A disputa comercial entre China e Estados Unidos vem causando preocupações em todo o mundo desde o começo de 2018, quando o presidente norte-americano, Donald Trump, fez o primeiro anúncio de tarifas impostas sobre produtos chineses. Desde então, foram feitas algumas tentativas de acordo, mas os rompimentos de tréguas com novos anúncios e ameaças de retaliações frustraram expectativas de solução.
Em agosto, as tensões pioraram. A disputa passou dos anúncios e ameaças de tarifas sobre produtos importados para o campo cambial. Em reação a uma nova rodada de tarifas dos EUA, a China desvalorizou fortemente sua moeda, o iuan, e foi acusada de manipulação cambial.
Veja abaixo perguntas e respostas para entender o que é a guerra comercial e quais são seus possíveis impactos:
O que é a guerra comercial?
Com o argumento de que busca proteger os produtores norte-americanos e reverter o déficit comercial que os Estados Unidos tem com a China, Trump vem anunciando desde 2018 tarifas sobre produtos importados do país asiático. O objetivo é dificultar a chegada de produtos chineses aos Estados Unidos, o que estimularia a produção interna. O governo da China, por sua vez, tem reagido a esses anúncios com retaliações, chegando a impor também tarifas sobre produtos norte-americanos.
Quando começou a atual guerra comercial entre China e Estados Unidos?
É difícil dizer ao certo quando a disputa, nos moldes em que se encontra agora, foi iniciada, mas algumas datas podem ser consideradas marcantes. Durante a campanha eleitoral, os discursos de Donald Trump já apontavam para uma tendência protecionista, com críticas ao déficit comercial dos Estados Unidos em relação à China. Já como presidente, Trump fez o primeiro anúncio de taxas sobre produtos chineses em março de 2018. Desde então, já anunciou outras medidas e ameaçou adotar outras. A China tem respondido também com barreiras comerciais aos produtos norte-americanos e ameaças.
Por que a guerra comercial é motivo de preocupação?
Os Estados Unidos têm a maior economia do mundo e a China, a segunda. Por isso, se os dois países sofrerem consequências negativas dessa disputa, o temor é que outros países e a economia global como um todo possa ser impactada, em uma reação em cadeia, prejudicando o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global.
Em seu relatório de julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apontou que o crescimento mundial segue em ritmo moderado diante da piora das relações entre China e Estados Unidos. A preocupação é com o comércio global. Segundo o FMI, no primeiro trimestre de 2019, as tensões comerciais ajudaram a puxar uma desaceleração acentuada nas economias emergentes da Ásia. “Cadeias de fornecimento de tecnologia global foram ameaçadas pela possibilidade de os Estados Unidos imporem sanções.”
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As tensões geopolíticas foram citadas no documento em que o Fundo reduziu sua estimativa de crescimento para 3,2% em 2019 e 3,5% em 2020 (0,1 ponto percentual a menos que no relatório anterior, de abril).
Com essas incertezas, notícias sobre a guerra comercial costumam influenciar o mercado financeiro. Quando o cenário piora com novas ameaças e quebras de acordo, por exemplo, a tendência é que investidores busquem alternativas mais seguras para seu dinheiro, fazendo com que os índices das bolsas em todo o mundo recuem.
Diversos órgãos vêm demonstrando preocupação sobre a guerra comercial. O Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), por exemplo, diz que segue monitorando com cuidado os impactos da guerra comercial para decidir o rumo da taxa de juros.
BC dos EUA diz que empresários estão preocupados com guerra comercial; economia cresce modestamente
No Brasil, o mesmo ocorre com o Banco Central, que tem apontado em seus relatórios que os rumos das disputas estão entre os fatores que determinam as decisões sobre o futuro dos juros.
Quais as perspectivas de solução?
Os últimos desdobramentos não indicam uma solução rápida para o conflito. Trump afirmou no começo de agosto que não está pronto para finalizar um acordo comercial com a China e apontou que pode cancelar as próximas reuniões marcadas com o governo do país asiático.
A declaração foi feita poucos dias depois de uma piora na relação entre os dois países, com Trump rompendo a trégua acertada após o encontro no G20 com o presidente da China, Xi Jinping. O rompimento se deu com o anúncio de mais tarifas sobre produtos chineses – medida que foi retaliada pela China com a suspensão da compra de produtos agrícolas dos Estados Unidos. Houve ainda acusação dos EUA de que a China estaria usando de manipulação cambial, após o país asiático deixar o iuan cair a seu menor nível em relação ao dólar em quase uma década.
Carlos Gustavo Poggio, professor do curso de Relações Internacionais da FAAP, diz que a recente sequência de episódios “claramente é uma piora” da situação. “Mostra que essa guerra comercial pode sair do controle e ter um impacto maior do que a gente imagina. Essas coisas não são facilmente controláveis.”
Para Carlos Eduardo Lins da Silva, professor do Insper, a passagem da disputa para o campo do câmbio “é um episódio bem importante, porque até agora a disputa estava limitada a taxações”. “Agora, entra num novo capítulo que pode ter consequências muito mais sérias”, diz.
