Na avaliação do português António Bernardo, presidente da consultoria alemã Roland Berger, as fintechs e os bancos digitais já estão fazendo pressão para as grandes instituições financeiras se tornarem mais eficientes. Para ele, daqui para frente, são essas startups que vão competir em crédito com o Banco do Brasil e Caixa, por exemplo. “Não vão competir na dimensão, mas em modelo. Vão conseguir ter custos muito mais baixos. Porque os bancos brasileiros não são eficientes.”
Segundo o executivo, que está há mais de seis anos à frente da consultoria, os spreads brasileiros (a diferença entre o custo de captação dos bancos e a taxa de juros cobrada dos clientes) são tão elevados, que compensam os custos altos. “Por isso, acredito que digitalização e as fintechs vão trazer uma pressão sobre os bancos para se tornarem mais eficientes. E, à medida que a taxa de juros cai, as fintechs começam ter capacidade de trazer custos mais baixos na ponta para o consumidor.”
Em entrevista ao Estado, ele também falou sobre o interesse dos investidores estrangeiros pelo Brasil e da necessidade de a iniciativa privada ser mais proativa para ganhar eficiência, investir em tecnologia e se internacionalizar. A seguir trechos da entrevista:
Como o sr. vê o avanço da nova economia no Brasil e o surgimento dos primeiros unicórnios?
O Brasil tem um grande potencial. Estamos envolvidos em várias instituições financeiras – umas grandes e tradicionais que querem se modernizar – e também startups. O cidadão brasileiro é muito tec. Mesmo classes com baixo poder econômico são muito orientadas para a tecnologia. Por isso, há potencial para rapidamente modernizar os modelos de negócios. Seguramente está tendo um impacto muito grande no sistema financeiro, embora as grandes instituições neguem. Mas são esses caras (as fintechs) que vão competir em crédito com o Banco do Brasil e com a Caixa. Não vão competir na dimensão, mas vão competir em modelo. Vão conseguir ter custos muito mais baixos. Porque os bancos brasileiros não são eficientes.
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Por quê?
Quando eu falo com os executivos dos maiores bancos e digo que há necessidade melhorar a eficiência, eles usam seus indicadores para me provar do contrário. Dizem que são mais eficientes que os bancos americanos e europeus. Esse raciocínio é verdade, em partes. Os spreads no Brasil são tão elevados e as receitas tão fortes que, embora os custos sejam altos, a relação custo/receita é favorável. Mas os bancos não são eficientes. Por isso, acredito que digitalização e as fintechs vão trazer uma pressão sobre os bancos para se tornarem mais eficientes. E a medida que a taxa de juros cai, as fintechs começam ter capacidade de trazer custos mais baixos na ponta para o consumidor. Vai crescer a pressão nos bancos para se tornarem mais eficientes, já que o spread vai ter de cair. É um grande desafio para as instituições financeiras se transformarem.
E como vão fazer isso?
Com a digitalização. Eventualmente, mais que concorrer com as fintechs é integrar esse know how das startups para desenvolver no próprio banco. Os grandes bancos terão realmente de se tornar mais eficientes. Quem vai contribuir com isso é a digitalização. E nesse caminho é natural que os bancos tenham de reduzir drasticamente o número de agências. Há três anos, dizíamos que os bancos iam reduzir 200 agências, reduziram 250 e vão reduzir mais ainda.
Na sua opinião, as fintechs serão incorporadas aos bancos?
Algumas vão fazer parcerias, ou serem adquiridas. O caso mais emblemático e o espanhol BBVA. O que ele fez? Comprou participação em fintechs e foi integrando tecnologias dentro do banco.
E não há risco de os grandes bancos acabarem impondo a cultura deles dentro das startups?
Não. Porque elas se mantém autônomas. Há aqui uma mudança grande e essa mudança é feita por novas tecnologias. Mas isso tem de ir para a indústria também.
Como está a visão do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?
