O BNDES tem condições de devolver na íntegra à União R$ 126 bilhões em 2019, na avaliação do secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues Júnior. O ofício com o pedido já foi encaminhado ao presidente do banco, Joaquim Levy. Na primeira entrevista no cargo, Waldery afirma que é preciso destravar o canal de crédito no País e garantir uma maior participação do setor privado, compatível com o tamanho da economia brasileira. Segundo ele, o gigantismo do BNDES provocou um efeito deletério no mercado de capitais do País. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Estadão – O governo vai cobrar do BNDES uma devolução antecipada?
Mandamos oficio com a solicitação de devolução antecipada de R$100 bilhões, além dos R$ 26 bilhões já previstos para o ano. Como o ministro Paulo Guedes falou, tem que “despedalar” o BNDES. A devolução está totalmente condicionada à situação de liquidez, solvência e governança do banco.
Estadão – O que significa despedelar?
Retornar para os cofres da União os valores que foram emprestados na forma de subsídios, extremamente caros ao País, ao emprego e renda. Essa discussão se dá dentro da intenção da redução do crédito direcionado e aumento do crédito privado. Os recursos que o BNDES recebeu em governos anos anteriores levaram a um funcionamento disfuncional do banco. Ele tem ainda R$ 270,9 bilhões de recursos que foram emprestados pelo Tesouro e que geraram subsídios de R$ 170,3 bilhões. Um custo gigantesco para União. Os R$ 270,9 bilhões a receber tem um custo de R$ 30,3 bilhões. O ofício foi cristalmente claro. O pagamento poderá ser feito em tranches (parcelas): 50%, mais 30% e 20% ou 40%, mais 40% e 20%. O quanto antes melhor.
O banco tem condições de fazer esse pagamento?
A questão é que o banco tem caixa, tem um colchão de liquidez considerável. Os recursos remontam a um valor de 100 bilhões, em títulos públicos e operações compromissadas, além de mais R$ 50 bilhões em ações. O colchão de liquidez requerido de forma conservadora pelo BC é de ordem de R$ 25 bilhões. Com esse perfil, o BNDES está hoje em condições de devolução na íntegra, mais R$ 100 bilhões em 2019. Essa é nossa avaliação. Os nossos dados são cristalmente claros: há liquidez e solvência e atendimento às condições de prudência.
Estadão – Por que o banco resiste?
O presidente Levy tem colocado algumas ponderações, mas nós temos que conversar e analisar as condições de liquidez, governança e solvência. O banco pode vender as ações blue chips (ações de empresas de grande porte).
Estadão – Por que a antecipação é importante?
É um ganha-ganha. São quatro efeitos de primeiríssima grandeza. A redução da dívida bruta, que está em 76,7% do PIB, e pode cair 1,5 ponto porcentual. Essa redução vai gerar um movimento de expectativas extremamente positivo de sustentabilidade da dívida e vai reduzir os pagamento dos juros da dívida. Vai também ajudar a retirar a trava que tem no canal de crédito.
Estadão – BNDES, Caixa e BB estão agora reunidos no mesmo ministério o que muda?
É uma novidade institucional importantíssima. Como o nosso crédito está aquém do que a economia precisa, precisamos reformatá-lo. É importante que seja analisada a participação dos três bancos juntos em conjunto. Não só BNDES, mas também Caixa e BB.
Estadão – Para chegar aonde?
Levar a uma participação do setor privado bem maior do que é hoje. Vou dar um exemplo claro. O financiamento para infraestrutura é bem acanhado. As debêntures (títulos emitidos por empresas para captar recursos) para infraestrutura tem um valor hoje de R$ 29 bilhões. É muito baixo. Elas não deslancharam na medida do que a nossa economia precisa. Há potencial para, no mínimo, dobrar.
Estadão – Como fazer essa política?
O aumento dos investimentos se dará na motivação ao setor privado. A nossa intenção é incentivar fortemente o setor privado a entrar na economia. Vamos repensar o papel dos bancos públicos.
Estadão – Os críticos dizem que o enxugamento é para atender os bancos privados?
Temos que caminhar para uma maior participação do setor privado no crédito. Somos a oitava economia do mundo mas em termos de crédito em relação ao PIB é muito abaixo. Mais do que falar em beneficiamento de bancos, temos que falar em incentivo à participação do crédito privado.
Estadão – Por que é necessário?
O canal de crédito é extremamente importante. Precisamos liberar recursos para o banco médios.
Estadão – O aumento do BNDES no passado recente foi um impedimento do mercado de crédito privado?
O efeito deletério maior com o gigantismo do BNDES se deu na redução do mercado de capitais.
Estadão – Qual a relação entre a devolução e abertura da caixa preta do BNDES que o presidente Jair Bolsonaro cobra?
