Se fosse possível entrar em uma máquina do tempo e voltar 30 anos no passado, muita gente seria surpreendida pelo Brasil daquela época. É possível que alguns até pensassem que foram parar em outro lugar do planeta – algum canto remoto e esquecido – quando se compara a situação daqueles dias com o país de hoje. Afinal, em que pesem os problemas atuais, avançamos como nação em um mundo que ficou mais complexo, veloz, digital e conectado.
Em 1990, por exemplo, quando a telefonia móvel fez sua estreia por aqui, no Rio de Janeiro, encerramos o ano com 700 aparelhos habilitados; hoje, temos 324 milhões de linhas de celular – mais de uma por habitante.
Rápidas também foram as mudanças de moeda durante esse período. Em menos de uma década, o país experimentou Cruzados, Cruzados Novos, Cruzeiro e Cruzeiro Real até chegar ao Real, em 1994. Um ano antes, a inflação tinha batido 2.477% por ano — surrealismo puro, se comparado ao índice atual, na casa dos 4%.
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Desde 1988, PEGN é testemunha dessas transformações. A revista acompanhou períodos de bonança, como o crescimento acelerado que marcou parte dos anos 2000. Também esteve presente nos momentos agudos de crise, como no confisco das cadernetas de poupança no Plano Collor ou no racionamento de energia de 2001.
Ao longo dessa trajetória, o que fica claro é que mesmo as instabilidades não foram barreiras para gerações de empreendedores criativos, resilientes e ousados. Onde a maioria viu incerteza, eles enxergaram oportunidade. Acompanhe a seguir a história de quem criou grandes empresas em momentos pouco atraentes — e ajudou a construir o Brasil em que vivemos hoje.
Confira:
Francisco Loschiavo, 54, sócio-fundador da CTI Global
“Quando abrimos as portas da CTI Global [especializada em soluções financeiras], em 1992, éramos apenas três jovens profissionais. Naquele momento de rescaldo da crise gerada pelo Plano Collor, apostamos em preços mais competitivos do que as gigantes do segmento.
Não demorou para que chegassem grandes clientes em busca de orçamento mais enxuto, devido à crise, mas que não abriam mão de soluções para analisar suas demonstrações financeiras em meio ao caos da hiperinflação. Não à toa, nosso primeiro carro-chefe foi uma ferramenta que expurgava a inflação dos demonstrativos. Dois anos depois, novas oportunidades surgiram com a estabilidade trazida pelo Plano Real.
Pela primeira vez, as empresas tinham condições de olhar adiante e planejar seu futuro, o que abriu caminho para o produto que até hoje é nosso campeão de vendas — um simulador financeiro que aponta alternativas com base nas perspectivas da economia. Hoje acrescentamos a ele novas tecnologias, como inteligência artificial.”
João Appolinário, fundador da Polishop
João Appolinário é presidente e fundador da varejista Polishop (Foto: Estadão Conteúdo)João Appolinário é presidente e fundador da varejista Polishop (Foto: Estadão Conteúdo)
“O caminho natural seria suceder meu pai em seus negócios, no ramo de concessionárias de automóveis. Mas em meados da década de 90 eu já tinha detectado que a revolução digital mudaria o consumo. As pessoas estavam deixando de lado a lista telefônica para se aventurar pelas pesquisas online, o que me impulsionou a começar um negócio totalmente diferente do varejo tradicional.
Em 1999 fundei a Polishop, com o objetivo de levar qualidade de vida ao público por meio dos nossos canais de venda na TV [via call center] e na plataforma de e-commerce. Na época, 80% dos nossos produtos eram importados — uma operação que só se tornou viável com a queda de barreiras alfandegárias, a partir daquela década.
Outro aspecto determinante para o sucesso do negócio foi o fim da hiperinflação. Com a moeda estável e o cenário mais previsível, pude oferecer ao consumidor a condição de parcelar suas compras em dez vezes — algo incomum na época. Como resultado da oferta que cabia no bolso do brasileiro, cheguei a vender mais de 1 milhão de grills em menos de dois anos.
O início da década seguinte foi marcado pela expansão dos canais de venda e da sinergia entre eles como parte da premissa do negócio. Em 2001, lancei os catálogos e, em 2003, as dez primeiras lojas físicas. Hoje, a marca já soma 286 lojas próprias, 145 mil parceiros de venda direta e 3,8 mil funcionários.”
Wilson Poit, 60, fundador da Poit Energia
“Revendo minha trajetória, chega a ser uma ironia eu ter crescido em uma casa sem energia elétrica, no interior de São Paulo. Naquela época, nem sequer poderia imaginar que fundaria a maior empresa de geração de energia temporária da América Latina. A ideia nasceu quando fui mal atendido por um fornecedor de geradores. Como sou engenheiro eletricista, aquela experiência me mostrou que eu poderia oferecer algo muito melhor.