Nos últimos meses, tivemos contato com muitos investidores internacionais, nos Estados Unidos, Europa e Ásia. E a visão que esses investidores têm é diferente daquela que temos aqui no Brasil. Sabemos que há questões políticas, mas eles estão mais preocupados mesmo é com os fundamentos da economia e com a visão de médio e longo prazo. Há interesse pelo País. Os investidores que já operam há mais tempo no Brasil, como Enel, Iberdrola e EDP, já anunciaram novos investimentos. Todos os meses chegam até a Roland Berger pedidos de investidores internacionais para analisar oportunidades de negócios e dar uma visão racional da economia. Vemos que há uma ideia positiva sobre o Brasil. Há mais de US$ 15 trilhões no mundo investidos com yield (retorno) negativo. Há muita liquidez no mundo e essa liquidez está olhando para retornos elevados. E, dentro dos emergentes, vemos o Brasil numa posição melhor. Mas é preciso acelerar as privatizações e as PPPs. Quando forem lançados haverá interesse de investidores.
Mas há ambiente para atrair esse investidor?
Aqui no Brasil colocamos todos os pesos no governo. Claro que ele tem de criar as condições necessárias para a expansão dos negócios, mas se quisermos ter um crescimento sustentável no tempo, o setor privado tem de começar a ser cobrado. Não podemos esperar só pelas medidas do governo. Sob o ponto de vista econômico, temos analisado de forma positiva as iniciativas. As ideias de abrir mais a economia são importantes. No Brasil, as importações e exportações representam 25% do PIB. No México e na Alemanha, esse porcentual é de 80%. A abertura da economia é importante porque traz novas tecnologias e obriga as empresas a se tornarem mais competitivas. Vemos que o governo quer ir para esse caminho. No curto prazo, indústrias menos produtivas vão sofrer. Mas, no longo prazo, isso vai criar competitividade. É verdade que gostaríamos que fosse mais rápido, mas o processo político de decisão é lento.
A indústria brasileira tem sofrido muito com a crise. Como investir com a elevada ociosidade?
O Brasil vai ter de entrar nas novas fases de inovação industrial. A indústria tem crescido pouco e não é possível um país como Brasil viver só de serviços. É preciso ter uma base industrial importante. Mas tem de estar na vanguarda dessa indústria. Tem de apostar na indústria 4.0, na digitalização e em novos modelos, como a mobilidade elétrica. Hoje o mundo e as grandes fabricantes de automóveis estão claramente voltadas para a mobilidade elétrica. O Brasil parece estar distante disso, ainda está pensando no assunto. Hoje uma questão importante das empresas automotivas deveria ser a questão elétrica. As empresas – e os empresários – têm de redefinir suas estratégias, melhorar sua eficiência, inovar mais e se internacionalizar. As reformas do governo são importantes, mas não bastam. Há empresas com potencial para crescer e melhorar sua produtividade. Mas vemos elas um pouco paradas. Está na hora das empresas começarem a contribuir mais.
A nova economia tem muito para ensinar para os setores mais tradicionais?
Acreditamos que mesmo empresas grandes podem inovar e aplicar essas tecnologias em setores tradicionais. Na nossa ótica, não há setores inovadores e setores tradicionais. Há setores que são inovadores embora sejam tradicionais e há setores novos que não são tão inovadores. É possível inovar em setores tradicionais.
O fato de o Brasil tem um mercado grande deixou as empresas acomodadas?
Acredito que sim. O mercado é enorme e protegido. Mas essa situação vai se alterar, pois o governo vai abrir mais a economia. E haverá mais concorrência. Não vemos a maior concorrência como risco, mas como oportunidade para se tornarem mais competitivas e criarem parcerias. Vemos poucas empresas brasileiras na América Latina. O Brasil deveria ter uma presença fortíssima na região. O País tem empresas – médias e grandes – muito boas, de nível mundial, mas precisam se internacionalizar, precisam sair para o mundo. A gente acha que a saída dessa fase mais lenta do crescimento faz com as reformas do governo, mas também com a maior proatividade do setor empresarial.
O sr. vê as empresas com essa visão?
Algumas têm esse pensamento. Mas é necessário criar uma consciência da situação. É importante que os diferentes stakeholders, governos e empresas, comecem a compartilhar dessa ideia, de que a economia não vai crescer muito se não for liderado pelo setor empresarial. Ainda não é suficiente, mas vejo algumas empresas repensando suas estratégias, onde serão mais eficientes, onde podem usar novas tecnologias. Mas ainda não são muitas. No setor de energia, há muita coisa interessante. Talvez porque sejam subsidiárias de empresas internacionais que já trazem esse paradigma de fora. Embora no setor de automóveis quase todas sejam internacionais, elas podiam avançar muito mais.
