Nas principais assembleias legislativas do país, sobram projetos de regulação de detalhes de atividades econômicas, mas faltam estudos para embasá-las. O resultado é a criação de custos para as empresas que prejudicam o ambiente de negócios e, muitas vezes, penalizam consumidores e geram batalhas judiciais.
Na Assembleia de São Paulo (Alesp), por exemplo, alguns projetos apresentados na Alesp desde 2017 já receberam de comissões internas pareceres que alertam para inconstitucionalidade das medidas, mas é comum seguirem adiante, até o plenário.
Em geral, esses casos vão parar na Justiça. Foi o que aconteceu depois que o Sindicato de Bares e Restaurantes de São Paulo (Sindresbar) pediu a anulação de uma lei que exige que estabelecimentos que vendam refrigerantes diet em máquinas usem especificamente copos descartáveis na cor azul e com a inscrição “zero açúcar”. O objetivo seria dar maior segurança aos consumidores diabéticos, mas o sindicato considera uma intervenção indevida na atividade comercial.
A lei foi aprovada no ano passado, mas o governador de São Paulo à época, Márcio França, não quis sancioná-la. Acabou promulgada pela própria Alesp este ano. O sindicato conseguiu suspender a norma por alguns meses na Justiça, mas a liminar foi cassada a pedido de uma associação em defesa do público diabético.
— Esse é o tipo de coisa que acaba atrapalhando nosso desempenho porque gera custo para todo mundo — diz o presidente do Sindresbar, Nei Jorge.
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Está pronto para ser votado outro projeto similar, de 2017, que proíbe a venda de refil de refrigerantes no estado para desestimular o consumo de jovens e também proteger diabéticos. A principal rede de fast food que adota a prática, o Burger King, informou em nota que acompanha a tramitação, mas não quis se posicionar sobre ela.
Também em 2017, os parlamentares fluminenses aprovaram uma lei que obrigou todos os bares, restaurantes e hotéis do Rio que comercializam bebidas destiladas a incluir ao menos quatro marcas de cachaça produzidas no estado em seus cardápios. Além da marca, a carta de bebidas teria que informar o município de procedência da cachaça, precisaram os legisladores da Assembleia do Rio (Alerj). Quem não cumprisse ficaria excluído de programas de benefícios fiscais, por exemplo.
Associações de bares, restaurantes e hotéis do Rio também conseguiram derrubar a lei na Justiça, mas, antes disso, houve quem teve que se curvar à norma. Foi o caso doMeza Bar, que fica no Humaitá, na Zona Sul. Um dos sócios, Fernando Blower, conta que foi preciso investir R$ 1 mil na adaptação inicial do menu de bebidas.
— Não somos contra a cachaça do Rio, muito pelo contrário. Mas, muitas vezes, leis com boas intenções causam problemas. Para que um restaurante japonês que vende saquê vai querer ter quatro cachaças do Rio no cardápio? — diz o empresário, que também é presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio (SindRio) e lembra que, em 2016, outro projeto de lei já havia tentado obrigar bares a vender preservativos. — É o dono do estabelecimento que tem que decidir o que vai vender porque gera custo de estoque, mercadoria parada. Com a crise, as empresas estão todas em seu limite, e algumas só se mantêm abertas porque é mais caro fechar. Qualquer norma que implique em custo tem um impacto muito significativo. O momento exige prudência.
Em São Paulo, o empresário de motofrete Fernando Souza critica um projeto de lei que obriga a contratação de seguro saúde e de vida para motociclistas que trabalham com plataformas de entregas no estado. Dono de uma empresa tradicional do setor e dirigente de um sindicato, Souza argumenta que já contrata seguro de vida para seus funcionários há 18 anos, mas o custo do seguro saúde é incompatível com a atividade, que sofre forte concorrência de aplicativos.
— É impraticável. Muito difícil encontrar seguradora que faça esse seguro e, quando faz, o preço é impossível. São 45 acidentes de moto por dia em São Paulo. Vai ser o fechamento do restante de empresas que sobreviveu aos aplicativos.
Souza estima que, nos últimos quatro anos, dois terços das empresas como a dele fecharam em São Paulo. Cerca de 70% dosmotofretistas em São Paulo hoje trabalham como autônomos e não têm direito a benefícios. O deputado estadual Ataíde Teruel (Podemos) diz ter proposto a lei com foco nessa parcela, mas o vínculo trabalhista deles com aplicativos e outros gestores de encomendas é parte de um outro limbo judicial ainda sem definição.
