho deveria ser preservado.
Então o Brasil acabou por criar uma dessas aberrações jurídicas típicas de um Estado de Direito falido: as leis, que deveriam proteger o direito de propriedade, incentivam a desordem, e o juiz, que deveria aplicar a lei que incentiva a desordem, descumpriu seu papel para proteger o direito de propriedade.
E ainda dentro da visão liberal, o direito de manifestação política e de liberdade de expressão são plenos e deveriam ser respeitados e ampliados na medida do possível. Portanto, na via pública, o rolezinho seria muito bem-vindo para denunciar o racismo ainda existente no Brasil, sempre se respeitando o direito de ir e vir de outras pessoas, bem como nas propriedades privadas onde os donos assim autorizassem.
É realmente uma pena constatar que, no final das contas, o Estado de Direito anda dando muito mais rolezinhos por aí do que o próprios cidadãos que fazem desse expediente uma forma de protesto.
Fonte: Instituto Liberal
Fiz um comentário ontem, mas pelo jeito não foi aprovado.
Vou tentar denovo, de forma bem resumida: vou ao shopping prá fugir da vida “absurda” que temos nas ruas brasileiras, cheias de violência, de baderna, de coisas que não queremos ver. Se for prá ter isso dentro dos shoppings tb, creio que não teremos muito mais opções de lazer.