Que outros setores tem esse potencial?
O setor de construção. A Lava Jato abriu espaço para modernizar as empreiteiras e empresas de engenharia. Se quisermos ter um Brasil competitivo, será preciso investir R$ 500 bilhões por ano em infraestrutura nos próximos dez anos. Isso significa que o País precisará de grandes empresas de engenharia. Há possibilidade de as companhias médias – porque as grandes têm problemas – fazerem alianças com espanholas, portuguesas, francesas, alemãs para criar aqui uma base de engenharia mais competitiva, com métodos de trabalho mais avançados. As empresas precisam ter um papel mais importante. Mas vemos também a necessidade de fazer um up grade, de fazer uma melhoria na base industrial e de serviços. E essa melhoria tem de ser com investimentos em tecnologia, em capital. O Brasil tem de olhar não apenas para as indústrias tradicionais, mas tem de olhar para a vanguarda. O Brasil tem essa possibilidade. É preciso pensar grande, no nível do que se faz melhor no mundo. Não podemos ser um País fechado e protegido. As empresas têm de integrar as cadeias globais.
O sr. disse que investidores estrangeiros estão interessados no Brasil, mas por que não vieram ainda?
Os investidores que já atuam no mercado, que conhecem o Brasil, já anunciaram novos investimentos, a exemplo do setor elétrico. Já os investidores – ou fundos internacionais – que ainda não investiram aqui não é porque não acreditam no País. Na visão deles, os projetos de infraestrutura ainda não estão preparados para arrancar. Alguns desses projetos estão quase concluídos, mas falta que eles sejam apresentados e tenham consistência em termos de retorno do investimento. Essa é a questão principal. Quando o governo federal anunciou o programa de concessão de 12 aeroportos divididos em três blocos regionais – Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste – o leilão foi um sucesso. Vieram todos os investidores da área e proporcionaram mais de R$ 1 bilhão de reais. É esse modelo que a área econômica do governo deve preparar para apresentar ao mercado.
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Mas o megaleilão do pré-sal não atraiu investidores internacionais.
O que aconteceu em relação ao leilão do pré-sal, na minha opinião, não pode ser entendido como falta de interesse dos investidores globais em participar de novos projetos de concessões no Brasil. Foi uma situação específica, pois diversos fatores acabaram por fazer com que as empresas de petróleo decidissem não participar mais do leilão. As regras eram complexas e muitas empresas discordaram sobre a proposta depagar um prêmio à Petrobrás pelos investimentos já feitos na área. Havia uma ideia de que os preços iriam ser altos e as grandes multinacionais estão revisando os seus portfólios de investimento. Porém, isso não quer dizer que os investidores não estejam interessados no Brasil. Foi uma situação circunstancial. Não creio que possa ser um sinal de que os investidores em geral não estão interessados no Brasil.
Podemos perder o bonde da liquidez mundial?
A minha visão é que o governo está trabalhando nisso, mas temos de acelerar o processo. As privatizações vão ser um tema relevante. E tenho clientes que estão interessados. Eletrobrás está preparadíssima para ser privatizada. Os Correios são outro ativo, mas bastante complexo. O governo deveria ter iniciado um modelo de transformação, em questão de tecnologia e digitalização. Falta aos Correios uma capacidade de vendas de produtos financeiros. No mundo, 25% das receitas globais dos correios são produtos financeiros. Aqui no Brasil, esse número é de apenas 5%. Se o governo brasileiro privatizar os Correios essa participação dos produtos bancários tem potencial para aumentar muito, tornando a operação rentável.
Há interesse por outras áreas?
Em saneamento, todos os meses recebemos investidores querendo saber sobre o setor. Lá fora, os mercados nesse segmento estão muito maduros. Esse atraso no Brasil é uma questão política. Parece um país de 4º mundo. Temos problemas de saneamento como se estivéssemos na África.
Fonte: “Estadão”