O governo prepara a edição de um decreto para cancelar parte dos mais de R$ 80 bilhões de despesas acumuladas de anos anteriores e ainda não liquidadas nem pagas – os restos a pagar não processados, no jargão orçamentário. O decreto tem como objetivo impedir a violação da chamada regra de ouro das contas públicas e o consequente enquadramento do presidente Michel Temer em crime de responsabilidade. A medida foi preparada antes mesmo da greve dos caminhoneiros, que certamente agravará a crise fiscal.
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, informou à Agência Contas Abertas que o cancelamento se dará em duas etapas. A primeira prevê o bloqueio de um “grande volume” de restos a pagar nos ministérios, que serão convocados a definir quais despesas são mais relevantes. A segunda etapa será o corte, e ele será maior quanto maior for o volume de despesas acumuladas e quanto menores forem os investimentos da pasta. “São bilhões, obra que nem começou”, informou.
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Na última quinta-feira, quando ainda estavam em curso as negociações com os grevistas, Mansueto avaliou que o governo Temer tem condições de cumprir a “regra de ouro” neste ano, mas a tarefa para o próximo presidente da República será ainda mais difícil. “Há alguma chance de o governo cumprir a regra de ouro da forma como ela existe hoje no ano que vem ou em 2020 ou em 2021? A resposta é muito clara e é não. É impossível. Porque a dificuldade da regra de ouro vai aumentar nos próximos anos”, afirmou.
A regra de ouro foi instituída pela Constituição de 1988 e prevê que o Estado só pode se endividar para financiar investimentos. Essa regra impede a emissão de títulos da dívida pública para pagar despesas correntes, de manutenção da administração pública, como despesas com juros da dívida, pessoal, água, energia e telefone.
Neste ano, o governo recorreu a uma série de medidas para tentar fechar a conta, como o fim do Fundo Soberano, estabelecido por medida provisória editada em 21 de maio, ainda não votada pelo Congresso. Criado em 2008 como uma reserva financeira para o país enfrentar crises econômicas, o fundo acumulou R$ 27 bilhões até o final do ano passado. O Tribunal de Contas da União já avalizou o uso de recursos do Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações). Nos próximos dias, a Secretaria do Tesouro divulgará previsão de cumprimento da regra em 2018.
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Em defesa do cancelamento dos chamados restos a pagar não processados, o secretário do Tesouro argumenta que o saldo desse tipo de despesa cresceu muito, acima do limite recomendado pelo Fundo Monetário Internacional. Em 2018, foram inscritos R$ 155 bilhões de restos a pagar, o equivalente a 7% do Orçamento da União e a um aumento de 4.6% em relação a 2017.
Os restos a pagar são despesas autorizadas e empenhadas a cada ano, mas não pagas até 31 de dezembro. Os restos a pagar não processados, alvo do cancelamento que o governo prepara, referem-se a obras e serviços contratados e que tiveram dinheiro reservado no Orçamento, mas não chegaram a ser liquidados, uma etapa anterior ao efetivo pagamento.
O relatório de avaliação de restos a pagar de 2018, divulgado pelo Tesouro Nacional, mostra a evolução desse tipo de despesa no tempo, em valores já corrigidos pela inflação.
Dados do Tesouro registravam na quinta-feira, dia 24, R$ 80,3 bilhões de restos a pagar não processados, R$ 50,4 bilhões referentes a investimentos. Os ministérios da Educação, Saúde e das Cidades concentram o maior volume desse tipo de despesa.
Fonte: “Contas Abertas”