O cenário de crise econômica, com queda de arrecadação e baixo nível de transferências, aliado à rigidez orçamentária, fez com que os recursos destinados a investimentos em metade dos municípios brasileiros fossem praticamente nulos em 2018. Os dados são do Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), estudo divulgado nesta quinta-feira pela entidade industrial do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento, 47% dos municípios (2.511) estão em situação crítica, conseguindo investir apenas 3% do orçamento, em média. Em todo país, a média de recursos alocados para construção de escolas e viadutos, por exemplo, foi de 5,1% da receita. Trata-se da segunda menor taxa da série, iniciada em 2013. O pior resultado ocorreu em 2017, quando o percentual foi de 3,6%.
— Esses recursos não são suficientes sequer para a manutenção da infraestrutura dos municípios, para o desgaste dos equipamentos (já existentes) — ressalta Jonathan Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan.
Com menos investimento público municipal, serviços como atendimento nos postos de saúde, compra de equipamento para educação, iluminação e pavimentação de ruas ficam comprometidos, destacam especialistas.
Últimas notícias
PEC dos gatilhos deve ser ‘nossa urgência’, diz Maia
Previdência: governo entrega projeto que trata das aposentadorias especiais
Guedes: crescimento está lento ainda, mas deve ser mais que o dobro em 2020
Segundo cálculos da Firjan, em 2018 houve queda real (já descontada a inflação) de R$ 10,4 bilhões nos investimentos públicos municipais na comparação com 2013.
Apenas 14,9% dos municípios tiveram desempenho considerado “excelente”, com proporção de investimentos sobre a receita total acima de 12%. Entre as cidades na lista estavam municípios menores, como Toledo (MG), e maiores, como Barueri (SP). Para a Firjan, o resultado mostra que é possível alcançar nível alto de investimento a despeito das restrições orçamentárias.
A situação preocupa Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele lembra que as responsabilidades dos governos locais aumentam ano após ano desde a Constituição Federal de 1988, mas os recursos não são repassados na mesma proporção, prejudicando os investimentos.
— Os municípios, ao longo dos últimos anos, acabaram assumindo responsabilidades que eram da União. Hoje, o que arreacadamos dá para cobrir os custos da máquina pública. Isso tem consumido todo o nosso orçamento. Na maioria dos municípios, não é falta de gestão, mas muitas atribuições que eles não dão conta — afirma.
Para os próximos anos, a situação deverá se manter no mesmo patamar, na avaliação de especialistas. Eles lembram que no Orçamento da União a previsão de gastos com investimentos para 2020 é de R$ 19 bilhões, o menor patamar em dez anos. Neste ano, o Orçamento previa gasto de R$ 27,3 bilhões. As restrições orçamentárias para o próximo ano estão relacionadas com o teto de gastos públicos — que prevê que as despesas não podem crescer acima da inflação do ano anterior.
Diante de um cenário de restrição orçamentária, Vilma Pinto, pesquisadora do Ibre/FGV e especialista em finanças públicas, aponta para a necessidade de municípios “arrumarem a casa”, a fim de ampliarem os recursos dos investimentos. Ela lembra que investidores não vão alocar recursos em locais sem o mínimo de condições para atuar.
— Uma empresa não vai colocar sua sede num estado ou município com alto índice de roubos, estradas esburacadas, sem a infraestrutura básica que ela precisa. Não basta ter mercado consumidor, tem que oferecer infraestrutura suficiente para atender o mercado — destaca Vilma.
Para Aroldi, é preciso que haja uma participação maior na distribuição do bolo tributário para que os gestores locais possam fazer frente a todas as obrigações. Em 2018, a participação dos municípios foi apenas de 19% no bolo tributário, quando seria necessário, no mínimo, 25%.
— Nesse momento de pacto federativo e reforma tributária, é isso que vamos buscar. Vai ficar bem definida a função de cada ente da federação, a participação no bolo tributário para dar conta de todas essas responsabilidades — destaca.
Metade descumpre limite com folha de pagamento
Um dos motivos para o menor nível de investimentos desde 2013 é o maior comprometimento de receitas municipais com pagamento de servidores e aposentados. De acordo com o Índice Firjan, metade dos municípios do país (49,4%) gastou acima de 54% da arrecadação com a folha de pagamento dos servidores, em 2018. Em 821 deles, o gasto ultrapassou o teto estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal de 60% da receita corrente líquida (impostos mais transferências) para despesas com funcionalismo público.
A despeito da quantidade elevada de cidades nesta situação, o levantamento mostra que o número de municípios nesta situação diminuiu, se comparado a 2017 (59,8%). Um dos motivos para a melhora foi a retomada gradual da atividade econômica em 2018. Outro fator foi o aumento das receitas municipais. Em 2010, a carga tributária dos municípios era de 1,79% do PIB. Em 2018, foi 2,27%.
— O fator mais imediato para esse resultado menor foi uma melhora nas receitas. Do crescimento da carga tributária no período, 41,5% são atribuídos aos municípios — explica Vilma.
+ Carlos Alberto Sardenberg: E assim vai a economia
Segundo o estudo, as contas dos municípios são impactadas por políticas de arrecadação de curto prazo, como a repatriação de recursos, em 2016, e a política de mais créditos do Tesouro, em 2014. O estudo mostra que a gestão municipal, no âmbito fiscal, está pior do que era há cinco anos — com aumento de R$ 29 bilhões com gastos de pessoal e queda de R$ 10 bilhões em investimentos.
— A maioria dos municípios tem dificuldade de gerar renda própria. Por outro lado, tem gasto rígido com pessoal. No horizonte de curto prazo, isso não vai mudar — afirma Goulart, da Firjan.
Apenas 1.608 prefeituras apresentaram desempenho bom ou excelente. Em outras palavras, gastaram menos de 45% do orçamento com folha de pagamento. O Sul é a região com maior percentual de cidades nessa situação (47%), seguido pelo Sudeste (32,2%). Em contrapartida, o Nordeste tem apenas 18,4% dos municípios nesta classificação, menor percentual entre as regiões.
Fonte: “O Globo”