A aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso em menos de um ano surpreendeu até mesmo Fabio Giambiagi , um dos principais especialistas em contas públicas do país, que se dedica ao tema há anos. Apesar de reconhecer que o texto é ambicioso, ele alerta que não deve significar a abertura de uma “temporada de bondades”.
Para o economista, a reestruturação do sistema de aposentadorias não é suficiente para resolver a crise nas contas públicas. A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao GLOBO.
A reforma da Previdência foi aprovada com impacto fiscal de cerca de R$ 800 bilhões. É suficiente para aliviar as contas públicas nos próximos anos?
A reforma aprovada, ainda que com menor potência que a originalmente proposta (R$ 1 trilhão), foi muito boa: a mais ampla e ambiciosa desde que o tema entrou na pauta do país nos anos 1990, mais forte que a maioria, eu inclusive, imaginava no começo do debate parlamentar. De qualquer forma, o fato é que se trata de uma reforma que mitigará, mas não evitará, o crescimento da despesa do INSS nos próximos anos, já que esta continuará aumentando. Agora, porém, chegou o momento de virar a página. Eu brinco dizendo que, depois de tantos anos tratando do assunto, nem eu mesmo me aguento mais a falar da Previdência Social. Como dizem na Argentina, “ahora, a otra cosa ”.
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O que vem agora?
Agora, chegou a vez de substituir a agenda previdenciária pela fiscal. E aqui será preciso lidar com o contraste entre a realidade e a percepção que dela tem parte da classe política. O que muitos parlamentares pensam? Que agora, depois da reforma da Previdência, começa a “temporada de bondades”. Só que os números não comportam isso. O fato é que a despesa primária, sem incluir as transferências a estados e municípios, passou de 11% do PIB em 1991 para 20% do PIB em 2016, quando foi aprovada a PEC (proposta de emenda à Constituição) do teto (de gastos) e continua hoje nos mesmos 20% do PIB, ou seja, o problema fiscal está muito longe de ter sido resolvido. Eu comecei a tratar de temas fiscais há mais de 30 anos e uma coisa posso garantir: toda vez que se escuta falar em “agenda positiva”, o contribuinte pode ter certeza de que vai sobrar para o bolso dele.
O governo desistiu de mandar por ora a proposta do regime de capitalização para a Previdência. Ela será inevitável no futuro?
O que vejo pela frente, talvez daqui a oito anos, é um novo ajuste dos parâmetros de aposentadoria, como a idade mínima, mas não uma mudança radical do sistema. Pessoalmente, continuo achando que será preciso revisitar alguns temas em algum momento. Ao mesmo tempo, com os anos aprendi a ser um melhor leitor da política e, embora continue defendendo propostas mais ambiciosas que as aprovadas, creio que não há a menor chance de o tema voltar à pauta do Congresso. Há uma exaustão com o assunto, perfeitamente compreensível. Penso que, em 2027, com base na demografia da época, será preciso fazer novos ajustes das regras de aposentadoria por parte de quem for eleito nas eleições de 2026.
O senhor defende a flexibilização a partir de 2023 do teto de gastos, regra que limita o aumento das despesas à variação da inflação no ano anterior. Há risco de que essa regra fiscal dificulte a execução do Orçamento já em 2020?
Guilherme Tinoco e eu escrevemos um artigo há um par de meses cujo sentido foi apenas dizer: “Ei, Houston, temos um problema”. Não propondo gastar mais agora, mas sinalizando que, em 2023, as regras terão que mudar porque o teto de gastos não vai durar até 2026 da forma que foi inicialmente desenhado. Porém, em 2023, isso se dará em outro contexto, quando esperamos que o país já tenha uma relação dívida/PIB estabilizada e com a perspectiva de voltar a ter superávit primário. Aí a mudança do teto poderia ocorrer sem maiores problemas.
O governo quer cortar despesas obrigatórias. No entanto, algumas medidas estudadas se tornaram inviáveis politicamente, como a desindexação do salário mínimo. Qual é a melhor estratégia para reduzir gastos?
Três pontos são os mais importantes. O primeiro é a revisão da regra de reajuste do funcionalismo para o período de 2021 a 2023, que defendo que seja algo como, por exemplo 0%, 1% e 2% de aumento nominal, para definir a regra até o primeiro ano da próxima gestão. Além disso, reforma administrativa e revisão das carreiras do funcionalismo, para que quem ingressar daqui para frente o faça com salários substancialmente inferiores ao valor inicial atual, muito elevado na maioria dos casos. E a revisão do abono salarial.
+ Mobilização da sociedade garante Nova Previdência
O ministro Paulo Guedes propõe um pacote de medidas que chama de Novo Pacto Federativo, para dividir mais recursos com estados e municípios. A medida é correta?
Os estados estão cada um em situação pior que o outro e o que mais querem é receber dinheiro. Por outro lado, hoje o governo federal não tem dinheiro sobrando nem para o cafezinho, que dirá para atender às demandas dos governadores. Veja, tenho mais de 30 anos de vivência em temas fiscais: comecei a mexer com o tema em 1987 e já vi muitos governadores enganando ministro, até porque são sempre 27 contra um. Minha posição pessoal, na atual conjuntura, de agora em diante, seria não negociar em bloco e sim individualmente. A cada governador que vier pedir dinheiro em Brasília perguntar: “O senhor já aprovou a reforma previdenciária na assembleia?”. Sem esse passo prévio, fica difícil sentar para conversar.
De qualquer forma, está otimista?
Em parte. A economia tende a melhorar e poderemos crescer em torno de 2% no ano que vem. Por outra parte, vivemos um ambiente político muito rarefeito, em que todo dia tem alguma confusão. Agressões e xingamentos estão na ordem do dia, em todas as esferas. Resisto a entrar nessa arena. É por isso que prefiro não ter Twitter. Depois de 2014, a cada ano tenho visto um ou dois amigos mudarem para o exterior, cansados deste nosso ambiente pesado, tóxico. O (publicitário) Washington Olivetto tem uma frase que retrata bem a época atual: “O Brasil foi invadido pelo desotimismo”. Todo dia, ao acordar, tento enfrentar esse sentimento negativo que vai jogando o ânimo nacional para baixo. Às vezes, porém, é difícil.
Fonte: “O Globo”