Enquanto a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, esperava uma sinalização do avanço das reformas pelo Congresso antes de propor medidas para atenuar os efeitos econômicos do coronavírus, senadores e deputados derrubaram ontem um veto do presidente Jair Bolsonaro cujo impacto aos cofres públicos será de R$ 20 bilhões só neste ano. A decisão dos parlamentares foi entendida como uma retaliação ao governo na tensão política criada em torno do Orçamento.
A decisão do Congresso amplia o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) — que representa um salário mínimo pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lamentou o resultado e disse que trabalhou para a manutenção do veto.
— Acho que foi uma uma sinalização equivocada. É claro que todos querem melhorar o valor do BPC, do Bolsa Família, os investimentos sociais no Brasil. Agora, o Orçamento é um só — afirmou Maia, acrescentando: — Na hora em que você toma a decisão de criar despesa de um lado, tem que entender que pode, inclusive, estar correndo o risco de ter um espaço menor para conseguir mais recursos para o enfrentamento ao coronavírus.
Na noite de ontem, a equipe econômica se reuniu com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, os presidentes das duas Casas do Congresso e parlamentares para discutir como viabilizar recursos par a enfrentar a pandemia.
Na reunião, Guedes defendeu o entendimento com o Congresso:
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— Temos que trabalhar juntos. A luta política existe. Mas a saúde do povo brasileiro está acima da luta política. Chegou o momento que não dá pra brigar. Agora é um problema de saúde pública e de impacto econômico — disse o ministro.
Na Economia, porém, os técnicos já discutem, inclusive, uma saída jurídica para tentar barrar a mudança no BPC a fim de evitar a asfixia de recursos. Isso poderia ser feito no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Tribunal de Contas da União (TCU), por causa dos impactos nas contas públicas. Mas ainda não há decisão tomada.
O projeto eleva o limite de renda familiar per capita para fins de concessão do BPC de um quarto do salário mínimo (R$ 261,25) para meio salário mínimo (R$ 522,50). Hoje, o piso nacional é de R$ 1.045. O projeto foi protocolado em 1997 pelo então senador Cacildo Malda, aprovado no fim do ano passado e vetado por Bolsonaro. O veto agora caiu, e a nova regra passará a valer assim que o texto foi promulgado pelo Congresso.
R$ 210 bilhões em dez anos
O governo estima um impacto de R$ 217 bilhões em uma década com a derrubada do veto, sendo R$ 20 bilhões apenas neste ano. O veto foi derrubado pelos senadores por 45 votos a 14 e, em seguida, pelos deputados por 302 votos a 136.
Um outro efeito que preocupa integrantes do governo é a situação das filas de espera junto ao INSS, segundo uma fonte da Economia. Isso deve ocorrer por causa do aumento de pessoas com acesso ao benefício, que terão que ir ao INSS solicitar o direito.
O acúmulo de requerimentos de benefícios do INSS formou uma fila desde o início do ano passado. Hoje, há 1,9 milhão de pedidos aguardando uma decisão, dos quais 1,3 milhão em análise há mais de 45 dias (prazo legal para o INSS se pronunciar). A área econômica não tem uma estimativa exata de quantos pedidos poderiam engrossar essa fila com a derrubada do veto do BPC.
A derrubada do veto ocorreu enquanto a equipe econômica esperava a sinalização de um avanço das reformas já propostas pelo governo no Congresso e a redução da tensão entre Legislativo e Palácio do Planalto, criada em razão do Orçamento, antes de propor ações de estímulo à economia, segundo fontes.
Para mitigar o efeito econômico da crise do coronavírus, estão em estudo, por exemplo, ações para micro e pequenas empresas que, segundo uma fonte, têm potencial de contribuir com o crescimento da economia. O ministério evita falar em qualquer detalhe que esteja sendo avaliado.
Segundo um interlocutor de Guedes, porém, ainda é cedo para anunciar medidas voltadas para as empresas. O diagnóstico é que os impactos na economia real, ou seja, no dia a dia das companhias, seguem limitados — apesar da redução na oferta de insumos causada pela desaceleração na China.
O foco permanece na aprovação de reformas estruturais e no avanço de ações legislativas que possam aumentar investimentos. Mas a avaliação é que só com a situação política mais tranquila será possível avançar em medidas concretas contra a crise. Fontes do governo avaliam que o bom andamento das reformas já seria suficiente para o governo lançar mão de medidas que estimulem a economia. O que poderá ser feito ainda é incerto. Os técnicos garantem que os incentivos em estudo não terão impacto fiscal.
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Crescimento menor do PIB
Guedes negocia com o Congresso uma solução para avançar o andamento das reformas, como a que autoriza cortes no funcionalismo como forma de ajustar as contas públicas, prevista na proposta de emenda constitucional (PEC) Emergencial. A medida é considerada a principal arma da equipe econômica para abrir espaço fiscal suficiente para adotar medidas de estímulo à economia, diante da crise econômica global.
O ministro e o relator da proposta, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), acertaram alterações no texto. Segundo o parlamentar, já está definido, por exemplo, que saúde, segurança e educação serão blindados dos cortes salariais. A proposta autoriza União, estados e municípios a reduzir em até 25% salários de servidores públicos, com corte proporcional na jornada de trabalho.
— Estão fazendo um terrorismo, dizendo que vão cortar escolas, saúde, não vamos fazer nada disso — afirmou Guimarães.
Ontem, o Ministério da Economia cortou a previsão de crescimento do PIB neste ano de 2,4% para 2,1%.
Na terça-feira, Guedes enviou ao Congresso ofício em que pede votação rápida de 16 projetos de interesse da pasta e de PECs, e cita as reformas administrativa e tributária, que ainda não foram apresentadas pelo governo. O documento causou mal-estar no governo e pegou ministros de surpresa. Guedes não consultou colegas e atropelou a área política, disse uma fonte. Além disso, ministros questionaram o fato de Guedes mandar um ofício para presidentes das Casas.
Fonte: “O Globo”