Depois de prender, seis dias seguidos, o mesmo bicheiro que anotava apostas próximo à sua casa, leva-lo à delegacia e vê-lo voltar para o ponto sem qualquer punição, o secretário de segurança José Mariano Beltrame, deu o ultimato: a sociedade tem que decidir de uma vez se legaliza ou proíbe o jogo do bicho.
A pior escolha é continuar gastando o tempo da policia com a farsa da “contravenção”, em que a polícia finge que prende e o contraventor finge que é preso, para que tudo continue como está: o jogo do bicho como fonte inesgotável de corrupção policial, política e judicial.
Seja por um marketing eficiente ou por razões antropológicas que só o professor Da Matta pode explicar, o jogo do bicho é considerado um passatempo inocente, uma instituição secular da nossa cultura popular, e os bicheiros são vistos como grandes beneméritos de escolas de samba e de comunidades carentes. Embora as guerras por territórios entre bicheiros sejam sangrentas – recentemente o carro do chefão Rogério Andrade foi explodido por controle remoto à luz do dia -, o bicho é visto com tolerância, e até confiança, pela população.
Poucas instituições no Brasil têm mais credibilidade que o jogo do bicho, embora nunca tenha sido feita uma auditoria nos seus sorteios. Diz-se que é jogo de pobre, de pequenas apostas, pequenas perdas ou ganhos, alimentadas pelo sonho de acertar no milhar e a certeza de que o bicheiro vai pagar, garantida pela frase clássica impressa no talão: vale o escrito. É urgente legalizar, mas não faz sentido privatizar o bicho para deixá-lo nas mãos dos bandidos de sempre. Até os privatistas vão concordar que é um raro caso em que o Estado, que já administra inúmeras loterias, pode e deve assumir mais uma, zoológica – porque já tem estrutura, tecnologia e uma rede nacional eficiente.
Além da faxina ética, o governo poderia arrecadar uma CPMF com o jogo do bicho. Os bicheiros que vemos todo dia em suas cadeiras na calçada poderão continuar anotando apostas, mas em maquinetas eletrônicas ligadas à central de loterias da Caixa, emitindo talões com a nova garantia: vale o digitado.
Fonte: O Globo, 13/01/2012
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