Para o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, a potência fiscal da reforma da Previdência aprovada pela Câmara dos Deputados é de uma economia de R$ 1 trilhão em 10 anos, considerando os efeitos da medida provisória antifraude do INSS.
A mudança na estrutura dos impostos pagos no País, entretanto, não deverá ser simples. “Se a reforma da Previdência ficou melhor do que a encomenda, a tributária corre grande risco de acabar sendo menos ambiciosa”, pondera.
Em relação aos juros, ele projeta que o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, fará ainda este ano mais dois cortes de 0,5 ponto porcentual, levando a taxa Selic a 5%, nível que seria mantido durante todo o ano de 2020. Mesquita acredita que o mercado de trabalho está em marcha tão lenta que nem mesmo repiques com combustíveis, alimentos ou energia elétrica, seriam capazes de pressionar a inflação.
De acordo com Mesquita, os efeitos da escalada de uma guerra cambial para o Brasil não mudam, por ora, essa expectativa em relação aos juros. “O dólar a R$ 4 não muda a perspectiva do ciclo, ainda mais porque o repasse cambial é baixo”, avalia. No entanto, se a moeda depreciar mais, entre R$ 4,10 e R$ 4,20, aí pode ser necessário recalibrar o movimento total da Selic, prevê. Confira a seguir a entrevista.
O corte na Selic veio em linha com sua estimativa. O que o sr. espera desse novo ciclo de política monetária?
Nossa expectativa é que o Banco Central faça mais dois cortes de 0,50 ponto cada, levando a Selic a 5,0% até o final do ano. A expectativa está baseada em um conjunto de projeções de inflação abaixo da meta e que dá ao BC espaço para cortar o juro e colocar a inflação em torno de 4% em 2020. Agora, as decisões de política monetária têm influência sobre 2020 e não mais sobre 2019. Nesse contexto, o BC pode flexibilizar a política monetária, o que tem efeito também de contribuir para a retomada da economia.
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Por quanto tempo o Copom deve manter o juro em 5%?
Vemos que deve continuar nesse patamar até o final do ano que vem. Basicamente porque observamos a economia brasileira operando em um grau bastante elevado de ociosidade, em torno de 4%. Em termos concretos, vemos o desemprego caindo muito lentamente, próximo ainda de 12%, um mercado de trabalho fraco com dinâmica salarial bastante contida e, portanto, sem pressões inflacionárias vindo do lado da demanda no horizonte de 2019-2020. Alguns fatores podem pressionar a inflação, como combustíveis, alimentos e bandeiras tarifárias de energia elétrica, mas isso não dita a tendência da inflação, que tem muito mais a ver com o grau de ociosidade da economia, com as expectativas e com a própria trajetória de metas. Os repiques ou quedas causadas por esses fatores citados tendem a ser mais ruídos do que algo a ser levado em conta na formulação da política monetária.
Mesmo com estímulos do governo, como o FGTS?
Não muda, ainda mais se levarmos em consideração que a economia mundial está dando sinais de desaceleração e as tensões comerciais globais seguem elevadas, o que afeta negativamente as perspectivas para o crescimento mundial. Nesse contexto, a iniciativa do FGTS, por ora, parece ser mais algo que evita revisões negativas nas projeções do PIB do que algo que motiva a fazer revisões altistas. Nós estimamos crescimento de 0,8% do PIB para este ano.
O corte de juros pelo BC americano em 0,25 ponto porcentual chancelou a decisão do Copom?
Para calibrar a Selic, o Banco Central considera projeções de inflação e balanço de riscos em relação à trajetória de inflação para a meta. Quando o Fed entra em uma trajetória de corte de juro, tende a enfraquecer o dólar perante todas as moedas, o que cria uma perspectiva de apreciação do real. Isso tende a influenciar projeções e expectativas de inflação. Uma vez que entra no modelo do BC, pode favorecer a política de flexibilização monetária. Existe, sim, uma ligação entre a política monetária do Fed e a daqui, mas é bastante indireta e o mecanismo que liga uma a outra é o balanço de risco em torno das projeções de inflação. O Fed fez o que era majoritariamente esperado, que era cortar a taxa em 0,25 ponto porcentual. Aqui, o apreçamento do mercado estava mais perto do 0,50 do que de 0,25 e, dessa forma, a decisão do BC foi predominantemente esperada. Caso não tivesse cortado em 0,50, um efeito colateral negativo teria sido que as pessoas aqui, quando fossem pensar em Copom, passariam a dar um peso extraordinário às decisões do Fed. Seria quase como criar uma dependência do mercado com relação à perspectiva de política monetária dos Estados Unidos. As decisões lá são relevantes, mas não há uma relação de 1 para 1. Vale notar que, este ano, as decisões do Copom são todas em dia de decisões do Fed. Então ficaríamos exageradamente sensíveis às decisões de lá.
Qual sua visão sobre o recrudescimento da guerra comercial e a postura do presidente Donald Trump?
