A medida provisória que permite a contratação temporária de servidores civis aposentados para zerar a fila do INSS é uma minirreforma administrativa ao alcançar outras situações, na visão de especialistas.
Num cenário em que a equipe econômica congelou a realização de concursos públicos até o fim do governo Jair Bolsonaro, a MP dá maior flexibilidade à contratação de servidores sem estabilidade no emprego. Esse é um dos principais pilares da proposta de reforma administrativa preparada que permanece na gaveta do presidente desde novembro do ano passado.
O alcance da MP é muito mais amplo do que o escopo inicial de permitir a contratação de servidores aposentados para ajudar a diminuir a fila de 1,9 milhão de pedidos de benefícios previdenciários e de assistência social. Estratégia semelhante foi adotada pela equipe econômica no Programa Verde Amarelo, que não só flexibilizou a contratação de jovens, mas trouxe mudanças apontadas como uma segunda fase da reforma trabalhista.
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O texto editado na segunda-feira permite a contratação temporária, sem concurso público, quando houver necessidade de redução de passivos processuais ou de volume de trabalho acumulado. Esse é o caso da fila do INSS, mas outros órgãos poderão se encaixar nessa situação e recorrer ao instrumento. A MP ainda amplia a contratação para outras situações e atividades, incluindo para funções que ficarão “obsoletas” no curto e médio prazos, sem dizer quais atividades são essas.
A remuneração é definida à parte e pode ser concedida por produtividade ou por jornada de trabalho. Essas condições permitem ao governo economizar com pessoal, já que os temporários custam bem menos do que os concursados. Além disso, em momento de restrição fiscal, seria possível dispensá-los com maior facilidade.
Para Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral, a amplitude da medida surpreendeu e representa o primeiro passo da reforma administrativa. “A MP resolve não apenas uma série de problemas emergenciais do INSS, mas de outras áreas com excesso de demanda”, diz. Em sua avaliação, a MP pega carona no problema da fila do INSS para se tornar um “embrião” de uma nova estrutura do serviço público, sinalizando um modelo do funcionalismo com poucas carreiras para atividades que são específicas, como auditor da Receita, diplomatas e Polícia Federal.
Flexibilidade
Coordenador do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, o economista Manoel Pires avalia que dois pontos dãoflexibilidade à contratação: atendimento de demandas pelo aumento do volume de trabalho em qualquer órgão público e necessidade de redução de processos e de trabalho acumulado em anos anteriores. Para ele, o prazo de até oito anos é muito longo. “Isso é bastante para justificar apenas emergência.”
O Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que representa algumas das principais categorias do funcionalismo, está analisando o texto para traçar uma estratégia de articulação por mudanças no Congresso. “Basicamente o que está escrito é ‘onde está precisando gente, pode (contratar temporário)’. Já estamos alertando que muitas áreas estão com carência. Quase todas as áreas se encaixariam nesse critério”, critica o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.
Para o representante das categorias, a simplificação do processo de contratação também pode abrir brechas para interferências políticas. “Isso pode abrir as portas para chamar pessoas que sejam mais vinculadas com o governo do momento.”
Autora de vários estudos sobre a reforma do “RH do setor público”, a economista Ana Carla Abraão, sócia da consultoria Oliver Wyman, discorda de que a proposta possa ser chamada de reforma administrativa. “É um passo na direção correta de flexibilizar as contratações fora do regime único, dando mais flexibilidade, mobilidade e possibilidade de reação a situações de emergência. Reforma administrativa envolve questões estruturais de funcionamento da máquina como um todo, que vão além da contratação.”
+ Paulo Uebel: Os três pilares da reforma administrativa
Algumas possibilidades de contratação
Novas modalidades*
– Pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços, no âmbito de projetos com prazo determinado, com admissão de pesquisador ou de técnico com formação em área tecnológica. Prazo de até 4 anos, prorrogáveis até atingir total de 8 anos.
– Atividades necessárias à redução de passivos processuais ou de volume de trabalho acumulado. Prazo de até 4 anos, prorrogáveis até atingir total de 5 anos.
– Atividades preventivas temporárias com objetivo de conter situações de grave e iminente risco à sociedade que possam ocasionar incidentes de calamidade pública ou danos e crimes ambientais, humanitários ou à saúde pública. Prazo de seis meses, prorrogáveis até atingir total de 2 anos.
* Em caso de contratação de servidor aposentado, prazo total máximo, incluindo prorrogações, é de 2 anos.
Mudanças em modalidades existentes
– Retirada da menção exclusiva a atividades nas Forças Armadas para contratação temporária que atenda a projetos temporários na área industrial ou a encargos temporários de obras e serviços de engenharia. Prazo total máximo de 4 anos.
– Retirada da menção a “atividades técnicas especializadas” para contratações temporárias necessárias à implantação de órgãos ou entidades, ou de novas atribuições definidas para organizações existentes, ou aquelas decorrentes de aumento transitório no volume de trabalho. Prazo de até 4 anos, prorrogáveis até atingir total máximo de 5 anos.
Fonte: “Estadão”