Responsável por acompanhar as contas públicas do governo federal, o secretário de Política Fiscal do Ministério da Economia, Marco Cavalcanti, vê espaço para que, no futuro, o peso dos impostos sobre a economia brasileira diminua. Segundo o técnico, a carga tributária pode ser reduzida conforme o ajuste fiscal avançar.
Para controlar gastos públicos, destaca que o objetivo é atacar despesas obrigatórias, como as verbas indenizatórias que turbinam salários de servidores públicos. Diante de um quadro de economia ainda lenta, o técnico afirma que medidas como a liberação de contas do FGTS e redução da burocracia para as empresas pode promover “surpresas positivas” ainda este ano.
Hoje, a equipe econômica espera crescimento de 0,85%, projeção que pode ser revisada para cima.
Uma das discussões atualmente é sobre a falta de espaço no Orçamento. O ministro Paulo Guedes tem falado sobre “quebrar o piso” e criar um conselho fiscal. Qual o cardápio de possibilidades?
– As despesas obrigatórias estão crescendo de forma automática e muito forte nos últimos anos e comendo todo o espaço do Orçamento. Segundo nosso último boletim macro fiscal, de 2010 a 2018, com projeção para 2020, as despesas discricionárias caíram fortemente, cerca de 58% em termos reais, enquanto as obrigatórias cresceram 43% e, nesse item, os benefícios previdenciários cresceram cerca de 60%. O grande desafio é segurar as despesas obrigatórias.
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E como vencer esse desafio?
– A reforma da Previdência é o primeiro passo, já está muito bem encaminhada e em breve será aprovada no Senado. Essa questão já está pacificada. Falta olhar para os outros gastos. Outro grande gasto é com pessoal. E aí há uma série de medidas que estão sendo pensadas, inclusive algumas delas sendo incluídas no Pacto Federativo.
Que tipo de medidas?
– Não vou adiantar medidas, porque ainda estão sendo discutidas. De qualquer forma, o foco é controlar despesas com pessoal e despesas em geral, tentando avançar na linha dos três Ds que o ministro fala: desindexar, desvincular e desobrigar.
Mas é possível fazer alguma coisa em despesas com pessoal além da reforma administrativa?
– A reforma administrativa é a principal via por meio do qual isso será feito. Agora, ela envolve vários tipos de medidas, desde você mudar as carreiras, alongando e reduzindo o salário inicial, até medidas que possam ser aplicadas. De certa forma, a reforma administrativa segura o crescimento (dos gastos), mas do estoque ela não trata. Tem também medidas de redução da jornada de trabalho e tem também a tentativa de segurar as verbas indenizatórias (pagamentos extras que aumentam os salários dos servidores).
O peso dessas verbas indenizatórias é grande?
– Não é tão grande em relação ao total, mas ajudaria a evitar excessos e é uma questão de justiça. A gente vê a situação que o país está passando em termos de carências, a população em geral, um aperto grande das contas, e você não pode ter, no serviço público, pessoas e categorias ganhando verbas indenizatórias que são absurdas. Há vários servidores que ganham muito além do teto remuneratório, exatamente porque tem um monte de verba que não conta como item de remuneração.
Essas medidas seriam adotadas via PEC do pacto federativo?
– Sim. A PEC trata de questões como as relações entre União e os entes nacionais e a ideia é tentar melhorar a divisão de responsabilidades e recursos, tornar mais eficiente a repartição entre a União, estados e municípios, para satisfazer as necessidades da população, serviços essenciais e avançar na direção dos três Ds.
Ainda sobre Orçamento, como avalia o espaço tão restrito para investimentos?
– Os investimentos estão nas despesas discricionárias. O foco todo é tentar conter esse excesso do gasto das obrigatórias, para abrir espaço para outros gastos que também são importantes, como investimentos. Agora, dependendo de como essas medidas serão encaminhadas e aprovadas, os efeitos serão sentidos a partir do ano que vem.
E quanto à ideia de criar um Conselho Fiscal?
– A ideia é tentar disciplinar o processo orçamentário e de execução de gastos no país em geral, incluindo União, estados e municípios, visando a evitar que a gente volte a ter os problemas que já tivemos e nos trouxeram aonde nós estamos hoje. Foi uma sucessão de erros.
Na discussão em torno da reforma tributária, há uma demanda da sociedade pela redução da carga. Como isso está sendo tratado?
