Os poderes Judiciário e Legislativo vão precisar conter despesas para se enquadrar no teto de gastos este ano. A regra fiscal, que limita o crescimento das contas da União à inflação do ano anterior, prevê que o reajuste em 2020 será de 3,37%. Considerando a evolução das despesas desses órgãos em 2019, fica claro que eles terão de fazer um esforço extra.
De janeiro a novembro do ano passado, os gastos do Legislativo cresceram 7,8% em relação ao mesmo período de 2018. Já os do Judiciário tiveram alta de 6,8%. Ou seja, na prática, esses poderes terão de reduzir à metade o ritmo de alta de gastos, já que o limite no ano que vem é de só 3,37%.
O Ministério Público da União também teve aumento de 5,9% nas despesas. Apenas a Defensoria Pública da União conseguiu reduzir seus gastos, em 2,7%.
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Para piorar a situação de Judiciário e Legislativo, a partir deste ano, o Poder Executivo deixará de compensar os gastos dos demais órgãos que vierem a estourar o limite. A compensação prevê que o Executivo deixe de gastar para que os demais poderes possam expandir os gastos acima da inflação. O mecanismo foi criado para permitir um prazo de transição para que os outros poderes pudessem atenuar o efeito de gastos já autorizados, como reajustes salariais. Ele foi válido para os três primeiros anos do teto de gastos (2017, 2018 e 2019). Sem a compensação, caberá agora a cada poder remanejar o orçamento interno para se enquadrar no teto.
Para a correção do teto de gastos, a inflação considerada é a do período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior. Isso ocorre porque o Orçamento é enviado ao Congresso em agosto.
Com isso, o repique da inflação de dezembro — que fez o IPCA encerrar o ano com alta de 4,31% — só vai ser transferido para o teto de gastos no Orçamento de 2021. No Poder Executivo, o problema, nesse caso, é que os benefícios previdenciários são corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de 4,48% em 2019, valor divulgado na sexta-feira pelo IBGE.
Juiz de garantia pode pesar
Para o governo federal, portanto, parte dos benefícios do INSS vão crescer mais que o teto. O próprio salário mínimo, que teve alta de 4,1%, vai subir além do limite de gastos federais. Como essas despesas são obrigatórias, isso deve exigir do Poder Executivo a redução de outros gastos, não obrigatórios — como investimentos e custeio da máquina — para comportar mais despesas.
Em 2019, o teto de gastos permitiu uma alta de 4,4% nas despesas, baseada na inflação do ano anterior. A compensação do Executivo — poder que registrou crescimento de 1,8% nas despesas até novembro do ano passado, abaixo do limite — deve fazer, contudo, com que os órgãos cumpram o teto, mesmo gastando mais que esse limite. A regra é verificada no fim do ano, e o relatório fechado do Tesouro Nacional para 2019 será publicado este mês.
Ao todo, há 14 órgãos federais fora do Poder Executivo. O teto é verificado para cada um deles. Os maiores crescimentos no ano passado foram no Conselho Nacional de Justiça (25,1%), no Supremo Tribunal Federal (14,2%) e no Conselho Nacional do Ministério Público (10,1%).
— Uma boa parte dos órgãos terá dificuldade de cumprir o teto sem a compensação — avalia o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto.
Pelos cálculos da IFI, há um risco maior de descumprimento do teto em 2021. Mas a falta de compensação poderia pesar para alguns órgãos já neste ano:
— Esse problema da não compensação é adicional, que pode aparecer antes de 2021. Em 2020, pode ser a realidade de alguns órgãos descumprirem o teto de gastos.
O Orçamento Geral da União de 2019 reservou R$ 3,362 bilhões para o Poder Executivo compensar o crescimento dos gastos dos outros poderes. Desse total, R$ 46 milhões correspondem à Defensoria Pública da União; R$ 128,76 milhões ao Ministério Público da União; R$ 258,62 milhões ao Legislativo, e R$ 2,93 bilhões, a maior fatia, ao Poder Judiciário.
Este ano, o Judiciário pode ter de acomodar eventuais despesas extras com o juiz de garantia. O grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que avalia a aplicação da nova regra ainda não decidiu como o mecanismo será implementado, apesar de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, defender que não haja gastos adicionais com a medida aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.
Pela lei, o juiz de garantias passará a acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. Caberá a esse juiz atuar na fase da investigação e decidir, por exemplo, sobre a quebra de dados sigilosos dos investigados. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença ao fim das investigações.
Prejuízo à população
Já o Ministério Público da União (MPU) ganhou um refresco para este ano. Além do crescimento da inflação, o teto do MPU cresceu em cerca de R$ 200 milhões para abrigar os gastos do órgão com auxílio-moradia dos procuradores. Isso ocorreu por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão autorizou o aumento porque, quando o teto foi instituído, o auxílio-moradia havia ficado fora da regra.
A professora da UFRJ Margarida Gutierrez defende o fim da compensação e diz que todos os poderes precisam contribuir para o ajuste fiscal.
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— Não é justo o Executivo fazer essa compensação. Quando o Executivo tem que cortar, ele tem que cortar investimentos. A população fica prejudicada porque o Judiciário e o Legislativo resolveram aumentar os gastos. As regras têm que valer para todos, não só para o Executivo. Agora o ajuste vai ser pesado para eles, porque vai se tratar de corte nominal em alguns casos — disse ela.
Os órgãos que descumprirem a regra do teto terão uma série de restrições, estabelecidas na Constituição, como a proibição de reajustar salário de servidores, criar cargos, contratar pessoal e fazer concurso. O Tesouro é o responsável por monitorar o teto de gastos.
Em 2017, primeiro ano da medida, o limite para o crescimento das despesas federais estava em 7,2%. Naquele ano, cinco órgãos registraram aumento de gastos além do teto: Justiça Federal (7,8%), Justiça do Trabalho (10,6%), Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (7,5%), Defensoria Pública da União (14,2%) e Ministério Público Federal (9,6%). Em 2018, todos cumpriram o teto de gastos.
Fonte: “O Globo”