Há décadas o brasileiro lida com a inflação e as consequências da alta dos preços no orçamento doméstico. E, mesmo esse sendo um tema tão familiar, o conhecimento sobre o assunto é baixo. Em uma pesquisa sobre conceitos financeiros, em 30 países, o índice de respostas corretas para perguntas sobre o tema foi de 58% no Brasil, bem abaixo da média, de 78%. Isso mostra as dificuldades dos brasileiros em termos financeiros, o que compromete a capacidade de planejamento futuro.
Os dados fazem parte de um levantamento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tem por objetivo medir as competências da população adulta quando o tema é educação financeira. Foram levados em conta conceitos divididos em três pilares: conhecimento, comportamento e atitude. Em todos, o Brasil teve um baixo desempenho, deixando o país na 27ª colocação geral, à frente apenas de Croácia, Bielorrússia e Polônia. Na liderança, a França.
Na avaliação da OCDE, o foco no curto prazo apresentado por alguns países, como o Brasil, reduz a segurança financeira dessa população. “Adultos em muitos países ao redor do mundo que mostraram baixos níveis de conhecimento financeiro deixam de adotar comportamentos que poderiam melhorar sua segurança financeira, além de terem atitudes orientadas para o curto prazo”, afirma o estudo, divulgado este mês. A pesquisa foi respondida por 51.650 pessoas, sendo 1.974 delas no Brasil.
Os dados, apesar de preocupantes, não chegam a surpreender os especialistas em educação financeira. Apesar dos estímulos nos últimos anos para disseminar o tema, em especial na área de investimentos, a avaliação é que a cultura consumista no Brasil impede uma mudança maior de comportamento. Afinal, fazer uma boa gestão do orçamento requer alguns sacrifícios, o que pode significar abrir mão de algo a curto prazo.
O educador financeiro Reinaldo Domingos é pessimista em relação ao assunto. Ele acredita que uma mudança que possa fazer com que o Brasil melhore em rankings como o da OCDE vai demorar ao menos uma década, na melhor das hipóteses.
— Em geral, não se sabe nem o conceito de educação financeira. Você toca no assunto e as pessoas acham que é saber matemática, sendo que é algo muito mais comportamental. Para expandir esses conceitos, é preciso ter um método, e a melhor forma é utilizar as escolas, mas isso leva tempo, uma geração — afirma Domingos.
Só 30% são poupadores ativos
Para o especialista, o Brasil tem uma combinação de fatores que faz com que a gestão do orçamento familiar seja colocada em segundo plano. Além do estímulo ao consumo, o crédito se tornou muito acessível nos últimos anos. E grande parte dos programas de educação financeira é voltada para questões de como e onde investir; poucos abordam o consumo consciente e o planejamento para o futuro. Tudo isso, ressalta Domingos, justifica o aumento da inadimplência quando o país entra em recessão, como se vê agora.
Dados da OCDE mostram que apenas 30% dos brasileiros são poupadores ativos, ou seja, têm alguma reserva financeira. Esse índice só não é pior que o da Hungria. Quando a renda cai ou quando há desemprego, sem uma poupança fica difícil arcar com compromissos já assumidos. Aí, as prestações começam a se acumular.
— Esses temas nem são discutidos em família. Não há um projeto de vida em conjunto que poderia ajudar no equilíbrio financeiro. Tudo isso leva à inadimplência e explica uma parte dessa pesquisa — avalia Domingos.
O Brasil possui, desde 2010, a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). Uma série de órgãos públicos e privados estão envolvidos na disseminação desses conhecimentos, incluindo Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o órgão regulador dos mercados) e BM&FBovespa. Todos estão sob a coordenação da Associação de Educação Financeira (AEF). Ainda assim, são menos de 30 as iniciativas com o selo da Enef, e a maior parte está ligada a bancos.
Em comparação à média dos 30 países, foram poucos os temas em que o Brasil mostrou um maior conhecimento. Na definição sobre a importância da diversificar investimentos, ou seja, não aplicar em um único produto ou ativo, os brasileiros tiveram um índice de acerto de 77%, acima da média de 64% entre os países pesquisados. Nas perguntas sobre o valor do dinheiro no tempo e nas referentes a risco e retorno, o Brasil ficou ligeiramente acima da média. No restante, ficou bem abaixo.
Ganhar mais não resolve tudo
Na avaliação de Mauro Calil, fundador da Academia do Dinheiro, uma das razões para esse baixo desempenho é que o brasileiro vê a gestão de suas finanças como algo passivo. Quando as contas não fecham, ele quer ganhar mais dinheiro, mas, em geral, não sabe ou não toma iniciativas para melhorar sua renda ou cortar as despesas.
— As pessoas acreditam que a solução para os problemas financeiros está em ganhar mais dinheiro. Mas não é a quantidade de dinheiro que resolve, e sim as atitudes atreladas a esses recursos. Isso explica, além da pesquisa, o porquê de três em cada quatro ganhadores da loteria voltarem a sua situação financeira original, ou ainda pior, após quatro anos — explica Calil.
Uma das formas de mudar esse quadro, além do investimento em educação financeira nas escolas, é apresentar conteúdos sobre o tema de uma maneira mais atraente para os adultos. Mesmo assim, Calil também concorda que essa mudança é um processo lento:
— Mesmo quem tem acesso a uma consultoria financeira personalizada nem sempre segue a orientação. É o mesmo que ir ao médico e não tomar o remédio. No Brasil, temos um problema cultural forte, de consumo, em que os bens são muito valorizados. Nem sempre essa pessoa é a que possui mais riqueza.
Para Calil, nem mesmo a crise econômica, que aumentou o desemprego e reduziu fortemente a renda, será suficiente para essa mudança de comportamento, de maneira a forçar o brasileiro a buscar um maior conhecimento sobre finanças pessoais. O único alívio que essas pessoas podem ter, de imediato, e que deveria ser aproveitado, é o de negociar mais quando é preciso comprar um bem ou pagar uma dívida em atraso, ou seja, fazer o dinheiro render mais.
— Em uma situação de crise, as pessoas podem fazer negociações melhores. Pode ser desconto para o pagamento de uma dívida, ou na renovação do contrato de aluguel. Como esse cenário de desaquecimento vai durar ao menos até o ano que vem, é possível fazer essa economia — recomenda.
Fonte: “O Globo”.
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