– Claramente, a carga tributária do Brasil é muito alta, quando comparada com outros países com nível de desenvolvimento semelhante. A média da América Latina é de 22,8% do PIB. O Brasil, em 2017, tinha 32,4% do PIB, percentual próximo dos países da OCDE, que é 34,2%. Ou seja, o Brasil está com uma carga tributária muito mais próxima de países com nível de desenvolvimento mais avançado do que dos países com nível de desenvolvimento semelhante, o que é uma distorção. Claramente, temos uma carga tributária muito alta, e nosso objetivo é reduzi-la.
Está claro, então, que a reforma tributária não vai se traduzir em queda de impostos e contribuições?
– Neste momento, não é possível reduzir a carga tributária. O que se pretende com a reforma não é, de modo algum, aumentar a carga, mas também não é reduzir impostos. A ideia é que a reforma seja neutra do ponto de vista da receita total, mas que garanta simplificação, redução de custos pontuais que as empresas têm para satisfazer todos os requisitos tributários, cumprir todas as obrigações e reduzir litígios tributários. A reforma servirá para aumentar a eficiência na própria organização das empresas, que hoje se organizam de modo a tentar minimizar o custo tributário muitas vezes, de forma que não é economicamente eficiente.
Mas é possível, em algum momento, reduzir a carga tributária?
– Passado esse momento de ajuste fiscal, que é realmente duro para a população e não vai terminar em um ou dois anos. É um sacrifício que vai ter que ser feito durante algum tempo. Até que se consiga estabilizar a relação dívida/PIB e voltar para uma trajetória sustentável, haverá uma restrição fiscal grande. Durante algum tempo, será difícil reduzir a carga. Mas, a partir do momento em que o país entrar em uma trajetória sustentável, e na medida em que todas as reformas que estão sendo implementadas, não apenas do lado fiscal, mas também microeconômico, liberalização comercial e reformas no mercado de crédito e de trabalho, investimentos em infraestrutura, privatizações e maior eficiência do gasto público, isso será possível. Num prazo um pouco mais longo, nosso objetivo é, futuramente, reduzir a carga tributária.
Com que prazo se está trabalhando?
– Há estimativas de que a dívida pública deve se estabilizar em quatro anos, mas talvez mesmo antes disso. Vai depender muito do contexto. Não é para esse ano, nem no próximo. Vai depender em quanto a gente consegue avançar no ajuste fiscal.
Que proposta de reforma tributária o governo vai enviar? Vai haver convergência com as outras propostas em análise na Câmara e no Senado?
– A proposta do governo está sendo elaborada e em breve deve ser anunciada. Acho que há pontos em comum. Há pontos de compatibilidade. A proposta que o governo vai mandar vai ser diferente das outras duas, mas todas têm pontos em comum, como a simplificação. São formas diferentes de atingir o mesmo objetivo.
+ Zeina Latif: Sem conclusões precipitadas
O governo anunciou um desbloqueio de R$ 8 bilhões no Orçamento deste ano. Como fica a situação do funcionamento da máquina pública, depois disso?
– A gente ainda tem órgãos com muitas restrições. Continuamos apagando a luz aqui às 18h. Ainda há restrições. Foi possível um alívio de arrecadação maior que o previsto anteriormente. Vai depender do próximo relatório e como vai vir a arrecadação. Talvez a gente consiga até o fim do ano algum novo alívio, mas vai depender da arrecadação.
Estamos em aperto fiscal, com cenário de incerteza, mas ao mesmo tempo dinheiro do FGTS, reforma da Previdência e a promessa de reforma tributária? Que outros fatores podem animar a economia?
– Está em curso uma série de medidas com impacto positivo não apenas no longo prazo, em termo de produtividade e eficiência, mas também no curto prazo. Já houve uma série de privatizações e concessões, o que estimula novos investimentos. Temos a revisão das normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho, que reduzem custos das empresas e aumentam a possibilidade de produzir de forma mais eficiente. Uma série de medidas na área de mercado de crédito, na área agrícola, teve a MP da Liberdade Econômica. É uma série de medidas que vão na direção de superar alguns dos entraves que tem segurado a produtividade da economia. Essas coisas todas juntas, evidentemente levam um tempo para ter seus efeitos totalmente realizados, mas já vão todas se somando e já vão contribuindo.
A última previsão do Ministério da Economia para este ano para o PIB é de crescimento de 0,85%. Essa projeção pode se tornar conservadora?
– É muito difícil prever o impacto desses movimentos, em particular de medidas nunca antes implementadas, como a MP da Liberdade Econômica, a revisão das normas regulamentadoras. São todas medidas, que a gente até tem feito algumas estimativas, mas os impactos dinâmicos disso podem ser muito maiores. Podem estimular a produtividade. Podemos ter surpresas positivas.
Fonte: “O Globo”