Em muitos casos os legisladores estaduais chovem no molhado. Fazem leis que já são reguladas por outras, no plano federal. É o caso de um projeto de lei apresentado em maio deste ano e que proíbe a venda de combos de TV, internet e telefone em São Paulo. O deputado ainda pede que o preço praticado no combo seja o mesmo para a venda de um único serviço se assim o consumidor preferir.
Segundo o advogado especialista em telecomunicações Ericson Scorsim, que analisou o projeto a pedido do GLOBO, a proibição desse tipo de venda casada já é regulamentada pela Anatel, agência reguladora do setor:
— Esse projeto está sendo redundante, além do que pode ser considerado inconstitucional porque a prerrogativa para legislar sobre telecomunicações é da União.
Enquanto o Rio vive uma de suas crises mais dramáticas, os deputados estaduais têm dedicado boa parte dos últimos dias à controvérsia provocada por uma lei aprovada que obriga condomínios com academia a contratarem um profissional de Educação Física. A norma entrou em vigor em agosto e deu 120 dias para os condomínios se adaptarem. Quem não cumprir a regra, pode ser multado em milUFIRs, o que atualmente dá R$ 3.421,10.
O diretor da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Marcelo Borges, avalia que a lei não deve se aplicar aos condomínios pequenos, que apenas dispõem de alguns equipamentos em área comum, mas aos que têm academias estruturadas para atividades em grupo. No entanto, o texto não é claro e vários já fecharam os espaços com medo da multa. Borges quer evitar a via judicial, mas não a descarta se a indefinição ameaçar condôminos de pequenos edifícios:
— Se a interpretação não for a nossa, os condomínios vão ter encarecer. Se todos tiverem que contratar, muitos vão preferir fechar as academias, reduzindo o incentivo a sair do sedentarismo.
No condomínio Speciale Méier, na Zona Norte do Rio, que tem uma grande academia estruturada para os moradores, o síndico Antônio Carlos Costa já se antecipou. Contratou uma empresa que fornece mão de obra de profissionais de educação física, cuja presença limita o horário de funcionamento do espaço e compõem os custos do condomínio divididos entres os moradores, mesmo os que não se exercitam ali. Mesmo assim, Costa aprova a lei:
— Esse custo já faz parte do orçamento, então não tem cota extra. Alguns moradores reclamam que pagam para não usar, assim como os outros serviços que temos aqui, como sauna, salão de festa, piscina… Mas isso faz parte de um condomínio, quando a pessoa vai morar ela já sabe que esses serviços serão inclusos na taxa. Além de ser um fato que gera emprego, a gente se sente mais seguro com um profissional.
Além da atenção dos deputados, o tema agora chegou o Judiciário, que analisa argumento do Ministério Público de que se trata de medida desproporcional, que atenda contra a administração da propriedade privada.
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Placas e cartazes, uma obsessão nas assembleias
Na contramão de outros segmentos, a indústria de placas e cartazes não tem do que reclamar dos legisladores nos estados. Imbuídos de um ímpeto didático aparentemente insaciável, deputados das principais assembleias são pródigos na aprovação de leis que obrigam a fixação de avisos em estabelecimentos com as mais diversas mensagens.
Talvez porque todo deputado se interesse tanto quanto os cidadãos pelos prazeres à mesa, bares e restaurantes são os alvos favoritos dessa sanha informativa. Os estabelecimentos do Rio, por exemplo, estão submetidos a 23 decretos estaduais, municipais e portarias que obrigam a fixação de avisos que vão do hospitaleiro “Nossa cozinha está aberta à visitação” ao ameaçador “É proibido o ingresso e permanência de pessoas armadas no recinto”.
É tanta placa que, às vezes, falta parede para cumprir as normas, resume Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).
No Rio, a Alerj não esqueceu de outros setores. Desde 2018, academias e clubes devem ostentar cartazes que informem sobre a “importância de consultar o Conselho Regional de Educação Física sobre a situação do profissional de educação física”.
Outra lei fluminense uniu hospitais e estúdios de tatuagem na obrigação de afixar cartaz advertindo sobre a proibição da doação de sangue por pessoas com tatuagem permanente ou piercing, por um ano, “a partir da aplicação dos adereços”.
Já nos ônibus intermunicipais, deve ficar visível o certificado de “capacitação do condutor no manuseio do equipamento”. A lei se refere ao aparelho de acesso de cadeirantes — que só poderão conferir o documento após embarcarem.
Fonte: “O Globo”