Santa Catarina não tem o maior faturamento, o maior número de empresas ou o maior número de funcionários quando se fala no setor de tecnologia. Porém, acumula vitórias quando se analisam métricas mais eficientes. O estado apresenta a maior produtividade por empregado nas grandes empresas ou startups do setor, por exemplo. Os dados são do Tech Report 2019, elaborado pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) e divulgados antecipadamente a EXAME.
Uma série de fatores contribuem para essa produtividade — desde a tradição universitária até indicadores de qualidade de vida. Eles são vistos principalmente na capital, Florianópolis. A maior potência de inovação do estado está em segundo lugar quanto ao número de startups por habitante, atrás apenas da volumosa São Paulo. A região colecionou nos últimos anos casos de empresas escaláveis e inovadoras de reconhecimento internacional, das tradicionais Dígitro e SoftPlan às recentes Decora, Peixe Urbano e Resultados Digitais.
O plano, agora, é atrair ainda mais profissionais excelentes de tecnologia ao “colocar Florianópolis no mapa-múndi”, nas palavras de Daniel Leipnitz, presidente da Acate. A capital de Santa Catarina reúne uma série de eventos neste semana por meio do Floripa Conecta, espécie de versão catarinense do festival de cultura e inovação americano SXSW. Um deles é o Startup Summit, evento de inovação que reunirá certa de 4.000 participantes e no qual o Tech Report 2019 será divulgado hoje (15).
“O Floripa Conecta deve crescer e se tornar um produto anual de atração. É uma revolução recente e a sociedade começa a perceber esse ambiente de inovação como algo próximo a elas”, diz Leipnitz, que espera reflexos inclusive no restante do estado. Melhor para a produtividade de Santa Catarina.
O estado mais produtivo em tecnologia
O faturamento do setor de tecnologia representa 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Catarina, ou 15,8 bilhões de reais. No Brasil, o setor representa 4,4% do PIB e fatura 300 bilhões de reais.
Em termos absolutos, Santa Catarina é o sexto estado que mais contribui ao faturamento, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Em faturamento dividido por número de empresas, porém, Santa Catarina salta para a terceira posição. Perde apenas para Amazonas (com a Zona Franca de Manaus) e Distrito Federal (com grande demanda do setor público). Cada empresa catarinense fatura 1,4 milhão de reais em média anual.
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A relatividade também é vista no número de empresas. Santa Catarina acumulou 11.274 empresas no estado até o final de 2018, colocando-a também na sexta posição nacional. O número de empresas de tecnologia hoje em Santa Catarina representa o dobro do visto em 2014, porém.
Entre as cidades do estado, destacam-se os polos de Florianópolis (2.438), Joinville (1.473) e Blumenau (1.218), que concentram 45% das empresas do setor de tecnologia catarinense. Florianópolis é a segunda capital com maior densidade de startups (4,9 startups a cada mil habitantes), superada apenas pela cidade de São Paulo (5,4 startups a cada mil habitantes).
Em nenhum ponto a relatividade fala tão alto quanto na eficiência de cada funcionário em grandes empresas de tecnologia ou em startups. A produtividade das empresas catarinenses do setor de tecnologia é a maior dentre os seis principais polos de tecnologia do Brasil. São gerados 99 mil reais por trabalhador, enquanto a média nacional não supera a faixa de 72 mil reais.
Florianópolis é o primeiro município catarinense em ganhos por funcionário, com 113,9 mil reais. Blumenau fica em segundo, com 106,4 mil reais. Joinville completa o pódio, com 95 mil reais. Em São Paulo, para referência, o valor é de 76 mil reais. Enquanto o faturamento médio por funcionário de tecnologia no Brasil aumentou em apenas 2%, os valores para o estado de Santa Catarina aumentaram em um ritmo de 21%, inferior apenas ao do Rio de Janeiro.
De onde vem a produtividade?
Com 51,8 mil funcionários no setor de tecnologia, Santa Catarina é o quarto maior polo desse ramo no Brasil, atrás dos três estados mais populosos — São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Tais funcionários correspondem a 7,6% dos membros do setor de tecnologia no Brasil. São 23,5 membros do setor de tecnologia para cada mil trabalhadores formais de Santa Catarina, contra 14,5 na média nacional. A Grande Florianópolis concentra o maior número de empregos do setor (51,2%). Em 2018, o setor de tecnologia catarinense gerou três mil novas vagas de trabalho, lideradas por Florianópolis (1,2 mil vagas). Entre 2012 e 2018, foram 11 mil novos postos.
