Sem folga no orçamento e com uma conta que não para de crescer, governadores de vários Estados prometem fazer de 2020 um ano de grandes privatizações, concessões e Parcerias Público-Privadas (PPP). Eles pretendem transferir para a iniciativa privada pelo menos 100 ativos, segundo levantamento feito pelo Estado.
O cardápio de ativos é diversificado. Inclui desde setores tradicionais, como energia elétrica, rodovias, aeroportos e empresas de telecomunicações, até a concessão de mirantes, marinas, hotéis e casa de repouso. Há também estádios de futebol, cozinha-escola em presídios, zoológicos e centros de eventos, entre outros.
Pelo levantamento do Estado, o segmento com maior número de ativos – 22 no total – é o de transportes, que envolve linhas de metrô e ônibus, terminais rodoviários, trens intercidades, rodovias e portos. Normalmente, esses projetos exigem investimentos pesados, como a concessão de 1.200 km do lote rodoviário Piracicaba-Panorama, que o governo de São Paulo pretende leiloar amanhã na Bolsa. Quem ganhar a disputa terá de investir R$ 14 bilhões durante os 30 anos de concessão.
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Outro projeto vultoso do governo paulista é o Trem Intercidades, de R$ 5,6 bilhões, entre a capital, Campinas e Americana. No total, são 21 projetos aprovados pelo Conselho Gestor de PPPs e Concessões do Estado, que podem ser licitados até o fim de 2020 e vão gerar investimentos da ordem de R$ 40 bilhões, segundo a gestão de João Doria (PSDB).
“Vamos ver muita privatização relevante, seja do governo federal ou dos Estados, mas também haverá muitos ativos sem interesse por parte dos investidores”, diz o advogado Fernando Vernalha, especialista em infraestrutura e sócio do escritório VG&P Advogados. Na opinião dele, as operações relacionadas aos setores de gás e saneamento, cujos marcos regulatórios estão sendo refeitos, devem ter maior apetite por parte da iniciativa privada.
Das 27 unidades procuradas, 16 responderam aos questionamentos da reportagem. Dessas, 13 pretendem fazer alguma privatização de empresas ou concessão de serviços públicos nos próximos anos, só duas não têm ativos para vender e uma ainda avalia a possibilidade de criar um programa de desestatização.
O governo do Maranhão teve autorização para vender 25,5% das ações da Companhia Maranhense de Gás (Gasmar); o Rio Grande do Sul conseguiu retirar a exigência de um plebiscito para vender a Sulgás; e Goiás ainda espera aprovação da Assembleia Legislativa.
No Rio, a venda da Cedae foi uma das exigências do governo federal para que o Estado pudesse aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. Um dos modelos que vêm sendo estudado pelo governador Wilson Witzel (PSC) é a venda de ações da empresa no mercado. Mesma saída é vista pelo Distrito Federal e pela Bahia.
Minas Gerais, que a exemplo de Rio e do Rio Grande do Sul, vive grave crise fiscal, tem planos para vender tanto a estatal de gás (Gasmig) como a de saneamento (Copasa). Em novembro, o governador Romeu Zema (Novo) publicou no Diário Oficial o Decreto 47.766 que trata da Política Estadual de Desestatização e cria o Conselho Mineiro de Desestatização (CMD).
“Tenho dito que o Estado já tem muito o que fazer na parte de saúde, educação, segurança e infraestrutura. As empresas do Estado, notoriamente no último governo, serviram para interesses políticos e cabides de emprego ”, diz o governador.
Minas também quer privatizar a Cemig e vender participações que a empresa tem na Taesa (transmissão), Renova (eólica) e nas hidrelétricas Santo Antônio e Belo Monte. De acordo com o levantamento do Estado, a área de energia tem 9 empresas para serem privatizadas ou concedidas. Além dos investimentos de Minas, a lista inclui a CEEE, do Rio Grande do Sul – a venda também é um apelo para a adesão ao programa Regime Fiscal do governo federal.
“Como o segmento de gás, a área de energia demanda muito investimento. Mas o governo hoje não consegue fazer os aportes necessários para fornecer um serviço de excelência”, diz o secretário de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Artur Lemos Júnior.
Três perguntas para: Elena Landau, economista
A maioria dos Estados pretende fazer privatizações, PPPs e concessões. Essa é a melhor forma deles melhorarem suas contas?
A privatização, concessão e PPP são formas de atrair investimento privado para coisas que o Estado não consegue fazer e privatização ajuda a arrecadar algum dinheiro e evitar gastos com funcionários e com folha. Mas o melhor caminho para melhorar as contas de forma definitiva é reduzir despesa obrigatória. E a maioria dos Estados que estão em situação complicada têm problema de folha, funcionalismo, pensões especiais e gastos com inativos. Então, tem de ter reforma previdenciária e administrativa. Se não tiver essas duas coisas, os Estados podem vender todos os ativos que não vão resolver de forma estrutural as contas. Mas o passo da privatização e concessão é ótimo, sinal que entenderam que o Estado não pode fazer investimentos e que o setor privado faz melhor.
Esse movimento é um indicativo de que a ideologia contra as privatizações está diminuindo?
Hoje, os Estados têm uma restrição orçamentária evidente. Todo político gosta de fazer obra, gosta de gastar dinheiro. É muito parecido com o que ocorreu nos anos 90, quando teve uma onda de privatização na área de distribuição de energia, pela incapacidade de investimentos do governo com a restrição fiscal. Agora há também uma restrição fiscal enorme, mas há menor resistência à privatização. Como essa resistência diminuiu é difícil de a gente saber. Tem a qualidade dos serviços público que é muito mal prestada. A pessoa compara: ‘Eu tenho celular, mas não tenho saneamento’. Tem o lado da corrupção, da Lava Jato. E tem também a questão da transparência, mostrando que os salários são muito maiores do que no setor privado. As estatais não desempregaram e até tiveram aumento real de salário. Há uma sensação de que ter estatal não é tão bom assim.
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A privatização de ativos menos rentáveis ou menores pode fazer diferença no caixa dos Estados?
Acho que a privatização tem de ser geral. Não tem motivo do Estado manter qualquer tipo de ativo. Não importa se os ativos dão lucro ou não. Tem de tirar as empresas da função pública. Se o ativo é menos rentável não interessa, ele sai da agenda do Estado, diminuiu o número de empregados, diminui aposentadoria, folha de pagamento e aumenta eficiência. O País está precisando dar um salto de produtividade na economia. Então não importa se os ativos são poucos rentáveis. Tem de fazer uma privatização ampla, seja de empresa boa, empresa lucrativa, ou empresa ruim. Privatiza tudo onde o Estado não precisa estar, que é quase tudo. Fica na segurança pública. Até educação pode ter complementaridade.
Fonte: “Estadão”