O presidente americano foi eleito em uma campanha na qual prometeu tomar medidas para recuperar empregos industriais nos EUA, notadamente naqueles estados do meio-oeste. Os economistas que estudam o tema concluíram há tempos que o principal fator a eliminar emprego nos EUA e no mundo é a automação, e não o comércio internacional. Mas Trump escolheu um inimigo externo, a China e outras economias, como responsável por isso. Adotou política protecionista que tem servido a seu propósito mais imediato, que é garantir o apoio da sua base eleitoral. Apesar de toda controvérsia, ele é um candidato competitivo à reeleição, não será fácil de derrotar. Do ponto de vista político, está funcionando para ele. Da mesma forma funciona, do ponto de vista político, criticar o Fed, porque ele tem alguém a quem culpar caso a economia americana desacelere. Eu estou falando da política no seu aspecto mais imediato e que está funcionando. Assim sendo, não acho que ele vá mudar.
E quais efeitos sobre o Brasil?
A avaliação que temos, que é de FMI, OCDE e da maioria dos analistas independentes, é a de que essa sanção comercial gera importante aumento da incerteza nas economias que costumavam ser totalmente abertas, onde as empresas eram totalmente tranquilas em buscar seus fornecedores e compradores no mercado mundial. No momento em que o acesso a isso começa a ser incerto, ainda que nada mude, a vida dessas companhias fica mais difícil. Com isso, investem e contratam menos mão de obra. A incerteza sobre o comércio tem sido um dos principais fatores para segurar o crescimento global. Isso é ruim para o Brasil. Um único efeito que eu vejo como potencialmente positivo é que, ao não ter alinhamentos comerciais mais fortes, o Brasil se torna um parceiro disputável. A União Europeia fez um acordo com o Mercosul e agora surge a notícia de que os EUA também querem fazer acordo com Mercosul. Fica claro que os EUA querem trazer o Brasil mais para perto para reduzir a influência da China na região. Mas, em termos líquidos, a situação é pior.
Qual sua avaliação sobre uma possível crise global?
Vemos, sim, algumas consequências da política monetária de juro muito baixo por muito tempo, que tem sido perseguida pelos principais bancos centrais do mundo. Isso acaba levando a uma busca por retorno e os investidores têm deprimido as taxas de juros de vários instrumentos de renda fixa, com papéis de dívida com juro negativo. Isso não é uma situação usual. Por esse lado, vemos algum excesso de exuberância no mercado. Em segmentos do setor de tecnologia, vê-se empresas fazendo operações em mercado de capitais com apreçamento bastante agressivo. Muitas não só não têm lucro como têm custo de aquisição de clientes crescente. Talvez seja um outro sinal de exuberância.
O que poderia provocar uma crise ou mudança rápida de humor?
Se a dinâmica salarial nos Estados Unidos começasse a mostrar pressão inflacionária maior e o Fed, em vez de cortar a taxa de juros, tivesse de subi-la mais agressivamente. Por ora, não parece o cenário mais provável e a tendência é que este ambiente mundial, de certa permissibilidade com risco, tenda a continuar.
Em termos de política monetária, quais os efeitos de uma guerra cambial para o Brasil?
O impacto depende da intensidade da depreciação cambial. O dólar a R$ 4,00 não muda a perspectiva do ciclo, ainda mais porque o repasse cambial é baixo. Se a moeda depreciar mais, digamos acima de R$ 4,10 ou R$ 4,20, aí pode ser necessário recalibrar o movimento total da Selic.
Isso pode dar fôlego ao Brasil para fazer o dever de casa?
O ambiente de flexibilização monetária por parte do Fed, não que seja necessário nem suficiente, mas favorece a implementação dessa política aqui também. Isso ajuda nessa transição de uma economia mais dependente do Estado para ser aquela em que o setor privado genuinamente lidera o processo de crescimento, sem precisar de muleta de crédito subsidiado, do Estado dizendo em qual setor a companhia deve investir.
+ Zeina Latif: Contenha o entusiasmo
Acha que o texto da reforma da Previdência será mantido?
A reforma não deve sofrer diluição adicional. É bastante expressiva, pois, considerando o que foi aprovado na Câmara e a MP antifraude do INSS, é algo perto de R$ 1 trilhão. Acreditamos que o Senado não tomará iniciativas que coloquem em risco a sua aprovação de forma tempestiva. Até outubro devemos ter a reforma promulgada. O que inferimos de conversas com membros da classe política é que a questão de Estados e municípios avançará, mesmo como PEC paralela que sairá do Senado.
Qual sua expectativa para a reforma tributária?
É um tema mais complexo. A começar porque há várias propostas na mesa. O noticiário mostra que o governo quer promover reunião com vários estudiosos e proponentes para afunilar e convergir a uma proposta única para, aí sim, avançar. Vamos observar como isso vai ocorrer. Outra coisa é que lidar com o pacto federativo é uma questão sempre complicada no Brasil. Se a reforma da Previdência acabou ficando melhor do que a encomenda, a tributária corre grande risco de acabar sendo menos ambiciosa do que algumas das propostas sugerem. Mas, para além disso, a MP da liberdade econômica – que está para ser aprovada na Câmara – é muito importante, uma vez que facilita bem a vida das empresas.
O foco dos presidentes da Câmara e do Senado nessa agenda traz alívio?
Temos um Congresso com um grau de ativismo legislativo e atuando com um grau de autonomia em relação ao poder Executivo poucas vezes visto. Pode até ser que estejamos vendo uma atividade no Congresso mais em linha com aquilo que o Constituinte de 1988 tinha em mente, de um Legislativo mais protagonista. Isso é bom. Acho que nós brasileiros, historicamente, atribuímos talvez importância demais a eleições do poder Executivo e importância de menos ao poder Legislativo. O ideal é balancear isso.
Fonte: “Estadão”