Esta não é a primeira vez que um governo propõe reestruturar as carreiras do funcionalismo. A mais recente tentativa de reforma administrativa foi elaborada no governo de Michel Temer , mas acabou não saindo do papel. Para aprovar a medida, é preciso lidar com lobbies de grupos influentes no Congresso. Não por acaso, a proposta já é tratada internamente por integrantes da equipe econômica como “outra Previdência ”.
No fim do ano passado, técnicos do antigo governo deixaram para o presidente Jair Bolsonaro sugestões de ajustes. As diretrizes incluíam o alongamento das carreiras, maior mobilidade de funcionários entre as áreas do governo e redução de salários iniciais.
Em 2017, o então ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, propôs reduzir o salário inicial no funcionalismo para R$ 5 mil. Na época, o governo calculava que a remuneração média inicial dos servidores era de pouco mais de R$ 16 mil. Outro ponto era aumentar o tempo de progressão nas carreiras para até 30 anos.
Últimas notícias
Salários nos tribunais de contas extrapolam teto
Governo deve anunciar corte de R$ 2,5 bi no Orçamento nesta segunda
Cida Damasco: “Simplificação é mote da reforma, mas público quer menos impostos”
Responsável por comandar a reestruturação de carreiras durante o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello, o ex-secretário da Administração Federal João Santana avalia que vencer o lobby de servidores é a principal dificuldade para viabilizar esse ajuste. A reforma de Collor resultou na dispensa de cerca de 60 mil funcionários e gerou forte judicialização. Parte desse contingente conseguiu retornar aos postos, por decisão judicial.
— O principal desafio para qualquer reforma administrativa é a resistência do corporativismo que existe dentro da máquina do Estado. São estruturas de carreiras, de pessoas, de interesses muito fortes, que têm um poder de influência muito grande, que resistem a qualquer mudança profunda de administração pública no Brasil — afirma Santana, que hoje atua como advogado.
Para ele, a reforma que tocou em 1990 foi possível porque o momento político era favorável. Ele não vê esse cenário hoje e acredita que Bolsonaro encontrará mais dificuldades. A reforma da Previdência é uma prévia do tipo de embate previsto para essa próxima medida. A proposta foi modificada na Câmara para amenizar regras de aposentadoria para servidores, inclusive com benefícios para categorias específicas, como a dos policiais.
— Em 1990, tinha a favor (do governo), naquele momento histórico, a primeira eleição do presidente. O Congresso aprovou 99% das medidas que o governo propôs. Foi possível. A gente fez no primeiro dia do governo. Hoje, acho que é mais difícil — afirma.
Nas últimas décadas, as categorias tiveram ganhos. Só entre 2003 e 2008, foram realizados 108 mil concursos. O reajuste salarial nominal chegou a 238% para algumas categorias. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já disse que não pretende realizar novos concursos.
+ Estabilidade do servidor é obstáculo para a produtividade
Categorias relatam que há falta de diálogo no atual governo. Rudinei Marques, diretor do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Tìpicas de Estado (Fonacate) considera que o assunto ainda não está maduro o suficiente, embora concorde com algumas ideias, como a maior mobilidade entre os órgãos.
— O governo parte de algumas premissas de que a máquina está inchada e custa caro. Conseguimos demonstrar que hoje temos o mesmo número de servidores que em 1991. Nesse período a população cresceu 35%. O quadro tende a minguar, porque 110 mil estão em abono de permanência. Como uma reforma administrativa vai lidar com isso, com a emenda do teto que inviabiliza a realização de novos concursos? — afirma. — São coisas que a gente deveria estar discutindo com o Planejamento, mas se criou uma visão distorcida do que são as entidades de classe no âmbito do serviço público. Parece que todos querem derrubar o governo. É uma relação que não é boa para ninguém.
Fonte: “O Globo”