Em maio do ano passado, às vésperas da entrada em vigor da lei europeia de proteção de dados – a GDPR –, os consumidores do velho continente viram suas caixas de e-mail serem inundadas por milhares de mensagens. Lojas, supermercados, bancos, empresas de seguro enviaram toneladas de mensagens a seus clientes pedindo consentimento para o uso de dados. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entra em vigor em agosto de 2020.
E, ao que parece, a corrida de última hora que aconteceu na Europa tem tudo para se repetir por aqui.
Somente 15% das empresas, segundo levantamento da Serasa Experian, afirmaram que estão preparadas para cumprir seus deveres em relação ao tratamento de dados exigido pela Lei 13.709. Trata-se de uma realidade a ser enfrentada não somente pelas marcas, mas também pelas agencias de publicidade.
“As empresas de marketing e as agências de propaganda refletem essa pesquisa. Elas não estão prestando atenção à gravidade desse assunto”, diz Isaías Lemes, cofundador da Match, consultoria de projetos de tecnologia e marketing.
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“Raramente encontro executivos de marketing nos eventos sobre o LGPD que estamos fazendo”, diz Marco Aurélio Peres, chefe de inteligência artificial da Stefanini, empresa de soluções de negócios baseadas em tecnologia.
A LGPD determina que o consumidor residente no Brasil precisa consentir o uso de seus dados pessoais. O dono da informação deve ser informado sobre para que fins a informação será utilizada, e por quanto tempo. Em caso de infração, a multa é pesada: 2% do faturamento, com teto de R$ 50 milhões.
“É uma multa que pode inviabilizar muitas empresas por aí”, diz Décio Pecin, presidente da rede de escolas de idiomas CNA.
Ele diz que está preparando a rede de 580 escolas para operar conforme a lei. “Normalmente fazemos promoções, como dar um desconto para quem faz um cadastro. Vimos que pedimos informações que nem sequer precisamos. Por isso, estamos nos adequando”, afirma.
Cuidados daqui para frente
O marketing será o setor mais afetado pela LGPD, diz o advogado Renato Opice Blum, especializado no tema. “Até hoje, agências de propaganda usaram dados do consumidor livremente. Isso não vai mais poder acontecer”, afirma.
Por isso, as agências e as marcas deveriam estar se preparando. “Quem começar a se adequar agora, já estará atrasado. Não vai dar tempo”, diz Eduardo Schaeffer, diretor de negócios integrados da Rede Globo. “Aqui, já começamos nos adaptar antes da lei europeia entrar em vigor, porque temos operações por lá”, explica.
A Rede Globo coleta dados por meio da votação online, em programas como The Voice e Big Brother Brasil. “Os dados são do telespectador, mesmo depois dele clicar ‘enviar’”, diz Schaeffer. Para deixar tudo bem explicado, a emissora está estudando maneiras inovadoras de pedir a permissão do telespectador e fugir do “juridiquês”. “Estudamos incluir as informações em áudio.”
A lei vai fazer uma “peneira” do mercado de marketing no Brasil, diz Schaeffer. “Muitas empresas não idôneas, que ganham com monetização de dados, vão deixar de existir”, prevê ele. O diretor de performance da agência REF+, Weverton Guedes, diz que “muitas startups podem morrer, a não ser que surja um mercado de comercialização de dados consentidos”.
Hoje, para medir o retorno sobre de campanhas, agências usam dados de navegação de consumidores. Segundo Guedes, será difícil fazer isso após a entrada em vigor das novas regras – até porque a quantidade de dados à disposição vai cair muito.
Por isso, o perfil das ações de marketing deve mudar. “As campanhas vão deixar de se basear em histórico de navegação para se fundamentar mais em dados contextuais”, diz Lara Krumholz, vice-presidente para a América Latina da DynAdmic, que distribui anúncios em mídias digitais.
Isso significa que campanhas focadas no comportamento de cada consumidor – como aqueles anúncios que “perseguem” o cliente depois de uma pesquisa na web – vão perder espaço. Nesse sentido, devem ganhar força iniciativas baseadas em eventos. “Se o dólar subir, ofereça viagens nacionais. Se cair uma tempestade, ofereça um app de carona. É uma nova perspectiva”, diz Guedes.
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Força da nova lei depende de regras para aplicação
A Lei 13.709, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entra em vigor em agosto do ano que vem, embora exista um projeto na Câmara para empurrar a validade das novas regras para 2022. Qualquer empresa que tiver informações de seus clientes, por mais básicas que sejam, como nome e e-mail, precisa pedir permissão para usá-los ou armazená-los.
Existem, porém, exceções. No caso da LGPD, as ressalvas se chamam “legítimo interesse”. O problema é que a lei não é clara em definir o que pode ou não ser tratado como dado de legítimo interesse. “O conceito é muito amplo”, diz o advogado Renato Opice Blum. “Há quem acredite que é possível classificar ações de marketing como ‘legítimo interesse’, quando já há vínculo estabelecido com o dono do dado. Eu defendo o consentimento, por cautela e por transparência.”
Espera-se que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD, criada por lei foi sancionada em 8 de julho) divulgue os critérios para aplicação do conceito de legítimo interesse do controlador de dados. A forca da LGPD dependerá da definição desses critérios.
Fonte: “Estadão”