O presidente colocou a necessidade de um BNDES transparente. Algumas medidas foram colocadas pelo Levy em dar transparências aos maiores devedores, mas há espaço para um tratamento mais incisivo. Entendemos que a antecipação de recursos e o direcionamento do BNDES para as funções com maior eficiência alocativa diminuem canais de problemas como no passado.
Estadão – Como os de corrupção?
Corrupção, má alocação e ineficiência. Quando temos um banco que se direciona a investimentos mais focados, como o Levy está pondo foco nas micro e pequenas empresas, não há porque se falar em empréstimos a setores que agregam pouco valor à economia. A interface com o BNDES se dá em várias frentes, a da devolução é uma. Uma outra que estamos discutido é a privatização da Eletrobrás.
Estadão – A privatização da Eletrobrás ficou para 2020?
Pelo contrário. Não fica para 2020. Nosso posicionamento assertivo é de realizarmos a venda em 2019.
Estadão – A tempo de ajudar o resultado fiscal?
Sim. Embora não seja esse o único objetivo.
Estadão – O governo vai intensificar a revisão dos programas?
Cada ministério passará a ter uma avaliação de políticas públicas. A estrutura de avaliação da politica será efetiva e centralizada. Essa é uma inovação importantíssima.
Estadão – Os programas que foram considerados ruins vão acabar?
Exatamente. No próximo ano. Há uma feliz coincidência por que vamos ter um novo PPA (Plano Plurianual) a ser enviado em agosto e isso vai facilitar a gestão como todo. Já temos uma lista de programas prioritários. Teremos um plano de avaliação que será contemplado em parte no PPA, que será muito mais gerencial e com efetividade. Estamos buscando a gestão efetiva do que nós economistas entendemos que a geração de emprego. Por exemplo, seguro desemprego vai ser reformatado e o abono salarial.
Estadão – Mas o abono já está contemplado na reforma da Previdência. Serão feitas outras mudanças?
Após a aprovação da PEC da Previdência, vamos ver o comportamento do mercado de trabalho para o atendimento. Por medida de equidade, vamos analisar como as faixas mais baixas de renda vão se comportar em relação à aprovação da PEC. O seguro desemprego é para aprimorá-lo. Outro ponto importante é que cada área busque trazer produtividade e competividade como fim. Por exemplo, a questão fiscal que é tão cara para nós, é meio e não fim. O cuidado e zelo com a questão fiscal é importantíssimo, mas não é fim. Por exemplo, se o resultado primário vai ser negativo, é há a expectativa, pelo sexto ano, não iremos graduar pelo lado da receita. Não iremos aumentar imposto para ter melhoria no resultado primário. Não há nenhuma expetativa de aumento de carga tributária durante a gestão do presidente Bolsonaro.
Estadão – Qual é fim?
É o crescimento sustentável de alta intensidade e aumento substancial de alta produtividade.
Estadão – O que é isso?
A expectativa de crescimento em 2019 está em 2,2%. Esse é um valor bom, mas nem de longe é o potencial da economia. O PIB potencial é muito além desse valor. Medidas podem ser feitas para desamarrar a economia para crescimentos a taxa de 3%, 4% ao ano.
Estadão – Essas medidas estão a caminho?
Elas estão a caminho. Entendemos o crescimento, sobretudo, no seu componente expectacional bastante suscetível às noticias positivas. O governo tem de fato uma intenção de liberação da economia.
Estadão – O que vem?
Faremos uma reformatação das garantias. Essa é uma das medidas estruturais do lado real da economia . Isso impacta muito substancialmente o crescimento via o canal de crédito. Nosso crédito é muito pequeno da ordem de 47% do PIB e metade é direcionado. O BNDES é uma parte importante desse crédito direcionado é queremos enxuga-lo. Nossa intenção é uma reformulação completa do FGTS.
Estadão – Em qual direção?
Em várias direções. Em particular, numa melhor gestão. Estamos falando de um estoque de R$ 524 bilhões que o FGTS tem e um fluxo substancial. Hoje, o FGTS é uma poupança compulsória para o trabalhar e é uma poupança negativo.
Estadão – O governo vai abrir a gestão do FGTS para outros bancos?
São várias medidas. Mas caminhamos no sentido de modernização. Mas teremos uma restruturação do fundo. Não há urgência, embora haja elevada relevância. Temos como prioridade numero um a reforma da Previdência, mas estudos estão sendo feitos sobre o FGTS.
Estadão – O objetivo é melhorar a gestão para aumentar os investimentos no País?
Sim efetivamente. A linha geral é isso mesmo. Vai ter que reformatar FI-FGTS, que tem hoje até R4 36 bilhões. Nós temos também que reformartar o Minha Casa, Minha Vida.
Estadão – Como?
A direção é de eficiência alocativa bem maior do que é hoje.
Estadão – Será algo como foi feito com o Fies, diminuindo os subsídios?
Não na mesma magnitude. Mas redução do subsídio é algo que está no radar. Os detalhes vamos dizer mais à frente.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”