O crescimento da economia global desacelerou em 2019 para a taxa mais baixa desde a crise financeira de 2008 e 2009 e as perspectivas para 2020 dependem de um cenário com menos incertezas e disputas comerciais. É o que alerta o World Economic Situation and Prospects, estudo anual produzido pela Organização das Nações Unidas. O relatório, divulgado nesta quinta-feira, aponta que a atividade econômica mundial cresceu 2,3% no ano passado.
A ONU afirma que as já modestas projeções de crescimento econômico global para 2020 (de 2,5%) e 2021 (2,7%) podem ser prejudicadas com a irrupção de novas guerras comerciais, de turbulências financeiras ou com a escalada de tensões geopolíticas. A cada 5 países, 1 verá a renda per capita estagnada ou em declínio em 2020.
O mau resultado de 2019 foi reflexo de “incerteza política generalizada” e de prolongadas disputas comerciais com impacto nas cadeias globais de comércio. O crescimento do comércio mundial, que em 2018 chegou a 3,9%, despencou para 0,3% no ano passado. Para 2020, a previsão da ONU é de que o comércio suba 2,3%.
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Os riscos globais estão inclinados para o lado negativo, em meio ao aprofundamento de polarizações políticas e do maior ceticismo sobre os benefícios do multilateralismo. “Esses riscos podem causar danos graves e duradouros nas perspectivas de desenvolvimento e ameaçam incentivar as políticas voltadas para dentro, em um momento em que a cooperação global é fundamental”, afirma o secretário geral da ONU, António Guterres. Em um cenário negativo, o crescimento econômico de 2020 poderia desacelerar para 1,8%.
Washington e Pequim deram ontem importante sinal de trégua na disputa comercial que abalou o fluxo de comércio global, com a assinatura da chamada “fase 1” de um acordo comercial que põe fim à escalada de tarifas impostas pelas duas potências. Parte dos detalhes, no entanto, não foi divulgada e analistas seguem cautelosos em comemorar o fim da batalha comercial entre os dois países.
Mas não só as disputas comerciais levam os riscos para cima e puxam o crescimento global para baixo. Além do pressuposto de que tarifas comerciais entre as duas maiores potências não vão viver uma nova escalada, a ONU também inclui na projeção para 2020 previsões de que o Brexit seja concluído com uma “estrutura transparente” de relacionamento com a União Europeia e com os EUA, de que atritos geopolíticos não aumentem, e de que riscos para a estabilidade financeira fiquem contidos. Mesmo um pequeno desvio em um desses pressupostos poderia desacelerar ainda mais o crescimento global em 2020 e qualquer eventos negativo tem potencial de agravar a situação dos demais pressupostos, segundo o relatório.
A ONU se preocupa também com os altos níveis de dívida dos países – que pressupõem maior fragilidade e risco financeiro – e com o exaurimento de políticas monetárias como estímulo para reativar a economia. Segundo a organização, os países precisam adotar uma política balanceada, que estimule o crescimento econômico ao passo em que também promova inclusão social, equidade de gênero e uma produção ambientalmente sustentável.
A avaliação da ONU é de que as políticas monetárias foram insuficientes para estimular investimento diante da falta de confiança nos negócios. “Muitos investidores estão mais dispostos a suportar pequenas perdas do que a realizar investimentos produtivos, indicando uma visão muito pessimista sobre o crescimento econômico futuro”, informa a ONU.
Segundo o relatório, 85% de todas as mudanças em política monetária no ano passado foram na contramão de políticas restritivas, marcando a maior mudança global desde a crise financeira. O Federal Reserve (FED, o banco central dos EUA) cortou os juros americanos três vezes em 2019. A sinalização do banco é de que irá manter as taxas inalteradas em 2020. O BCE fez o mesmo movimento.
Para além do PIB, diz a ONU, outras áreas representam um cenário mais sombrio: as mudanças climáticas, a alta e persistente desigualdade e os crescentes níveis de insegurança alimentar. “Os formuladores de políticas devem ir além do foco limitado na mera promoção de crescimento do PIB e, em vez disso, buscar a melhora de bem-estar da sociedade. Isso demanda priorizar investimentos em desenvolvimento sustentável, para promover educação, energias renováveis e construção de infraestrutura resiliente”, afirma Elliott Harris, economista chefe e secretário-geral adjunto para o desenvolvimento econômico da ONU.
A urgência da transição energética para conter as mudanças climáticas é enfatizada no relatório. A organização diz que o crescimento da demanda energética precisa estar alinhada com fontes de energia renováveis e de baixo carbono. “A urgência da transição energética continua subestimada, resultando em decisões míopes, como expansão do investimento em exploração de petróleo e gás e geração de energia a carvão”, critica a ONU no relatório.
O caminho, segundo a organização, é complementar políticas domésticas, cada vez mais, com uma cooperação internacional eficiente – especialmente em áreas como comércio internacional, finanças e mudanças climáticas.
Região
A média de crescimento do PIB per capita de países em desenvolvimento dependentes de commodities, caso do Brasil, caiu de 2,9% por ano no período de 2010 a 2014 para 0,5% entre 2015 e 2019. Nas projeções do relatório, o PIB estimado para o Brasil em 2020 é de 1,7% e de 2,3% em 2021.
Na América Latina e no Caribe, a perspectiva é de uma recuperação “lenta e desigual”, com o crescimento regional saindo de 0,1% em 2019 para 1,3% em 2020 e 2,0% em 2021%. O Brasil é colocado ao lado de México, Índia, Rússia e Turquia como economias de nações emergentes que devem ganhar força neste ano.
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A ONU avalia que o corte nas taxas de juros pelo FED dá algum apoio à atividade econômica nos EUA, mas a persistente incerteza política, fraca confiança nos negócios e a possível diminuição do estímulo fiscal fazem com que a previsão de crescimento dos EUA passe para 1,7% em 2020, ante 2,2% em 2019.
A projeção para União Europeia é de crescimento modesto do PIB em 2020 e 2021, de 1,6% e 1,7% respectivamente. O Leste Asiático continua como a região com crescimento econômico mais rápido e a que mais contribui para o crescimento global. Na China, o crescimento deve passar de 6,1% em 2019 para 6,0% em 2020 e 5,9% em 2021.
O crescimento do PIB para a África é projetado para crescer de 2,9% em 2019 para 3,2% em 2020 – insuficiente para um progresso significativo rumo ao desenvolvimento sustentável. Para erradicar a pobreza na África em 2030, o PIB per capita precisaria registrar um crescimento de mais de 8% por ano, muito maior do que o crescimento de 0,5% anual registrado na última década.
Fonte: “Estadão”