Eric Santos pede que o ar condicionado da sala onde recebe a reportagem de PEGN permaneça desligado. Com uma costela quebrada, resultado de um acidente de kart, o empreendedor de 38 anos não quer se arriscar a pegar uma gripe e encarar uma tosse dolorosa na sua volta para Florianópolis.
Em São Paulo, onde acontece a entrevista, Santos é respeitado como um dos principais players do cenário digital brasileiro. Mas em Florianópolis, onde atua, é considerado um guru — exemplo máximo de sucesso, mestre em educação empreendedora e profundo conhecedor do ecossistema de startups.
Sua empresa, a Resultados Digitais (RD), tornou-se um ícone ao crescer 100% ao ano por sete anos seguidos. Seu principal produto, a plataforma RD Station, é utilizada hoje por 13 mil empresas em todo o Brasil. No ano passado, Santos levou sua expertise para o disputado mercado de CRM.
Agora, negocia um aporte milionário (estimativas do mercado falam em R$ 200 milhões). Com os recursos, pretende se consolidar como líder em soluções de marketing digital para pequenas e médias empresas — não só no Brasil, mas também em países da América Latina, Europa, África e Ásia.
Em Florianópolis, você é visto como um guru, uma espécie de Steve Jobs local. Como encara esse papel?
Não acho que eu tenha algo especial, que seja um iluminado, nada disso. Mas fui um dos primeiros empreendedores a atuar no segmento de marketing digital, ainda em 2010. Muito do que eu faço hoje como mentor ou educador está relacionado com esse pioneirismo. Fora isso, na RD estamos sempre à frente das tendências de mercado.
Então, acreditamos que é nosso dever ensinar as pessoas, formar empreendedores. Tem muitos profissionais que passaram pela empresa e hoje estão com projetos próprios bem bacanas. Isso é fomentar o ecossistema. E é isso que a gente faz.
Como vê hoje o ecossistema de startups no Brasil?
Hoje o país está numa situação radicalmente diferente do que quando comecei a RD, em 2010. A gente não tinha investidor-anjo, não tinha venture capital, não tinha nada. E, aos poucos, a coisa começou a se desenvolver, começaram os eventos, apareceram os investidores e o número de empreendedores se multiplicou.
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Foi um longo caminho. Teve um pessoal da primeira geração que basicamente capinou, abriu trilha na mata. A segunda geração, a minha, pegou essa trilha e está entregando uma estradinha. Talvez não com o asfalto bonito, mas uma estrada. E quem vier daqui para a frente vai encontrar uma rodovia linda. Mas ainda temos um longo percurso. A Índia tem o mesmo PIB que a América Latina, mas investe 37 vezes mais em tecnologia. Não faz o menor sentido.
Como a tecnologia pode ajudar o Brasil, para além do ecossistema?
Convivo muito com o pessoal das grandes empresas. São todas pessoas de bem, envolvidas com várias missões. Fazem mentoria, educam, fazem investimento-anjo e pensam muito no país. E agora estão começando a pensar em como participar de outras esferas, seja atuando com filantropia, tentando influenciar políticas públicas ou até se envolver em política. Tem gente perguntando como pode ajudar a reforma da Previdência, que vai ser algo importante para o Brasil. Ou então tentando abrir canais com os governos, para conversar sobre simplificação de carga tributária, por exemplo.
Entre 2011 e 2017, a RD cresceu acima de 100% ao ano. Qual a receita para conseguir resultados desse tipo?
Tem de ser uma coisa incremental e sustentável ao longo do tempo. Se qualquer negócio, por menor que seja, crescer 10% ao mês, pela regra dos juros compostos irá multiplicar seu tamanho 30 vezes após três anos. Foi o que nós fizemos na RD. Crescemos um pouquinho a cada mês, mas dentro de uma base sustentável. Esse crescimento começa com a geração de demanda, por meio de um trabalho de inbound marketing [estratégia que atrai público por meio de conteúdo relevante].
Então tínhamos 100 leads no primeiro mês, 110 no segundo e assim por diante, até hoje. Outras coisas que ajudam são melhorias pequenas mas contínuas, em várias partes do processo. Não teve um segredo, um pulo do gato, um ano da virada. Se você for olhar nossa receita, ela tem uma curva exponencial, mas cada mês é só um pouquinho melhor do que o outro.
