A Assembleia Legislativa do Rio tem sete cargos comissionados para cada funcionário concursado. São 600 servidores no quadro fixo para 4.540 pessoas contratadas para funções em comissão. Só para se ter uma ideia da desproporção, na Assembleia Legislativa de São Paulo, estado bem maior, que tem atualmente 2.557 pessoas em cargos de confiança e 577 estatutários, a relação é de quatro comissionados por servidor concursado. Em fevereiro deste ano — último mês disponível para consulta —, a Alerj teve um gasto líquido de cerca de R$ 26,5 milhões com pessoal, entre comissionados e pessoal efetivo.
Os números tão discrepantes do que prega a legislação estão na mira do Ministério Público e têm suscitado discussões nos gabinetes. Há quatro meses, o Ministério Público estadual propôs uma ação para exigir que o Legislativo Fluminense reduza a relação entre total de comissionados e pessoal fixo. O órgão foi à Justiça para restringir o total de comissionados a um terço do quadro geral da Casa, o que exigirá um corte drástico.
A judicialização foi proposta pela 6ª Promotoria de Defesa da Cidadania. O mérito da ação não foi julgado, e o processo ainda está em fase inicial. Apesar de não existir uma norma objetiva definindo um limite específico, a Constituição Federal cita que os cargos para funcionalismo público devem ser preenchidos por concursos, e que as contratações são para preencher funções de confiança.
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“Regra é concurso”, diz MP
A promotora Gláucia Santana, titular da 6ª Promotoria de Defesa da Cidadania, defende que a prática na Alerj não corresponde ao princípio constitucional.
— De acordo com a Constituição, a regra é concurso, e comissionado, exceção. Mas está havendo uma inversão na Alerj — afirma.
Além da quantidade desproporcional entre os tipos de funcionários, a promotora está investigando os desvios nos critérios para contratação, o que favorece esquemas de “rachadinhas” — em que pessoas sem qualificação são contratadas e devolvem parte do salário para o gabinete do deputado. Um dos casos suspeitos teria ocorrido no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador da República, que recorreu à Justiça, pedindo a suspensão da investigação.
— A Constituição fala que o comissionado precisa ter cargo de direção, chefia e assessoramento. As duas primeiras funções são fáceis de aferir, já o assessoramento é subjetivo, pode ser um mero cargo de confiança. Na carreira jurídica, é comum existirem assessores, por exemplo. O problema é que, em muitos casos da Alerj, recebemos respostas vagas e não conseguimos entender o critério para contratação — questiona Gláucia. — É para trabalhar no reduto eleitoral? Será que ele presta um serviço público ou estritamente para atender a interesse particular de eleição?
O MP já fez uma série de perguntas à Alerj, mas recebeu informações que considera insuficientes para entender os parâmetros adotados pela instituição para administrar seu quadro de pessoal. O órgão vê indícios de irregularidades, como um assessor de gabinete, com salário de R$ 17 mil, que nunca teria pisado no Palácio Tiradentes, e está sendo investigado. A Alerj informou ao MP que há “658 servidores de provimento efetivo, 3.423 servidores comissionados, 631 requisitados de outros órgãos e quatro procuradores em seus quadros”.
Na ação, o MP defende que cargos comissionados deveriam ser apenas um terço do total, o que não está explícito em lei de forma objetiva, mas representa a proporção definida em outras ações judiciais semelhantes em tribunais de todo o país.
Juristas especializados em direito constitucional ouvidos pelo GLOBO concordam com os argumentos usados pelo Ministério Público. Para Daniel Sarmento, professor da Uerj, a Assembleia Legislativa do Rio não pode perder de vista que os comissionados devem ser cargo de exceção.
— Em cargo político é normal o cargo de confiança, mas não pode de maneira alguma se transformar a regra em exceção. Não há norma jurídica estabelecendo um limite máximo ou mínimo de comissionados, mas uma proporção de sete para um parece muito estranha, cria-se uma inversão do princípio constitucional. E o Supremo Tribunal Federal (STF) tem jurisprudência cristalizada que impede a criação de funções e cargos comissionados para atividades de rotina.
Especialistas criticam
Para Leonardo Vizeu, professor da FGV, basta interpretar a Constituição para concluir que o número de comissionados deve ser menor do que o de cargos efetivos por uma questão lógica e de moralidade:
— Não pode haver mais cargos comissionados do que cargos efetivos na estrutura do órgão público, e o número de servidores tem que ser proporcional à infraestrutura do órgão ou entidade, neste caso a Alerj.
O tamanho do quadro de funcionários da Alerj não é proporcional à produção legislativa. No ano passado houve 2.589 proposições de lei: em média, 37 por deputado (ao todo, são 70). Ao final, 431 leis estaduais entraram em vigor, sendo 421 ordinárias, três complementares, três de decretos legislativos e quatro emendas. A produção equivale a de uma lei para cada 12 funcionários da Casa. Já na Alesp, em São Paulo, foram aprovadas 331 leis estaduais em 2019, o que representa uma lei para cada nove funcionários.
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Em fevereiro, todos os rendimentos líquidos de comissionados somaram R$14,5 milhões. Entre os estatutários, o que inclui os 71 deputados — com rendimento bruto de R$25.322 —, tiveram rendimentos líquidos de R$12 milhões. Os dois grupos, juntos, representaram despesas líquidas de R$ 26,5 milhões.
Após uma mudança no regimento interno da Alerj, o limite de funcionários por gabinete foi alterado no ano passado. De 63, a quantidade caiu para 40, que pode ser de efetivos ou comissionados. A Casa, porém, não disponibiliza dados sobre a distribuição de assessores por gabinetes, o que dificulta o levantamento de dados gerais.
Procurada, a Alerj explicou que “tem reduzido suas despesas de pessoal, que caíram 15,71% em um ano (de 2018 a 2019)”. Sobre os comissionados, a Assembleia respondeu que a maioria está lotada nos 70 gabinetes parlamentares, nas 37 comissões permanentes, nas 13 especiais, nas quatro de representação e nas nove de inquérito. De acordo com a Alerj, a quantidade é variável porque tratam-se de “cargos de confiança, de livre exoneração e nomeação”.
Fonte: “O Globo”