Diante de uma crise sanitária sem precedentes, como a que o mundo enfrenta atualmente com o novo coronavírus, a união entre diferentes setores da sociedade se faz fundamental para ajudar no combate à pandemia. Nas últimas semanas, uma rede formada por membros da sociedade civil, empresas, startups e cientistas do Rio vêm ganhando cada vez mais corpo com ações concretas e cada vez mais necessárias contra a Covid-19.
Com a urgência de quem sabe dos desafios que ainda estão por vir, Lindalia Junqueira, fundadora do Hacking Rio, plataforma que reúne iniciativas no ramo da inovação, tecnologia e empreendedorismo, realizou uma espécie de chamamento público em busca de soluções para enfrentar a crise e o período pós-pandemia.
— Criamos um movimento chamado SOS Covid19 que reúne líderes estratégicos. Buscamos soluções prontas, de empresas já validadas e testadas, já que não temos muito tempo. Fizemos uma chamada não só para startups, mas para empreendedores, soluções tecnológicas, passando até pela fabricação de máscaras, respiradores e álcool gel. Em 72 horas, levantamos 278 soluções prontas. A inovação não existe sem colaboração — afirma Lindalia, destacando que a maior parte dos participantes da chamada estão localizados no Rio.
Respirador acessível em casa
Daqui da capital, vem o projeto Air Salve, que pretende salvar milhares de vidas criando um novo modelo de respirador, acessório essencial na guerra ao Covid-19. Na força-tarefa, estão dezenas de estudiosos e acadêmicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O objetivo, segundo o co-fundador do projeto, o cientista Sergio Cabral Cavalcanti, é chegar a um modelo de respirador cuja produção seja a partir de materiais mais simples e baratos. Ou seja, mais democrático.
— Focamos no respirador capaz de produzir oxigênio, ao contrário dos outros, que são ventiladores. Nossa patente será de domínio público. A ideia é que ele seja um produto homecare, para pessoas que não tenham leitos disponíveis, possam levar para casa — diz Cavalcanti, afirmando que o primeiro protótipo foi criado em menos de uma semana etem um sistema capaz de esterilizar o ar expelido pelo paciente, utilizando radiação ultra-violeta.
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Segundo o cientista, o aparelho não conta com partes mecânicas, e todo o material necessário para a sua fabricação pode ser encontrado localmente, de forma simples, dentro dos municípios.
— É possível produzir mais de 100 mil unidades em um mês. Todas as hipóteses teóricas estão sendo verificadas pelo grupo de cientistas, incluindo a criação de produtos mais sofisticados e certificados. Por enquanto temos um MVP (minimim product viable), queremos acelerá-lo ao estágio de cabeça-de-série. Semana que vem apresentamos oficialmente ao governo. Temos 100% de certeza que será capaz de salvar vidas — garante o cientista.
EPI impressa em 3D: da Zona Sul à Baixada
Para ajudar a vida da sociedade diante do coronavírus, não é necessário ser cientista. Em alguns casos, basta ter uma impressoa 3D. Desde a última semana, a Casa Firjan, em Botafogo, se tornou polo de recepção e distribuição das faceshields, protetores faciais utilizados pelos profissionais de saúde envolvidos no combate ao coronavírus. Em diversos pontos da capital e também da Baixada Fluminense.
Segundo a gerente de conteúdo do espaço, Maria Isabel Oschery, o protótipo dos EPIs é um arquivo open source (código aberto) ou seja, está disponível para que qualquer pessoa da comunidade maker se apropriem e ajude a produzir peças para os equipamentos. A instituição inclusive, se compromete em retirar na casa da pessoa em toda a cidade e Baixada Fluminense.
Com três membros da família na área da saúde, o engenheiro Bernardo Brenande, de 33 anos, achou que era uma questão de cidadania utilizar sua impressora 3D para ajudar profissionais que estão na linha de frente contra o coronavírus nos hospitais. Há duas semanas ele passou a confeccionar a peça “headband”, o suporte para a cabeça das faceshields.
Ele conta que a produção é possível graças ao código aberto disponível na internet. Ao todo, Brenande, morador da Barra da Tijuca, já produziu 60 estruturas, grande parte delas enviadas para o coletivo SOS3D COVID19 que fará a entrega para a rede estadual de saúde.
