Os jovens brasileiros têm à frente uma barreira assustadora para a entrada do mercado de trabalho. O país ganhou mais 1,2 milhão de novos desempregados nos três primeiros meses do ano.
Esse número engordou o contingente de mais de 28 milhões de pessoas que ou estão desempregadas, ou trabalhando menos do que gostariam ou que desistiram de procurar.
“Estou procurando há dois anos, não acho serviço”, conta a estudante de ensino médio Ana Karolina dos Santos Ferreira, de 17 anos. Ela e a irmã, um ano mais velha e já formada no colégio, já baixaram suas exigências: “Aceitamos o que vier”, diz.
Até agora, porém, nem para entrevistas são chamadas. “Já perdi a conta de quantos currículos enviei”.
Ana Karolina faz parte do contingente de mais de um milhão de jovens de 14 a 17 anos que querem trabalhar, mas não conseguem. A taxa de desemprego nesse grupo chegou a 44,5% no primeiro trimestre do ano — a maior entre todas as faixas etárias.
Para a faixa etária seguinte, de 18 a 24 anos, a taxa de desemprego chegou a 27,3%, a segunda maior. No mesmo período, a taxa de desocupação geral ficou em 12,7%.
Chrisllan Buré, de 22 anos, se forma no fim do ano em Engenharia química pela Universidade de Guarulhos (UnG), e está desde novembro tentando se recolocar no mercado.
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“Eu era assistente de controle de qualidade de uma indústria farmacêutica, mas acabei sendo cortado por eu ser o mais fora da área”, conta.
Buré começou como jovem aprendiz na companhia, até ser promovido a assistente de controle de qualidade. No total, ficou um ano e meio na empresa. “Estou tentando demais. Já tento qualquer coisa”.
O estudante conta ainda que grande parte de seus colegas da faculdade passam pela mesma situação. “Quem tinha emprego, está perdendo”.
Onde o jovem perde
O desafio do primeiro emprego se soma ao da crise econômica, tornando os jovens especialmente vulneráveis no mercado de trabalho, destaca Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).
“Eles têm menos experiência, menos preparo, menos educação e, por isso, menos empregabilidade em relação a um adulto”, afirma.
“Outro problema é o ‘azar’, digamos assim, dessa geração. É a de maior quantidade de jovens de 18 a 30 anos que já existiu no Brasil, o que faz com que a competição entre eles seja muito maior”, ressalta Duque.
Em um cenário competitivo, ganha espaço quem tem mais bagagem. “Justamente na idade que ele poderia mais produzir, que mais precisa de recursos para construir vida, família e carreira, o jovem não tem emprego”, lamenta Paulo Roberto Feldmann, professor de economia da USP.
Diante do cenário, o jovem acaba tendo duas opções, segundo Roberto Ivo, economista e professor da Escola Politécnica da UFRJ: “ou o jovem atrasa a entrada no mercado de trabalho para se qualificar melhor até que o período mais crítico passe ou, como é mais comum, acaba desistindo de entrar, virando um desalentado. Esse é o pior cenário”, diz.
O contingente de desalentados no Brasil, formado por pessoas que desistiram de procurar emprego por acharem que não há mais vagas, chega a 5 milhões, um recorde histórico.
Leonardo Chaves Luciano tem 22 anos e está há três procurando um emprego. “Sinto que há poucas vagas e o fato de eu não ter experiencia pesa muito”, conta.
Ele precisou parar a faculdade de análise e desenvolvimento de sistemas no quarto semestre por falta de recursos e disse que manda pelo menos um currículo por mês.
Praticamente um em cada quatro jovens no Brasil não estuda nem trabalha, segundo dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad contínua) sobre educação.
O porcentual é ainda mais alto na faixa etária que vai dos 18 aos 24 anos, idade em que, teoricamente, deveriam estar na universidade, chegando a 27,7%.
Cicatrizes
A fraqueza da recuperação econômica deixa cicatrizes ao longo do tempo, já que as pessoas ficam menos empregáveis e o país assiste a uma depreciação do seu capital humano.
“Uma pessoa tem um número x de capacidades para acumular ao longo da sua vida produtiva. Se ela não as desenvolve, acaba se tornando menos útil às empresas e ao setor produtivo”, explica Daniel Duque.
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Outra cicatriz importante para o país pode ter relação com a receita previdenciária. “Se não resolver a situação desses jovens, não há reforma da Previdência que resolva a situação fiscal do país. Quem vai contribuir no futuro?”, alerta Feldmann.
“Emprego não cai do céu. O governo comete um grande erro ao esperar que a reforma previdenciária, quando aprovada, resolverá esse cenário”, diz ele.
Tem aumento a pressão para que o governo apresente uma agenda mais pró-ativa de apoio ao crescimento além das medidas de sustentabilidade fiscal. No entanto, mesmo se o crescimento se acelerar a taxa de desemprego não deve cair tão cedo.
“O mercado de trabalho é o último a dar a resposta, ele vem a reboque de toda a economia. Com os investimentos engessados, uma melhora viria, nos cenários mais otimistas, só em 2021”, diz Roberto Ivo.
Fonte: “EXAME”