As tensões são apenas comerciais?
Para especialistas, não. “Essa é uma disputa que está além da questão econômica, é uma questão geopolítica”, diz Poggio. “Estamos diante da primeira grande disputa geopolítica do século 21, entre duas superpotências.”
O professor aponta que a disputa é resultado do crescimento rápido da China nas últimas décadas, que reordenou a lógica dos mercados consumidores e da produção em todo o mundo.
“Uma potência que está emergindo incomoda a potência que está estabelecida. Esse é um problema clássico das relações internacionais: como acomodar uma potência em ascensão em um sistema internacional com potências já estabelecidas?”, explica Poggio.
Silva comenta que o “estilo belicoso” de Trump é o que explica o surgimento dessa disputa comercial declarada, mas que “a China e os Estados Unidos têm diferenças econômicas há muitas décadas”.
Mas, mesmo com os ataques diretos de Trump à China, os especialistas dizem que essa parece não ser uma questão individual do presidente nos Estados Unidos. Isso porque, nos discursos de políticos democratas (ou seja, adversários ao republicano Trump) que estão precedendo o período eleitoral, não há promessas sólidas de encerrar a guerra comercial.
“Não se vê críticas dos democratas. Parece então que está se consolidando na sociedade americana a ideia de que tem que enfrentar a China de alguma forma”, analisa Poggio.
“Existe uma tendência de se manter alguma dureza com a China – afinal, esse discurso elegeu Trump e 40% dos americanos ainda o aprovam. Esse eleitorado não pode ser desprezado”, complementa Silva. “De qualquer maneira, seja quem for o candidato eleito nas próximas eleições, vai demorar um tempo para que as relações com a China sejam refeitas”.
Os EUA deram início à disputa, mas podem ser prejudicados?
Apesar das preocupações de especialistas sobre os impactos da guerra comercial, os últimos indicadores econômicos divulgados pelos EUA têm mostrado um cenário positivo. No entanto, analistas ainda apontam incertezas sobre a solidez da boa situação econômica, especialmente porque já há sinais de desaceleração.
“Todos os efeitos positivos da economia americana nos últimos dois anos são resultado da reforma tributária que o Trump conseguiu passar pelo Congresso. Foi a grande vitória dele como presidente, e deriva dela todo o sucesso da economia americana. Isso vai durar mais uns dois anos e meio”, prevê Silva.
“Só que o resultado da reforma tributária vai ser um rombo no orçamento americano sem precedentes, e em algum momento ele vai ter que ser coberto. E a guerra comercial só faz aumentar esses problemas, por exemplo, com subsídios para os produtores agrícolas poderem compensar prejuízos com a queda de suas exportações de seus produtos para a China”, diz Silva.
Sobre a guerra comercial, Poggio diz que “tem sim uma preocupação porque mexe totalmente com a cadeia produtiva agrícola, desde a produção do maquinário. Afeta um setor que é importante para a economia americana, que é o rural”.
Silva aponta que as perspectivas são preocupantes especialmente pelo temperamento de Trump. “O que parece mais grave é que Trump dá cada vez mais sinais de que age basicamente seguindo seus instintos. Tem ouvido cada vez menos seus assessores, anuncia decisões pelo Twitter às vezes pegando de surpresa assessores próximos. E, como todos sabemos, o nível de conhecimento dele da história e da geografia da região asiática é muito pequena. Ele é ignorante nesses assuntos, então a probabilidade de tomar decisões erradas é muito grande.”
Quais podem ser os impactos da guerra comercial para o Brasil?
É difícil mensurar exatamente o efeito que o agravamento da disputa entre China e Estados Unidos deve ter para o comércio exterior do Brasil.
A China é um dos parceiros comerciais mais importantes para o Brasil. O mercado chinês é o destino número 1 dos nossos principais produtos exportados: soja, petróleo e minério de ferro.
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Os EUA eram o segundo maior fornecedor de soja da China antes da guerra comercial, mas as importações caíram bastante após o governo chinês ter adotado tarifas de 25% sobre as cargas norte-americanas. Se a China passar a comprar menos soja dos Estados Unidos, por exemplo, pode haver um aumento da procura pelo grão brasileiro.
Por outro lado, se a desaceleração da economia chinesa se tornar ainda maior por conta da disputa com os EUA, sua demanda por petróleo e minério se tornaria menor, o que poderia prejudicar as exportações brasileiras.
No entanto, analistas apontam que ainda é cedo para tirar conclusões. “Essa questão é complexa, porque pode ter benefícios de um lado e prejuízos de outro”, diz Poggio. “O setor agrário brasileiro pode se aproveitar, mas isso é pontual”, diz ele, destacando especialmente o risco de a disputa comercial estar “descambando” para uma “guerra cambial”.
“Se descambar para a guerra cambial, pode ter queda de bolsas e uma recessão mais aguda. E isso afetaria não só o Brasil, como outros países.”
Fonte: “G1”