Após mais de nove horas de discussão numa sessão tumultuada, o governo conseguiu vencer a primeira etapa de tramitação da reforma da Previdência e aprovou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) o relatório do deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), favorável à admissibilidade da proposta. O texto foi aprovado com 48 votos a favor, tendo havido 18 contra, num total de 66. A tramitação, porém, mostrou que o governo precisará aprimorar a articulação política para enfrentar a próxima fase, a comissão especial, na qual é discutido o mérito do projeto.
Nesta primeira batalha, o governo conseguiu se mostrar mais articulado para lidar com as pressões e conseguiu derrubar no voto todos os requerimentos para protelar os trabalhos. Antes do início da sessão, informou que havia fechado um acordo com o centrão. O governo cedeu à pressão dos partidos e alterou quatro pontos do texto original, preservando, contudo, a espinha dorsal da proposta e a economia prevista com as mudanças no regime de aposentadorias, de R$ 1 trilhão em dez anos.
Depois da aprovação do relatório, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que a partir de agora é o momento de o governo se mostrar mais presente na articulação:
— A aprovação é boa para o Brasil, quem é contra quer voltar a um passado quando tivemos a pior recessão da história, em 2014. É importante que o governo assuma esse papel. A reforma é importante para o Brasil e para os brasileiros — disse ele.
Maia defende instalação da comissão especial até a próxima terça-feira . Mais cedo, a líder do governo no Congresso, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) informou, após reunião com presidente Bolsonaro, que o governo fechou acordo para instalar ja na próxima quinta-feira a Comissão Especial que dará sequência à tramitação da reforma da Previdência na Câmara.
Perguntado sobre a composição da comissão especial que será instalada para analisar a reforma da Previdência antes de o texto ir para o plenário, Maia fez o seguinte comentário: o presidente da comissão será ligado aos partidos e o relator ligado ao governo.
— O Brasil precisa garantir um sistema equilibrado. Mais do que isso, um país com credibilidade para que o setor privado volte a investir.
Apoio na comissão especial
O relator da reforma da Previdência na CCJ, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), destacou que houve um trabalho intenso do governo na Comissão e que o resultado da votação superou as expectativas:
— O resultado foi extremamente positivo. A votação aqui mostrou que o trabalho foi intenso e foi forte porque nem na melhor das expectativas teríamos 48 votos. Agora, o governo vai ter que trabalhar para conseguir o apoio da comissão especial – disse Freitas.
A líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), disse que ficou feliz com a votação e o governo terá que seguir os prazos regimentais para acelerar a tramitação da reforma.
— A gente vai ter que dar um jeito no kit oposição porque a gente perdeu muito tempo, mas ganhamos de lavada – afirmou Joice.
Já o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), disse a sua missão foi cumprida. Ao ser indagado se teve de ser mais duro na sessão desta terça, respondeu:
— Não acho que fui duro, mas a questão é hoje tinha que acontecer a votação. Havia voto para o procedimento, então eu fui passando a pauta e encaminhando para que chegássemos a esse resultado.
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Ao longo do dia, deputados protagonizaram cenas de bate-boca, debateram inúmeras questões de ordem e votaram sete requerimentos. Na lista de questões de ordem, houve espaço até mesmo para queixas sobre erros de português no relatório, como “a expressão salário-mínimo com hífen”. Para completar, o painel eletrônico chegou a apagar durante a fase dos requerimentos, o que aumentou a morosidade das discussões, já que o processo teve de ser feito por votação nominal. As manobras chegaram a extrapolar o regimento, quando deputados de PT e PSOL resolveram cercar a mesa da presidência da CCJ com o objetivo de impedir a continuidade dos trabalhos.
A sessão começou às 15h07 desta terça-feira, com mais de 30 minutos de atraso. Por volta das 21h, o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), foi informado de que o requerimento mais importante da oposição havia sido rejeitado. A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), líder da minoria, havia recorrido ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que a votação fosse adiada por 20 dias. Mas a contagem de assinaturas não conferia com as apresentadas. Seriam necessárias 103 assinaturas, mas a assessoria técnica só validou 99.
‘Está ficando feio’
Num sinal do clima de tensão, Francischini chegou a avisar que não aceitaria gritaria, o que ocorreu várias vezes durante a sessão.
— Não vou aceitar que fiquem gritando. Isso aqui não é feira. É só eu abrir o microfone e todo mundo começa a gritar. Isso é estratégia de vocês, se tivessem embasamento jurídico, não agiriam assim. Quem tem razão não berra, não urra — disse Francischini.
Ao longo da sessão, opositores ao projeto repetiram inúmeras vezes a cobrança para que os números que embasam a proposta e sustentam a economia de R$ 1 trilhão sejam apresentados aos parlamentares antes da votação. Francischini disse entender que é uma liberalidade da equipe econômica não enviar os números neste momento. Desde que o projeto foi apresentado, porém, houve um esforço da equipe econômica para prestar esclarecimentos aos parlamentares sobre o teor da proposta, incluindo o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário da Previdência, Rogério Marinho.
A intervenção da líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), quase acirrou novamente os ânimos entre os parlamentares. Em tom exaltado, disse que a oposição estava empurrando as discussões com a barriga e que o povo gostaria que os parlamentares da comissão trabalhassem.
— Essa discussão já deu. Não é possível que a oposição use todos os meios para empurrar a discussão com a barriga (…) Está ficando feio para a CCJ, para essa Casa, chega! Vocês não entendem que a população quer que a comissão trabalhe e não fique somente procrastinando. Vamos discutir no voto. (…) Sensibilidade e canja de galinha não fazem mal a ninguém — disse a parlamentar.
Ela foi interrompida tanto pelos deputados da base, como o DEM, quanto pelo PT, da oposição. O deputado Arthur Maia (DEM-BA) ameaçou deixar a sessão, alegando que Joice estava fazendo oposição e que a base queria votar:
— O governo está fazendo oposição e, mais uma fala (como essa), os deputados do DEM vão se retirar da votação.
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Próximos passos
Antes do início da sessão, Marinho informou que havia fechado acordo com líderes dos partidos e bancadas para votar o projeto. Ele se comprometeu a abrir os dados sobre o impacto fiscal após a votação na CCJ.
— Foi um bom acordo. Vamos para a próxima fase — disse Marinho. — A maioria dos partidos está a favor dessa pauta, o que aconteceu foi um exercício de democracia.
Após a aprovação na CCJ, o próximo passo é a criação de uma comissão especial para analisar o mérito da matéria, que poderá sofrer alterações. Joice Hasselmann informou que foi fechado um acordo com os líderes dos partidos para acelerar a instalação dessa comissão nesta quarta-feira.
O plano do Executivo é também dar largada a uma campanha nos meios de comunicação para explicar à população a importância da reforma. As peças serão veiculadas assim que a comissão especial estiver funcionando.
Em outra frente, a equipe econômica já se movimenta para definir o relator da reforma da comissão especial. O PSDB está no radar. Os nomes dos deputados tucanos Eduardo Cury (SP) e Paulo Abi-Ackel (MG) são os mais citados no momento.
Fonte: “O Globo”