Por algum tempo, conhecer a garagem onde nasceu a HP – espécie de “marco zero” do Vale do Silício – ou visitar o café que Steve Jobs frequentava já dava um ar de “imersão” às viagens de muitos brasileiros que queriam entender por que a região da Califórnia virou sinônimo global de inovação. O roteiro continua tendo sua graça, mas resume cada vez menos o interesse dos empresários brasileiros: agora, a busca é por experiências específicas – como entender as inovações que podem afetar seus negócios ou a busca por investidores americanos.
“Houve um amadurecimento. Há, sim, missões que servem como primeiro choque, como entrar na Amazon Go (mercado sem caixas da varejista americana). É uma experiência fora do comum”, afirma Juarez Leal, chefe de operações da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) em San Francisco. “Mas é cada vez mais frequente a presença de empresários e grandes companhias com demandas específicas, como conhecer tecnologias que podem ser aplicadas ao negócio ou se aproximar do ecossistema do Vale.”
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Atentas a essa tendência, empresas se estruturaram para oferecer roteiros de viagem cada vez mais personalizados. Com sede no Rio de Janeiro e filiais no Vale do Silício e em San Antonio, no Texas, a OBr.global é uma delas. “A imersão é uma das etapas de uma jornada de internacionalização que fazemos por meio da inovação”, explica Robert Janssen, americano criado no Brasil.
Após desenvolver negócios internacionais para empresas de médio porte, Janssen decidiu, há seis anos, se dedicar ao processo de globalização de startups. “Percebi que o que fazíamos era muito próximo às necessidades de uma empresa iniciante, pois começávamos do zero, ao ter de adequar produto e ‘mindset’ a um novo mercado”, explica.
Além dos roteiros personalizados, a OBr.global tem “verticais” de imersões com base nos contatos das 14 redes de investidores-anjo do Texas. “Saúde, agronegócios, transportes e defesa são as áreas de maior força”, diz Janssen.
No fim de 2019, a fintech Valemobi decidiu recorrer a uma imersão da OBr.global após desenvolver um aplicativo para investimento de pessoas físicas, o trademap. Interessado em levar o produto para outros países, o fundador Nelson Massud queria se aprofundar no mercado americano e conhecer o processo de tomada de decisão dos investidores locais.
“Em uma semana, visitamos empresas do setor financeiro, como a Brex (empresa de cartão de crédito para startups fundada por brasileiros nos EUA) e o Silicon Valley Bank, ouvimos investidores-anjo e pudemos conversar com aceleradoras para entender estratégias de crescimento e lançamento no ambiente digital”, explica Massud.
Investidora da Valemobi, a empresa de gestão e tecnologia Visagio reuniu vários dos seus sócios para participar da imersão. “Queríamos conhecer negócios ágeis e saber como funciona a competição de talentos”, explica Izaías Miguel, sócio gestor da Visagio.
A viagem incluiu uma visita ao LinkedIn, para abordar políticas de retenção, conversas com a área de inovação da Amazon e aulas de empreendedorismo na Universidade da Califórnia em Berkeley.
Novo mercado
Os roteiros personalizados, porém, não são exclusivos de quem trabalha com tecnologia: há também executivos de grandes empresas que fazem as malas para entender o que pode mudar ou romper mercados tradicionais. “As pessoas saem das viagens chocadas: a competição não é mais só de rivais locais ou globais, mas pode vir também de outras indústrias”, diz Felipe Lamounier, sócio da empresa de inovação StartSe. “Uma empresa de pecuária pode ter de competir com a área de biotecnologia.”
Responsável por excursões ao Vale desde 2016, a StartSe passou a atender demandas customizadas de empresas recentemente, não só no Vale, mas também na China e em Israel.
+ Fernando Veloso: Produtividade do trabalho
Quem também trabalha com múltiplos destinos é a Brazil Innovators, que leva executivos e empreendedores a São Francisco e também a Nova York. “A procura aumentou muito recentemente. Por isso, começamos a realizar programas específicos em áreas como alimentos, agronegócio e até cannabis”, diz André Monteiro, presidente executivo da companhia.
Em 2019, foram quatro programas do tipo e, segundo Monteiro, a demanda está alta para este ano, ainda mais porque os grupos são pequenos. Ele justifica a seletividade. “Para conseguir essa dinâmica de ter uma experiência de valor, não dá para ter mais do que dez pessoas, senão não cabe numa sala de reunião de uma grande empresa”, diz. “Mais do que isso, vira palestra, e aí a experiência passa a ser muito passiva, sem causar impacto de verdade nas pessoas.”
Fonte: “Estadão”