O primeiro passo foi dado em 1999, ao comprar um caminhão e um gerador para formatar um pacote de serviços completo, com transporte, instalação e plantão de profissionais especializados. Meu primeiro grande destaque no mercado veio durante um show no Parque do Ibirapuera, que depois me rendeu trabalhos na Fórmula 1, em novelas e filmes. O impulso final veio com a privatização das empresas de telecomunicação, que demandou geradores para alimentar torres de transmissão instaladas em locais onde ainda não havia rede fixa de energia.
A crise do apagão, em 2001, me rendeu bons negócios em partidas de futebol e em
shows — só autorizados se iluminados por geradores. As operações atraíram o interesse de alguns fundos, cujos investimentos impulsionaram a expansão da empresa. Em 2012, vendi o empreendimento por mais de R$ 400 milhões para a líder mundial do setor, a Aggreko.”
Romero Rodrigues, 41, fundador do Buscapé
“O início do site de comparação de preços Buscapé, em 1999, foi completamente diferente do que eu e meus três sócios imaginávamos. A gente achava que a parceria com o varejo ia estourar; na prática, fomos recebidos com ameaças judiciais. A última coisa que o comércio queria era ter seus preços expostos e sujeitos a comparação. Por outro lado, fomos surpreendidos com o assédio de fundos de venture capital.
Estávamos conversando com o banco Merrill Lynch quando a bolha da internet estourou, em 2000. Ainda assim, assinaram um acordo conosco. Um ano depois, diante da quebradeira das empresas pontocom, veio o ultimato: ou alcançávamos o ponto de equilíbrio em 12 meses, ou deveríamos fechar.
O jeito foi partir para cima das lojas e cobrar pelo tráfego que já estávamos gerando, além de licenciar nossa tecnologia de busca. Deu certo: o crescimento triplicou ano após ano, até que, em 2009, a sul-africana Naspers nos comprou por US$ 342 milhões.”
Thomaz Srougi, 42, fundador do dr.consulta
“A empresa nasceu da minha experiência pessoal com a medicina. Venho de uma família de médicos e cresci vendo meu pai trabalhar por longas horas, sem receber uma remuneração justa. Ao mesmo tempo, via a realidade dos pacientes e desejava investir em um negócio que fosse tão ou mais eficiente que o sistema privado, além de acessível para um número maior de pessoas.
A primeira clínica que abri foi dentro da comunidade de Heliópolis [a maior da América Latina], em São Paulo, em 2011. Ali pude ver de perto quais eram as necessidades de quem se via à mercê do SUS [Sistema Único de Saúde]. Essa busca por mais qualidade nos serviços essenciais — em especial de saúde — é justamente um dos anseios da nova classe C, cuja renda aumentou ao longo dos anos.
O que explica nosso crescimento atual, mesmo com a recessão, é a consolidação da marca junto à população que não tem plano de saúde — ou seja, 77% dos brasileiros. Entre eles, estão aqueles que perderam seus planos nos últimos anos, o que nos permitiu mais recentemente alcançar também as classes A e B.”
Bianca Laufer, 45, fundadora da Greenpeople
“Nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar ter o Luciano Huck como sócio quando, em 2014, comecei a Greenpeople na cozinha da minha casa. A ideia de fabricar sucos prensados a frio começou de forma despretensiosa, depois que conheci essa tecnologia durante uma viagem de férias ao Havaí. No início, vendia só para as amigas.
Depois comecei a investir na divulgação para parceiros que tivessem sinergia com a marca — voltada para as classes A e B —, como empórios, academias, lojas de produtos naturais, personal trainers e nutricionistas.
O segredo estava na degustação dos sucos, que em 2015 tiveram a sorte de cair nas graças de artistas durante um evento da nutricionista Andrea Santa Rosa, esposa do ator Márcio Garcia. Os posts dos famosos nas redes sociais foram o impulso que faltava para a marca deslanchar. Em algum momento, até cheguei a temer que o movimento fitness fosse só uma moda, mas as tendências ao redor do mundo mostram que ele veio para ficar.
A entrada gradual de vários outros sócios-investidores, como o próprio Luciano, foi fundamental para expandir a produção. Nosso mais recente investimento, de R$ 50 milhões, foi a inauguração de uma nova fábrica, em agosto deste ano. Pode parecer ousadia, mas sabemos que é justamente nas crises que surgem as melhores oportunidades de negócio.”
Fonte: “Revista PEGN”