Com a falta de dinamismo econômico e o envelhecimento da população, em muitos municípios os recursos pagos pelo INSS têm adquirido uma importância cada vez maior.
Cruzamento feito pelo GLOBO com base em dados da Secretaria da Previdência e do IBGE, aponta que, em 2017, último ano disponível, os benefícios de seguridade representavam mais de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) em 693 municípios. Trata-se do maior patamar da série histórica, iniciada em 2002. Naquele ano, havia 349 cidades nessa situação.
Os números indicam que, apesar de a economia brasileira ter avançado nas últimas décadas, esse crescimento não ocorreu de maneira homogênea no país. Em 2010, quando o PIB registrou alta de 7%, os benefícios pagos pelo INSS — como aposentadorias, pensões, auxílio-doença e BPC/Loas, pago a idosos e deficientes de baixa renda — representaram mais de um quarto de tudo o que foi produzido em 487 municípios. Em 2014, quando o país praticamente não cresceu, eram 500 nessa situação.
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Para especialistas, o fenômeno possui elementos sazonais, como a crise econômica que derrubou em mais de 6% o PIB entre 2015 e 2016, mas também estruturais.
A mudança da pirâmide etária, razão da expansão dos benefícios previdenciários nos últimos anos, também contribui. Em 2017, o INSS beneficiou, de modo direto e indireto, 120,5 milhões de pessoas, com o pagamento de 34,5 milhões de aposentadorias.
‘Não é sazonal, é tendência’
Com uma expansão maior que a de outros recursos, os benefícios do INSS têm ganhado cada vez mais protagonismo no consumo das famílias, um dos pilares do PIB, e também na redução de desigualdades. Em 2017, em 4.101 das 5.570 cidades brasileiras, o volume de pagamento de benefícios previdenciários já superava o de transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que repassa valores de impostos aos cofres locais.
— Não é apenas uma questão sazonal, é uma tendência. Nesses municípios não são oferecidos empregos de qualidade, não há indústria ou serviços de ponta, e os empregos são precários — explica Álvaro Sólon, autor do livro “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”.
Em 2010, os benefícios previdenciários correspondiam a 6,3% de tudo o que é produzido no país. Em 2018, já equivaliam a 8%. Um processo em constante evolução, alheio ao ciclo econômico.
A dependência do INSS está concentrada nas cidades com até 50 mil habitantes, cuja principal atividade econômica é a administração pública, e está majoritariamente no Nordeste. No entanto, cidades com mais de 100 mil habitantes no Sudeste já fazem parte da lista. Entre elas estão Nilópolis, na Região Metropolitana do Rio, e Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais.
Em muitos casos, a dependência em relação aos benefícios passa dos 70% — caso de Paulistana, no Piauí, onde a Previdência responde por 71% da economia local. Em Condeúba, cidade no interior da Bahia com 17 mil habitantes, a proporção é de 68%.
Segundo o prefeito de Condeúba, Silvan Baleeiro (MDB), os recursos previdenciários acabam sendo uma das principais forças da cidade, que não pode contar com agricultura, devido à seca, nem com indústrias, por causa da logística precária.
— A aposentadoria é um dos recursos que a cidade tem para continuar de pé. Garante comércio, empregos, comerciantes contratam pessoas. É a subsistência de muita gente — afirma.
Essa dependência faz com que os municípios fiquem cada vez mais reféns de repasses para que a economia funcione. Por isso, a demora na análise dos pedidos de 2,02 milhões de segurados, para dar entrada na aposentadoria ou outros benefícios, já impacta negativamente a economia municipal.
— Se impacta a vida dele (cidadão), impacta a economia do Brasil. Ele recebe o benefício e vai usar em compras, abastecer o veículo, reformar a casa. Tudo isso impacta o comércio local — ressalta Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Informalidade preocupa
Entre os gestores municipais também há a preocupação dos efeitos futuros da diminuição do número de contribuintes na Previdência. Desde 2016, segundo dados do IBGE, o país vem apresentando queda na proporção da população ocupada que contribui para o INSS, por conta do avanço da informalidade. Em 2019, 37% dos trabalhadores não contribuíam para o sistema. Trata-se do menor patamar desde 2013. E, sem contribuir, o trabalhador ou terá de depender do BPC, ou simplesmente não terá aposentadoria.
— É uma bomba-relógio que vai afetar as contas da Previdência e das cidades (com aumento dos serviços no futuro). Será um peso nas contas públicas duplo — alerta Sólon.
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Na avaliação de Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria, é necessário olhar o desenvolvimento regional como algo integrado, observando a vocação particular de cada área. Ele lembra que uma economia mais dinâmica gera empregos e novas formas de arrecadação tributária, o que reduz a dependência de transferências e repasses:
— É preciso olhar além dos limites municipais, olhar para regiões. Nessa análise um pouco mais ampla, vamos observar uma vocação mais econômica do que analisando separadamente.
Uma das alternativas discutidas na CNM é uma simplificação tributária, por meio do projeto de reforma que tramita no Congresso Nacional, para evitar a chamada guerra fiscal — quando há uma concorrência por descontos em impostos, especialmente o ICMS, para atrair investimentos.
— A reforma tributária, que ajuda no processo de desenvolvimento dos municípios, que é o desenvolvimento do Brasil, depende de criarmos um clima para que isso aconteça. É um processo que não é da noite pro dia, mas que precisa ser iniciado. É um primeiro passo — diz Aroldi.
Fonte: “O Globo”