Entidades que representam a elite do funcionalismo, como auditores fiscais, peritos e policiais federais e funcionários do Banco Central, da Controladoria-Geral da União e Advocacia-Geral da União preparam uma ofensiva contra a proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência. Já circulam minutas de pelo menos doze emendas à PEC, a serem encampadas por deputados identificados com estas corporações no momento em que o texto for à Comissão Especial, em maio. Um dos principais alvos dos sindicalistas é a progressividade da alíquota previdenciária, que atinge mais as faixas de renda mais altas.
As minutas trazem ainda sugestões de mudanças em outros pontos da PEC, como o regime de capitalização e separação entre ações de Previdência e de assistência social. O Ministério da Economia estima que a mudança das alíquotas para o funcionalismo – de 11% para até 22% – gere economia de R$ 29,3 bilhões em 10 anos. A reforma no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) tem potencial, segundo a pasta, para economizar R$ 173,5 bilhões do total do R$ 1,072 trilhão esperado com a PEC.
Considerando-se todos os regimes – RGPS, regime próprio (RPPS), funcionários do Distrito Federal e das Forças Armadas -, o déficit atingiu R$ 265,2 bilhões em 2018 e pode chegar a R$ 294,9 bilhões em 2019, segundo o Ministério da Economia. O déficit no Regime Próprio de Previdência Social, que engloba a elite do funcionalismo, foi de R$ 46,5 bilhões em 2018, resultado de uma despesa de R$ 79,9 bilhões contra receita de R$ 33,4 bilhões.
Também estão na mira dos servidores a desconstitucionalização de mudanças futuras na Previdência e a redução do valor de pensões por morte e por invalidez. Esse último ponto causa contrariedade especialmente entre as carreiras policiais. A categoria quer pensão integral.
Os servidores trabalham por uma regra de transição com pedágio de 17% do tempo que faltar para a aposentaria. Pela PEC, quem ingressou no funcionalismo até 31 de dezembro de 2003 precisa trabalhar até 65 anos (homens) ou 62 (mulheres) para ter direito à aposentadoria integral e com paridade. Quem entrou depois dessa data, pela PEC, tem de contribuir ao longo de 40 anos para receber ao se aposentar 80% da média de suas maiores contribuições.
Há um abismo entre as aposentadorias dos trabalhadores do setor privado e de servidores públicos, que são o alvo central da reforma em tramitação. Tanto que discurso utilizado pelo governo federal para convencer a sociedade sobre a necessidade da reforma é o de “combate a privilégios”. Hoje, por exemplo, o valor médio da aposentadoria pelo Regime Geral (RGPS) é de R$ 1.369,91, e o teto, de R$ 5.839,45. Já um servidor do Executivo se aposenta em média com R$ 8.477,59 e tem como teto o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de R$ 39,2 mil.
Apesar de lideranças do funcionalismo terem sido recebidas por autoridades da equipe econômica mais de uma vez, elas reclamam de falta de diálogo. “Parece que o servidor só existe para extorquir o Estado”, diz o auditor federal Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que representa mais de 200 mil servidores. Ele foi recebido no período de transição por parte da equipe econômica. “Pedimos razoabilidade, mas fomos ignorados”, afirma Marques. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio Boudens, também participou dessas reuniões: “Nenhum dos pontos foi ouvido na proposta apresentada pelo governo ao Congresso”, diz.
Quando foram ao gabinete de transição, eles tinham em mente a reforma do então presidente Michel Temer. Esperavam agir preventivamente em relação à proposta de Jair Bolsonaro. Mas a negociação não prosperou. “Era razoável esperar que não viria uma proposta pior do que a de Temer”, afirma Mauro Silva, diretor de Estudos Técnicos da Unafisco Nacional. “O texto foi enviado ainda mais duro.”
A reação contra a reforma parte justamente de um setor majoritariamente simpático ao presidente Jair Bolsonaro, que venceu as eleições de 2018 em todas as regiões do Distrito Federal no segundo turno, com 70% dos votos válidos.
Particularmente o discurso de valorização das carreiras policiais, de combate ao crime organizado e de fortalecimento da Lava-Jato atraíram o voto de delegados e peritos da PF. Em reunião recente do Fonacate, porém, a categoria expressou decepção com o governo que ajudou a eleger. Delegados e peritos sentiram-se preteridos diante da proposta de reestruturação das carreiras militares. Reclamaram do relator da reforma na CCJ, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), oriundo da PF. Freitas recomenda a aprovação da PEC na CCJ sem alterações.
O relacionamento dos sindicalistas com o governo começou a azedar quando foi editada em 1º de março a Medida Provisória nº 873. A MP vetou o desconto em folha da contribuição sindical. “A MP mostra a postura do governo de impedir que as entidades façam o debate político. É uma tentativa de nos asfixiar financeiramente”, diz Jordan Pereira, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do BC (Sinal).
Na tarde de 13 de março, o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal, Wagner Lenhart, recebeu em Brasília lideranças do funcionalismo para tratar da MP. À mesa, advogados públicos, auditores fiscais, peritos federais, entre outros. Três participantes da reunião disseram ao Valor que o secretário “apenas escutou”. “É um monólogo de um lado e de outro. Não há construção”, definiu um dos presentes.
Procurado, o secretário Wagner Lenhart se disse surpreso com a reclamação: “Ouvi as considerações. Expliquei que não era um ataque, mas resultado de uma diferente forma de enxergar as entidades sindicais. Nossa visão é que a relação entre representantes e representados deve ser privada, sem ingerência do Estado.” A MP foi questionada na Justiça e entidades obtiveram liminares para seguir descontando a contribuição. A questão será analisada pelo STF. Restou, ao governo Bolsonaro, o desgaste.
Fonte: “Valor Econômico”