— Cheguei a imprimir três modelos até a versão final que estão usando aqui no Rio. Dei para o meu irmão que é médico testar e ele gostou. Acho que essa ajuda é o mínimo que eu poderia fazer para ajudar quem está lá ajudando a gente – diz ele, que utiliza como material o filamento PLA na produção caseira.
Com duas impressoras 3D em casa — utilizadas até então para realizar protótipos e maquetes —, o arquiteto Julio Bentes, de 42 anos, passou a dar aos equipamentos uma nova função nestes tempos de pandemia. Ao todo, já foram produzidos 37 aros para máscaras faceshields.
— Já que falta material EPI, falta tanta coisa, cada um tem que ver a forma e os recursos que têm para colaborar. O mais difícil é ter a impressora em casa. Enquanto eu tiver matéria prima para fazer, eu vou continuar — diz Bentes, que está de olho em novas peças para produzir. — Vi que a USP e a Coppe tão com projetos para produzir respiradores de baixo custo e que a carcaça seria impressa em 3D. Vou ficar atento se tem como eu produzir pois uma de minhas impressoras trabalha com materiais com maior resitência, tanto a choque quanto calor.
Tecnologia no combate ao coronavírus
Um dos exemplos cariocas que atenderam ao movimento é a startup Caren.app, voltada para soluções de telemedicina e triagem online. Com a disseminação do coronavírus pelo Brasil, a equipe investiu em um serviço totalmente gratuito, disponível para a população no site: coronavirus.caren.app. Lá, pessoas com sintomas gripais, em dúvida quanto à possibilidade de estar ou não com Covid-19, podem obter mais informações sobre a doença.
— A solução que fizemos pensando na crise do coronavírus foi automatizar protocolos de saúde. O usuário acessa uma área do site e vai respondendo perguntas. Nesse processo, o sistema faz uma avaliação e dá um resultado que tem como base o boletim epidemiológico 5, do Ministério da Saúde — detalha Thiago Bonfim, CEO da Caren.app.
Ao final do questionário, o usuário recebe uma entre três possíveis possibilidades de estar ou não com a Covi-19: casos descartados, casos possíveis e casos prováveis, este último, o mais assertivo deles todos.
Bonfim conta que o serviço vem fazendo sendo bem aceito. Segundo ele, no primeiro dia de funcionamento, das 14h à meia-noite, foram mais de 300 mil acessos. Hoje, já acumula 2 milhões de acessos.
O CEO no entanto, ressalta que o serviço não substitui uma avaliação médica:
— Não é um diagnóstico, mas é uma maneira da pessoa entender o real estado dela, se tranquilizar e buscar uma ajuda adequada.
Embora não gere receita com o produto de auto avaliação, a empresa afirma que a solução foi bem aceita na área médica e já mantém negociações para implementar versões do teste na rede pública de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
+ Thiago Ramos Dias: Segurança pública em tempos do COVID-19
Monitoramento na rua
Com sede na Zona Sul da cidade, a Cyberlabs, empresa de inteligência artificial, já realizava um videomonitoramento para clientes como academias, lojas e shoppings antes da chegada do coronavírus ao Rio. Com dados que mostram quantas pessoas circulam por determinado local, as empresas parcerias podem tomar decisões estratégicas, como otimizar a equipe operacional, por exemplo. No entanto, com o consequente isolamento social, os dados obtidos pela empresa mudaram por completo, uma vez que a circulação de pessoas pelas ruas caiu drasticamente. Foi aí, com os dados da nova realidade das ruas em mãos, que a empresa percebeu que poderia colaborar na crise.
— Vimos que tínhamos um instrumento na mão para auxiliar as prefeituras. O que a gente fez em pouco tempo, foi dar uma guinada na ótica do nosso produto para um novo contexto, muito rapidamente. Começamos a produzir esses dados e disponibilizar para o poder público tomar as medidas necessárias — explica Felipe Vignoli, sócio fundador da empresa, detalhando o processo. — A gente coloca o percentual de queda em ralação ao dia normal, com a média histórica que tínhamos até o dia 4 de março, antes de haver a conscientização do isolamento social no Rio.
Vignoli procura deixar claro que as informações disponibilizadas pela empresa sobre o movimento de pessoas nas ruas não deve ser vista como uma informação oficial do governo. — Estamos trabalhando em parceria para ajudar na tomada de decisão dos órgãos oficiais. A gente vem trabalhando para entregar informações no sentido de conscientização da população.
Fonte: “O Globo”