Steve Lohr /The New York Times
Não faltam previsões de como a inteligência artificial (IA) vai definir onde, como e se as pessoas vão trabalhar no futuro.
Mas os grandes projetos de IA para mudanças no trabalho, como carros autônomos e robôs humanoides, ainda não são produtos comerciais. Em vez disso, uma versão mais modesta da tecnologia vem avançando num ponto menos glamouroso: o trabalho de retaguarda nos escritórios.
Softwares estão automatizando tarefas mais mundanas de empresas, como contabilidade, cobrança, pagamento e atendimento ao cliente. Com uns poucos toques no teclado, os programas escaneiam documentos, montam planilhas, conferem a assiduidade de clientes e fazem pagamentos.
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A tecnologia ainda está na infância, mas se aperfeiçoa e “aprende” à medida que avança. Até agora, geralmente com projetos-pilotos voltados para tarefas subalternas, a IA vem mais liberando trabalhadores de tarefas cansativas do que extinguindo empregos.
‘A forma menos inteligente de inteligência artificial’
O trabalho dos chamados bots (diminutivo de robô – softwares que automatizam procedimentos repetitivos) geralmente se resume a seguir regras simples, não tomar decisões e não fazer escolhas de alto nível que requeiram julgamento e experiência. “É a forma menos inteligente de inteligência artificial”, resume Thomas Davenport, professor de tecnologia da informação e administração na Babson College.
Mas muito mais está por vir. Gigantes da tecnologia como IBM, Oracle e Microsoft começam a entrar no ramo, frequentemente em parceria com startups de robotização. Duas dessas startups, UiPath e Automation Anywhere, já valem mais de US$ 1 bilhão cada. Segundo um estudo, o mercado de softwares de robótica deve quase triplicar até 2021.
“É o início de uma onda de tecnologias de IA que vai proliferar em toda a economia na próxima década”, diz Rich Wong, sócio da Accel, empresa de investimentos de risco do Vale do Silício e investidor na UiPath.
O novo campo é conhecido pela sigla RPA (de robotic process automation). Seus programas (bots) simulam ações humanas repetidas e se enquadram na definição mais ampla de inteligência artificial por usarem ingredientes da tecnologia de IA – como computadores que “enxergam” – na execução de tarefas corriqueiras.
Para o mundo empresarial, é uma festa. Perto de 60% das empresas com mais de US$ 1 bilhão de faturamento já têm no mínimo programas-pilotos usando RPA , segundo pesquisa da McKinsey & Company.
Empresas e agências governamentais que começaram a usar softwares de automação cobrem um amplo leque de atividades. A lista inclui General Motors, BMW, General Electric, Unilever Mastercard, Manpower, Cisco, Google, o Departamento de Defesa e a Nasa.
Seguradora tem 30 programas executando tarefas de escritório
A empresa de seguros State Auto Insurance Companies, de Columbus, Ohio, começou seu primeiro projeto de automação há dois anos. Hoje, tem 30 programas de software executando tarefas rotineiras de escritório. A economia estimada é de 25 mil horas de trabalho humano – ou o equivalente a uma dezena de trabalhadores full-time –considerando-se uma base anual de 2 mil horas de trabalho.
Holly Uhl, a gerente de tecnologia que chefia o programa de automação da State, calcula que em dois anos o número de bots da empresa terá dobrado para 60, com as horas economizadas talvez triplicando para 75 mil.
A intenção, segundo Uhl, não é cortar empregos. A meta da State Auto, cujas coberturas incluem seguro de carros, seguros comerciais e de compensação para trabalhadores, é aumentar a produtividade e os lucros com pouco acréscimo de pessoal, diz ela.
A mensagem de Uhl para os funcionários é: “Juntos, vamos acabar com essas tarefas que deixam todo mundo louco”.
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Rebekah Moore, que calcula preços de seguros na State, tem uma dessas tarefas em mente. Moore avalia apólices e faz recomendações para mudanças de tarifas. Menos da metade das apólices precisam ser recalculadas.
As que não são alteradas são então separadas para arquivamento. Essa é uma parte rotineira e monótona do trabalho que leva um ou dois minutos, mas como se trata de milhares de apólices , representa uma hora a mais de trabalho da equipe. Desde maio, um bot vem fazendo a tarefa. “Ninguém se queixou de ‘usurpação’ de função”, diz Moore.
Será que ela não teme que os bots algum dia possam substituí-la? Moore responde que não. “Simplesmente empregaremos mais de modo mais lucrativo o tempo economizado”, afirma.
Empresa prevê contratar mais em vez de dispensar
Pelo ritmo atual de crescimento da State Auto, essa confiança parece justificada. Se a empresa atingir a meta de economizar 75 mil horas de trabalho por volta de 2020, isso levaria à suposta dispensa de menos de 40 funcionários de tempo integral de uma força de trabalho hoje de 1.900 funcionários. Mas a empresa planeja crescer nos próximos dois anos. Se isso acontecer, é mais provável que, em vez de dispensar funcionários, contrate mais algumas dezenas.
Empresas de automação procuram promover seus bots mais como bons ajudantes que como exterminadores de empregos. A tecnologia, segundo elas, vai ficar mais inteligente e mais útil, liberando trabalhadores, não substituindo-os.
“No longo prazo, teremos um bot para cada funcionário”, disse Bobby Patrock, chefe de marketing da UiPath. A empresa, baseada em Nova York, informou recentemente que seu faturamento mais que triplicou na primeira metade de 2018, para uma taxa anual de mais de US$ 100 milhões.
Mihir Shukla, diretor da Automation Anywhere, qualifica os bots produzidos pela empresa de “colegas digitais”. Em julho, a Automation Anywhere anunciou que o levantamento de US$ 250 milhões em investimentos de risco, estando hoje avaliada em US$ 1,8 bilhão. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
Fonte: “Estadão”