O texto-base da reforma da Previdência , aprovado na última quinta-feira, deixou nas mãos dos estados — muitos em crise fiscal— a busca por uma solução para o déficit das aposentadorias de policiais militares e bombeiros . E, segundo levantamento do economista Pedro Nery, os gastos com os inativos dessas duas categorias superam as despesas com os ativos em 14 das 27 unidades da federação. No Rio Grande do Sul, esse percentual chega a 71%.
Foi excluída da proposta a previsão de que, enquanto lei específica não fosse editada, PMs e bombeiros ficassem enquadrados nas novas regras para as Forças Armadas, como a exigência de 35 anos de contribuição para se aposentar. Hoje, na maior parte dos estados, é possível requerer o benefício com 30 anos de serviço. Não há idade mínima.
Na prática, nada muda para os militares estaduais. A manobra serviu para excluir completamente estados e municípios da reforma. O ponto era um pleito de parlamentares, que temiam o ônus político de uma medida impopular, já que haverá eleições em 2020.
Últimas notícias
MP do Tocantins aprova licença-prêmio retroativa a 15 anos para promotores e procuradores que vai custar R$ 8,7 mi
Verba de gabinete de R$ 26,8 mil da Alerj banca blindados, gasolina e serviço de disparo automático de mensagens
“Uma catástrofe”
Para Nery, o cenário preocupa. Em março, o “O Globo” mostrou que os gastos dos estados com PMs e bombeiros representam de 20% a 30% das despesas dos entes federados com a folha de pagamento total.
— O país é violento e tem uma população jovem, mas metade dos estados já gasta mais da folha de segurança com os inativos do que com os policiais em atividade. Esse cenário dificulta a própria melhoria da remuneração, porque os gastos com inativos e pensionistas são atrelados, por conta da paridade (reajustes iguais aos de quem está na ativa), e os valores são maiores, por conta da integralidade (benefício igual ao salário da ativa). Para cada R$ 100 de reajuste para um policial, o governador gasta uma quantia maior com aumento para inativo — explica o economista.
Para governadores, a ausência, na proposta, de regras para PMs e bombeiros é preocupante. No início da tramitação da reforma, a equipe econômica apostava que os chefes dos Executivos locais convenceriam parlamentares de seus estados a manterem esse ponto na reforma, mas a estratégia não funcionou.
— Essa exclusão foi uma catástrofe para os estados. Não só policiais e bombeiros deveriam permanecer, como estados e municípios — afirma Margarida Gutierrez, economista e professora do Coppead/UFRJ.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), lamentou a exclusão dos estados. Em Minas, as aposentadorias de PMs e bombeiros respondem por 58% do orçamento local para as categorias. Mas Zema espera que isso seja revertido na votação no plenário na Câmara, que deve começar amanhã:
— É como um doente de câncer estar em uma mesa de cirurgia para extrair um tumor, o médico descobrir um segundo tumor e não retirar. Ainda estou otimista de que (o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo) Maia vai incluir o tema em votação.
Segundo Zema, o rombo nas contas públicas mineiras deve bater R$ 18 bilhões este ano e chegar a R$ 23 bilhões em 2021, caso as regras previdenciárias atuais sejam mantidas. Por causa da gravidade da situação fiscal do estado, o governo vem negociando a entrada no regime de recuperação fiscal do Tesouro, que prevê um período de carência no pagamento das dívidas com a União.
No Rio, o diretor-presidente do Fundo Único de Previdência Social do estado (RioPrevidência), Sergio Aureliano Machado, diz que o governo vai lutar pela reinclusão de estados e municípios na reforma. Mas explica que, se isso não ocorrer, o Rio — onde os gastos com PMs e bombeiros inativos chegam a 54% da folha de segurança — não vai apresentar um projeto previdenciário à Assembleia Legislativa:
— O Rio tem várias leis para os diferentes setores do funcionalismo. O que será feito, caso a reforma não inclua estados, é agrupar estas normas em um único texto. A situação dos benefícios vai ficar igual. É muito complicado só um estado fazer reforma. Se a reforma não vier pela Constituição, não vamos apresentar um projeto próprio.
“Meia reforma”
São Paulo, onde os gastos com PMs e bombeiros inativos já respondem por 59% das despesas totais com essas categorias, mostra preocupação com o fato de os estados terem ficado fora da reforma. Em nota, o governador João Doria (PSDB) ressaltou que o estado foi o primeiro a fazer uma reforma previdenciária para o funcionalismo. “Mesmo assim, vê seu déficit previdenciário chegar à casa dos R$ 22 bilhões em 2019.”
+ Armando Castelar Pinheiro: O presidencialismo de coalizão fracassou
Para o secretário de Planejamento do Rio Grande do Norte, Aldemir Freire, a exclusão dos estados transformou o projeto em uma “meia reforma”. Ele calcula que, se os trechos retirados fossem mantidos, seu estado conseguiria economizar R$ 7,4 bilhões em dez anos, sendo R$ 1 bilhão só com a mudança na Previdência dos militares.
— Não dá para se chamar reforma da Previdência um processo que deixa de fora estados, municípios e militares. No Rio Grande do Norte, o déficit da Previdência dos militares representa 10% do rombo previdenciário total (hoje em R$ 1,7 bilhão) — diz Freire.
Já o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), diz que não tentará recolocar os estados na reforma. Ele defende buscar novas receitas, como a securitização da dívida ativa.
Fonte: “O Globo”