Ouvindo você falar, até parece que o processo é fácil.
O problema é que o empreendedor geralmente é muito ansioso. Poucos conseguem perceber que um caso de sucesso como o nosso não acontece do dia para a noite. É uma história de quase dez anos. Qualquer um que adotar esse approach, de construir um negócio que vai ser um pouquinho melhor a cada mês, vai chegar lá.
É algo que pregamos para nossos clientes: você não está comprando uma solução com um baita resultado logo no primeiro mês, mas é algo que pode mudar a história do seu negócio no longo prazo, desde que se comprometa com essas melhorias contínuas, escaláveis, replicáveis e lucrativas. Ou seja, ele deve medir direito quanto gasta para adquirir um cliente e o quanto este cliente dá de retorno — e fazer com que essa conta feche ao longo do tempo. Chamamos essa metodologia de Máquina de Crescimento.
O que são melhorias contínuas, escaláveis e replicáveis?
Tem gente que acha que escalável é uma empresa que cresce sozinha, sem precisar contratar ou mudar nada. Não é minha leitura. Para mim, escalável significa saber a relação entre a causa e o efeito das coisas. Por exemplo, se eu sei que, ao contratar um vendedor, ele vai conseguir converter um número médio X de lides em clientes, sei que, com esses novos clientes, poderei contratar mais vendedores. Isso é o que entendo por escalabilidade.
O que seria o contrário disso? Crescer queimando ativos da companhia. Um modo de crescer é comprar mídia do Google. Só que, à medida que faço isso, os clientes que eram inicialmente baratos começam a ficar cada vez mais caros. Alguma hora eu vou bater no teto. Agora, se eu fizer algo baseado em conteúdo para atrair os clientes, teoricamente não tenho limites. Vou criando um ativo que vai aumentando com o tempo.
Qual o tamanho da Resultados Digitais hoje?
Eu não posso abrir o faturamento, mas estamos com 13 mil clientes, cerca de 2 mil parceiros — as agências de marketing que vendem o nosso produto — e cerca de 700 pessoas no time.
A maioria fica em Florianópolis, mas temos escritórios em São Paulo, em Joinville, o pessoal que atua remoto e as equipes que ficam no México, Colômbia, Portugal e Espanha. Costumo medir o impacto que temos na economia da seguinte maneira: a soma de nossos clientes e parceiros é de 15 mil companhias. Se ajudarmos cada uma delas a crescer e criar, em média, quatro novos postos de trabalho, são 60 mil empregos diretos.
Em 2018 a empresa dispensou uma parte da equipe. O que aconteceu?
No ano passado, saíram os resultados de dois estudos que havíamos encomendado, um para a base de clientes e outro para a base de parceiros. Eles mostraram que havia segmentos nessas duas bases onde a conta não estava fechando.
Decidimos não trabalhar mais com esses perfis, e essa decisão afetou o número de funcionários necessários para o nosso modelo. Se você for olhar do ponto de vista percentual, não foi um ajuste tão grande: estamos falando de 6% ou 7% da equipe. Mas, como nosso time é grande, isso representou um número de 50 a 70 funcionários.
Esse ajuste valeu a pena?
Do ponto de vista do modelo de negócios e da saúde financeira da empresa, sim. Algumas das métricas melhoraram quase instantaneamente. Em cima desse modelo ajustado, já voltamos a contratar e a crescer. Hoje estamos basicamente com um time do mesmo tamanho do ano passado, mas em cima de uma base mais saudável.
Você está negociando uma nova rodada de investimentos. Para que será usado o dinheiro?
Caso os aportes aconteçam, vamos usar esses recursos para consolidar a RD como líder em plataforma de crescimento para pequenas e médias empresas em mercados emergentes. Na prática, isso significa que, por um lado, vamos reforçar nossos dois produtos atuais.
Por outro, também iremos aperfeiçoar toda a parte de inteligência na oferta aos clientes, ou seja, tudo que está associado ao uso de inteligência artificial, big data e machine learning. Temos muitos dados dos nossos clientes, o que pode gerar insights, mas ainda usamos pouco. Isso pode se tornar um grande diferencial em relação aos competidores.
O aporte também poderá ser usado no processo de internacionalização?
