Há quatro décadas o Brasil começou a jornada para se tornar um dos principais produtores e exportadores de alimentos do mundo. A resposta ao avanço da industrialização e da urbanização tinha de ser rápida — o país importava comida para abastecer a mesa das famílias e estava difícil lidar com a pobreza nas zonas rurais. Aumentar a produtividade agrícola em um país de clima tropical foi tarefa que exigiu esforço e dedicação científica. Era preciso desenvolver e aplicar tecnologia para fertilizar o solo. A estratégia deu certo. Entre 1975 e 2015, segundo dados da Embrapa, a produção aumentou 4,5 vezes, enquanto o uso de insumos avançou 15%. O agronegócio cresceu — e com qualidade.
De acordo com a Embrapa, a tecnologia responde por 59% do crescimento do valor bruto da produção. Terra e trabalho explicam, respectivamente, 25% e 16% do feito. Pressionado pelas metas internacionais de segurança alimentar, o país busca um novo salto. Desta vez, a digitalização será o trampolim. “O agronegócio passa por uma transformação. E estamos no epicentro dela”, destaca Francisco Jardim, diretor executivo da SP Ventures. Segundo ele, dos seis polos agrícolas globais, apenas o Brasil tem a oportunidade de ampliar a produção na escala necessária. Pode aprimorar os fatores de produtividade e ainda estender a área plantada. Estudos da Embrapa mostram que, apesar da produção potente, a área cultivada representa 7,6% do território brasileiro. As terras destinadas à pecuária, incluindo as de baixa produtividade, cobrem 20% do território, dando margem para ampliar a lavoura sem comprometer a biodiversidade. Esta é uma condição que nenhum país desenvolvido possui. “Além disso, somos a única potência agrícola tropical, o que nos força a desenvolver tecnologia”, completa o executivo.
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O contexto positivo coloca o ecossistema brasileiro de agtechs no mapa global. “Temos o ambiente perfeito para criar unicórnios do agronegócio”, aposta Jardim. Recentemente, a SP Ventures, a Embrapa e a Homo Ludens Research and Consulting mapearam as startups nacionais com atuação na cadeia agroalimentar. O Radar Agtech Brasil 2019 identificou 1.125 agtechs, 90% delas nas regiões Sul e Sudeste. O estudo classificou os negócios em três etapas: antes da fazenda, dentro da fazenda e depois da fazenda. A primeira etapa corresponde à pré-produção e envolve tecnologias de controle biológico, nutrição do solo, genômica e biotecnologia. Na segunda, a produção é toda monitorada por sensores (IoT), drones e plataformas de agricultura digital e de precisão. Depois da fazenda, surgem os empreendimentos ligados ao desenvolvimento de novos alimentos, rastreabilidade e comércio eletrônico.
O professor Sérgio Pascholati, presidente do conselho da EsalqTec, incubadora tecnológica da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), acompanha o crescimento do empreendedorismo no Vale do Piracicaba, no interior paulista, importante polo de geração de conhecimento agrícola. “Temos estimulado nossos alunos a abrirem seus próprios negócios. Há uma nova cultura surgindo na universidade”, confirma. Segundo ele, Piracicaba agrupa mais de 300 projetos inovadores para o agronegócio. “Temos a universidade, a incubadora, o parque tecnológico e iniciativas como o Pulse Hub, da Raízen”, diz. A metodologia do Radar Agtech Brasil 2019 identificou 41 agtechs na cidade.
Para Kieran Gartlan, diretor do The Yield Lab no Brasil, os projetos locais são necessários para resolver desafios importantes do país. Entre eles, o acesso ao crédito para financiar a lavoura. “A transformação digital traz transparência à operação, reduzindo riscos e ampliando acesso ao capital”, comenta. Para conectar investidores, bancos e produtores rurais, Gartlan acredita no poder dos dados coletados nas fazendas. “As informações têm de ser utilizadas para demonstrar o risco real da empreitada. Assim, os juros caem e o mercado financeiro pode estimular o aumento da produção”, explica. Segundo ele, nas mãos do mercado financeiro também está a responsabilidade de ampliar a adoção de tecnologia no campo, principalmente em propriedades de pequeno e médio portes. “Sem dinheiro, não dá para reunir as ferramentas necessárias para modernizar a lavoura”, diz.
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Fernando Berardo, líder da área de desenvolvimento de sistemas da FCStone, acredita que a virada de geração no campo vai contribuir para a transformação dos negócios. Para ele, os novos agricultores acompanharam seus pais nos esforços para ampliar a eficiência e aumentar a produtividade. “Dentro da porteira, já sabem o que tem de ser feito”, afirma. Agora, os filhos vão buscar melhorias fora da porteira, integrando a propriedade à cadeia produtiva e ao mercado consumidor. Para lucrar mais, a tendência é adotar soluções que eliminem intermediários no comércio. “Com informação nas mãos, o agricultor vai se posicionar, vendendo diretamente para o cliente final.”
Fonte: “Época Negócios”