Um primeiro ponto que explica a produtividade é a capacitação de funcionários que anteriormente estudaram no estado. Santa Catarina é o segundo estado do Brasil com maior percentual de alunos do ensino superior em cursos voltados à tecnologia, atrás apenas de Minas Gerais. O estado tem 233 mil alunos de ensino superior, 44 mil (19%) em áreas de tecnologia.
Instituições como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), criada em 1960, formaram os primeiros profissionais a atuarem com tecnologia em empresas públicas, privadas e eventualmente nos seus próprios negócios. “Estar em Florianópolis nos ajudou porque nossos primeiros funcionários foram colegas de universidade e de trabalho, extremamente capacitados. Esses resultados atraíram gente de outras regiões e geraram uma variedade de soluções para problemas complexos”, afirma Marcelo Gracietti, presidente da Cheesecake Labs.
Outro ponto que atrai os funcionários em tecnologia mais produtivos a Florianópolis é a remuneração, superior. Tais vagas ofertam, em média, remunerações 55% acima da média estadual e em especialidades de trabalho diversificadas. O custo de vida também é maior do que a média estadual, mas reduzido em comparação a capitais como Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.
O dinheiro vale mais e a qualidade de vida também é superior a de tais capitais, verdade em Florianópolis e em outras regiões de Santa Catarina. “Uma pessoa mais feliz é mais produtiva e Florianópolis proporciona isso. As oportunidades de trabalho hoje que atraem inclusive pessoas de outros estados e países”, afirma Daniel Dias, vice presidente de operação da empresa de hospedagem HostGator.
É o caso do próprio cofundador da HostGator. Robledo Ribeiro mudou a sede brasileira do Rio de Janeiro para Florianópolis por volta de 2010. “Procurava um local com mais qualidade de vida e descobri um polo de tecnologia e formação de mão-de-obra, fomentado há décadas”, diz Ribeiro. A HostGator tem cerca de 300 funcionários em sua sede de 3.000 metros quadrados em Florianópolis — 20 deles são de países da América Latina e ideais para atender clientes em países como Chile, Colômbia e México. A empresa está montando um banco de dois mil currículos nos próximos três meses.
Os desafios de Santa Catarina
Mesmo assim, mão-de-obra qualificada ainda é um desafio em Florianópolis e no resto de estado diante da demanda das empresas de tecnologia. Diversos programas estão incentivando o desenvolvimento de profissionais da área. Na esfera pública há o Geração Tec, instituído pelo Governo do Estado/Secretaria do Desenvolvimento Econômico Sustentável para qualificar jovens e adultos no setor. “Temos de conectar o estudo ao trabalho, não apenas formar. Temos uma análise de competências pedidas por cada cidade e isso gera uma taxa de cerca de 70% de empregabilidade dos nossos cinco mil formados”, afirma Leipnitz. A Acate é uma das executoras do Geração Tec.
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Com a mesma bandeira na iniciativa privada há a startup Code:Nation, que reúne gigantes como Magazine Luiza e Movile para patrocinar uma formação de 10 semanas em tecnologia da informação a possíveis futuros contratados. Cerca de mil profissionais foram acelerados nos últimos dois anos. “As empresas de tecnologia crescem e a mão-de-obra não acompanha. Temos de colocar mais pessoas nesse mercado e impulsionar quem já tem a base lógica da programação”, afirma Krislaine Kuchenbecker, cofundadora da Code:Nation e trabalhando no setor de tecnologia desde 2011.
Além de formar, outro desafio é reter: a disputa pelos melhores ultrapassa inclusive fronteiras brasileiras, com recrutamento de trabalhadores de tecnologia para Estados Unidos e Europa. Na Cheesecake Labs, com 60% do seu portfólio de clientes sendo internacional, olhos sobre seus funcionários são esperados. “Colocar pufes pode atrair, mas não retém”, afirma Gracietti. “O bem-estar e a produtividade dos funcionários dependem não só de benefícios, mas de processos diários”. A Cheesecake Labs tem 55 funcionários e adota um equilíbrio entre autonomia e engajamento, com quatro equipes de oito a dez funcionários juniores a seniores.
A mistura entre aparecer e se sentir parte de um projeto maior por meio de pequenos times ágeis, chamados de squads, é adotada em gigantes de tecnologia como o serviço de streaming Spotify. E se vê cada vez mais na produtiva Ilha do Silício, com ecos pelo resto de Santa Catarina.
Fonte: “EXAME”