Com certeza. Quando me perguntam sobre o tamanho das operações que temos lá fora, eu digo: o tamanho não interessa, o que vale é o crescimento constante mês a mês. Então queremos replicar nesses países em que atuamos — México, Colômbia, Portugal e Espanha — o que fizemos aqui, tanto em educação e geração de mercado quanto em demanda e base de clientes.
Nós temos uma curva projetada de crescimento: em cinco ou seis anos, queremos que cada um desses países esteja em um patamar similar ao Brasil hoje — ou seja, de 10 mil a 12 mil clientes. Hoje, México e Colômbia combinados devem ter algo como uns 600 clientes. Portugal e Espanha ainda estão atrás nesse processo. O investimento vai permitir continuar financiando essas operações e, à medida que o processo se prove, chegar a outros países emergentes, na América Latina, Europa, África e Sudeste Asiático.
A RD, situada fora do eixo Rio-SP, tira gente até de empresas internacionais, como LinkedIn e Google. Como vocês fazem isso?
Estar localizado em Floripa joga a favor. É uma cidade muito atraente para quem é jovem, ainda não está casado ou não tem filho. Tem uma qualidade de vida muito boa, praias lindas e um custo de vida um pouco menor do que em São Paulo ou no Rio. Fora da questão geográfica, acho que o que atrai alguém para uma empresa como a RD é a possibilidade de colocar o seu carimbo pessoal em algo grande, porque o processo ainda está em construção.
Em um LinkedIn, um Google, um Facebook, o playbook já está pronto. A pessoa vira uma executora. Aqui, ainda estamos criando o playbook. É mais difícil, mas também mais estimulante.
Como criar na prática uma cultura que traga talentos para a empresa?
Se você quer construir uma empresa baseada em pessoas com alto potencial, tem um monte de coisas que são importantes: remuneração, ambiente, infraestrutura. Mas, para mim, tem tudo a ver com desenvolvimento.
Se a pessoa sentir que a empresa é a melhor oportunidade de desenvolvimento para ela naquele momento, é isso que vai fazê-la vir para cá ou ficar aqui. Além disso, temos uma cultura muito forte. Tanto que nossos funcionários são chamados de RDoers. Em tudo o que você faz aqui, você vê a sua marca. Quando fazemos um vídeo, por exemplo, nós filmamos, editamos, produzimos, atuamos. É tudo nosso. Nosso superevento de final de ano, o RD Summit, tem 12 mil pessoas participando, e o staff que produz isso é todo formado por funcionários.
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O RD Summit acontece desde 2013 e possui até uma versão itinerante. Qual é a importância do evento para a empresa?
A sua função número 1 é ajudar na missão educacional que a gente tem no mercado, trazendo uma versão física do conteúdo que temos online. O RD Summit acaba sendo a oportunidade de pegar quem é referência no nosso ecossistema e dar um palco para eles. Ao longo do tempo, também percebemos que foi tendo outros efeitos muito positivos para nós. O primeiro deles é a oportunidade de criar redes de clientes, parceiros e fornecedores. Outros pontos são a divulgação da marca e o efeito que isso traz para o time.
Como você vê os empreendedores brasileiros hoje?
Eles são muito melhores do que a gente era. Muito mais preparados, com mais conhecimento, mais referências e mais bagagem. O ecossistema, bem mais maduro, também ajuda. E estamos começando a ver uma leva de second timers ou third timers [empreendedores que fundam seus segundo ou terceiro negócios].
Esse cara já sabe tudo o que tem de fazer em termos de construção da companhia. Sabe como captar dinheiro, como montar o primeiro time, a infraestrutura. Esses empreendedores já entram com a quinta marcha engatada, e isso é uma coisa linda.
Você mesmo é hoje um second timer. No futuro, se imagina virando um third timer?
Eu não sei, sinceramente. Tenho vontade de me envolver de outras formas, talvez como investidor. Ainda não sei bem como, se vai ser participando de um fundo ou como investidor-anjo. Nesse momento, a melhor coisa que posso fazer é aproveitar a oportunidade que temos na RD para executar e atingir nosso potencial máximo.
Aquilo que eu disse sobre estimular talentos também vale para mim. Eu estou aprendendo, eu estou gostando do que eu faço? Nesse momento, adoro o que faço, aprendo muito e me desafio muito. Então eu vou ficar nessa função enquanto achar que sou a pessoa certa para isso.
Fonte: “Pequenas Empresas, Grandes Negócios”