A Câmara dos Deputados já discute uma proposta de reforma tributária, mas o governo federal deve apresentar um projeto próprio, que incluiria um imposto sobre pagamentos, semelhante à CPMF, extinta em 2007. Para o ministro da Economia Paulo Guedes, a CPMF poderia substituir a contribuição previdenciária paga pelas empresas, que representa 20% das folhas de pagamentos e seria uma das principais causas do desemprego.
O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, já afirmou que o imposto – que será chamado de Contribuição sobre Pagamentos (CP) e será proposto para compensar a desoneração da folha de pagamentos – é “da mesma espécie” da extinta CPMF. O presidente Jair Bolsonaro, porém, nega que a contribuição será recriada.
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), também conhecida como imposto do cheque, foi um tributo cobrado sobre vários tipos de transações, desde saques de dinheiro e emissão de cheques até pagamento de boletos bancários. A arrecadação total da CPMF ultrapassou os R$ 220 bilhões entre 1996 e 2007.
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O imposto era cobrado diretamente pelos bancos e administradoras de cartão no momento da operação. Saiba mais sobre como funcionou a CPMF e quais podem ser as consequências de uma possível volta do tributo:
História da CPMF
O protótipo da CPMF foi criado em 1994 durante o governo de Itamar Franco e o tributo vigorou por apenas um ano. A CPMF como ela é conhecida foi criada em 1996 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, para arcar com gastos e investimentos em saúde. Ela incidia em todos os tipos de operação financeiras e movimentações monetárias, com exceção de:
– transferências entre contas correntes de mesma titularidade;
– negociações de ações na Bolsa;
– saques de aposentadorias;
– seguro-desemprego;
– salários.
De acordo como doutor em História Econômica e professor do Insper Vinícius Müller, inicialmente o imposto não sofreu grandes represálias. “Saúde sempre parece um tema nobre, portanto a sociedade tende a aceitar um pouco melhor”, afirma.
O problema começou, segundo Müller, quando a alíquota da CPMF passou de 0,2% para 0,38% por operação, ou seja, quase dobrou. Além disso, o tributo de caráter extraordinário foi ampliado e passou a compor regularmente o orçamento do governo. “A CPMF foi flexibilizada para outros setores, então no fundo era para cobrir um rombo fiscal do Estado. Isso fez dela muito impopular, tanto na sociedade quanto no Congresso Nacional”, explica.
Tanto que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já disse que o Congresso Nacional não vai retomar a CPFM em “hipótese alguma” durante as discussões da reforma tributária.
Mesmo com o descontentamento, a trajetória da CPMF foi longa. A cobrança do tributo foi prorrogada várias vezes e só foi suspensa pelo Congresso em 2007, o que foi considerado uma derrota política do governo Lula.
O assunto foi retomado pela última vez em 2015, no auge da crise econômica do País. A então presidente Dilma Rousseff chegou a incluir a receita estimada com a CPMF nos cálculos de receitas da Lei Orçamentária Anual (LOA), mas o Congresso não autorizou o retorno da contribuição.
Críticas à CPMF
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já se manifestou contrária a impostos como a CPMF, por considerar que tributar a circulação desestimula as empresas a atuarem e, com isso, freia a economia. Para a OCDE, esse é o segundo pior tipo de tributo, perdendo apenas para o Imposto de Renda.
Parte dos tributaristas brasileiros também tem ressalvas quanto à efetividade da CPMF e à forma com que a contribuição incide nas transações. De acordo com o advogado tributarista Leandro Schuch, a cobrança de uma alíquota única não é o ideal. “O imposto tem um potencial muito cruel, principalmente para aqueles das camadas mais pobres, porque não respeita o princípio da capacidade contributiva, ou seja, cada um pagar aquilo com que pode contribuir”, explica.
Além disso, para Schuch, a longo prazo a CPMF acaba incentivando a informalidade dos micro e pequenos empresários e o abandono gradativo dos serviços financeiros. “Nós caminhávamos para uma maior formalidade e tivemos um retrocesso, o que implica também no acesso ao mercado bancário”, afirma.
O professor Vinícius Müller concorda que a desbancarização da economia é uma possibilidade. “Esse imposto muito longevo tende a fazer com que as pessoas comecem a usar dinheiro, diminui o vigor do mercado financeiro e isso é ruim pra todo mundo”, explica.
Outra possível consequência, de acordo com Schuch, é o encarecimento de produtos de alto valor agregado, já que o imposto incide em todas as etapas da cadeia produtiva. Com isso, parte dos custos poderia ser repassado sucessivamente, gerando inflação. “Essas empresas terão que pagar várias vezes essa taxa, na captação de recursos, no capital de giro, e tendem a repassar isso pro consumidor. Mas claro que não vão repassar tudo, vão tentar trocar a mão de obra por um trabalhador mais barato, tendem a buscar algum tipo de compensação”, explica Vinícius Müller.
Vai ter volta da CPMF?
A volta da CPMF frequentemente é discutida em momentos de dificuldade econômica no Brasil. Em meio ao rombo das contas públicas, acarretado principalmente pelo déficit da Previdência alegado pelo governo federal, a reestruturação tributária é discutida pela área econômica do governo Bolsonaro.
A equipe estuda a criação da Contribuição sobre Pagamentos. O secretário Marcos Cintra garante que não se trata de uma volta da CPMF. Segundo ele, a CP é do “mesmo gênero, mas muito diferente” do antigo imposto.
Para especialistas da área, porém, o novo tributo tem efeitos semelhantes. Leandro Schuch explica que a CPMF e a CP fazem parte de um guarda-chuva comum. “As tributações financeiras formam um grande grupo que abrange esses impostos. O que nós temos aqui é realmente algo análogo à CPMF”, defende.
“Quando a gente olha tem a mesma natureza, é sobre movimentação financeira, e tem uma série de efeitos colaterais além desses possíveis ganhos”, corrobora Vinícius Müller.
De acordo com a análise de Müller, a CPMF não tem grande perspectiva de retorno. “Essa questão é um vespeiro político e social, a tendência é que não passe. O Rodrigo Maia foi muito eloquente dias atrás sobre não discutir isso, está se posicionando fortemente e há essa rejeição muito grande”, defende.
O que pode ser feito em uma reforma tributária
Müller afirma que a simplificação tributária, incluindo a possibilidade de criação de impostos únicos, sempre foi uma pauta defendida por Marcos Cintra.
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De acordo com o especialista, a proposta tem vantagens. “Seria muito menos burocrático e mais fácil coibir a fraude. Sabemos que o código tributário brasileiro é muito complexo, as pessoas não entendem como pagam muitos impostos e isso custa muito”, afirma.
Leandro Schuch também defende uma reestruturação do sistema tributário brasileiro, com maior foco em repassar os recursos hoje concentrados no governo federal. “Uma das maiores resistências à Reforma Tributária vem dos governantes dos Estados e dos municípios, com receio da perda de arrecadação. Então é importante criar um modelo em que se possa previamente criar ajustes nesses casos”, explica.
Fonte: “Estadão”